100 Maiores Capas
Michael Jackson - Dangerous

Edição mes 05 2005
DISCOS-OBJETO
A evolução das artes gráficas é interferir no próprio meio. Não se trata apenas de belas ilustrações ou fotografias: é a própria capa que ganha vida em forma de livro, instalação ou mimos desmontáveis. O disco-objeto, mania nos anos 70, cruzou o tempo e chegou à época do CD com verdadeiras peças de design. Isso sim é campanha contra a pirataria!
MICHAEL JACKSON - DANGEROUS, 1992
As crianças que visitaram Neverland devem ter adorado esta edição limitada do álbum chamado "Perigoso"...
GILBERTO GIL - EXPRESSO 2222, 1972
De volta do exílio, Gil ajudou a criar a identidade do pop setentista brasileiro com sua alucinação visual. Maior viagem!
ISAAC HAYES - BLACK MOSES, 1971
Para forjar seu álbum mais famoso, Hayes teve uma bela ajuda da capa que se desdobrava em forma de cruz
CAETANO VELOSO - TRANSA, 1971
Puxa daqui, dobra de lá e temos uma legítima peça pós-tropicalista
SPIRITUALIZED - LADIES AND GENTLEMEN WE ARE FLOATING IN SPACE, 1997
Psicodelismo inglês em drágeas bem conservadas.
TALKING HEADS - SPEAKING IN TONGUES, 1983
Robert Rauschenberg fez a arte de plástico multicolorido para a banda nova-iorquina
MARISA MONTE - MEMÓRIAS, CRÔNICAS E DECLARAÇÕES DE AMOR, 2000
Um mini-coffee table book com fotos tiradas pela cantora em sua Polaroid
AS 100 MAIORES CAPAS DE DISCOS DE TODOS OS TEMPOS
Simples, isso não foi. Montamos o maior júri de jornalistas, publicitários, designers, músicos e colecionadores e convidamos esse povo todo a responder a uma questão que atormenta a humanidade há 66 anos. Afinal, quais as melhores capas de discos de todos os tempos?
Para chegar a uma seleção, ãhn, científica, foi preciso apelar à tecnologia. Primeiro, bolamos um software de votação que agrupava mais de 300 capas pré-selecionadas de acordo com o tipo de música, a proposta estética ou a época em que foi lançada. A idéia era que a revista não ficasse nem roqueira demais, nem tropicalista demais, nem anos 60 além da conta ou mais jazzista do que convinha. Essa pré-seleção foi feita com base em diversas listas internacionais, votações mais antigas e palpites vindos de toda parte.
Uma vez dentro do software, nosso time de notáveis precisava escolher e ordenar 50 capas de acordo com os próprios critérios - beleza, relevância histórica etc. E foi assim, tabulando todos os votos, que chegamos à lista que começa na página a seguir.
þ Agora, lista é aquela coisa - sempre vai ter gente sentindo falta de fulano ou inconformada com o beltrano que apareceu na frente do sicrano. Mas (sem querer fazer pouco de toda a trabalheira que deu para chegarmos a ela), cá entre nós, tudo isso não passa de desculpa para a gente contar 100 histórias fabulosas que se escondem por trás dessas obras de arte que estocamos no porta-luvas do carro. Sente-se em uma poltrona confortável e aprecie esta verdadeira exposição musical.
100 - Titãs - Blesq Blom
Gravadora - WEA
Ano - 1989
Design - Silvia Panella
Ilustração - Arnaldo Antunes
O quinto álbum dos Titãs teve a arte gráfica criada por Arnaldo Antunes, que deixaria o grupo algum tempo depois. Numa época em que a computação gráfica engatinhava, o cantor montou todo o título com letras recortadas de jornais e revistas - numa resenha, o Jornal do Brasil chegou a destacar o fato de que a letra "m" da capa fora tirada de sua tipologia. Arnaldo preparou seis versões até chegar ao resultado.
99. Prodigy - The Fat of the Land
Gravadora - XL Recordings
Ano - 1997
Design - Alex Jenkins
Fotografia - Konrad Wothe
A embalagem de The Fat of the Land é cheia de metáforas. Liam Howlett sempre foi zeloso com a estética do grupo: "O caranguejo representa as cores da banda, a energia, e as presas, sua força". O animal, segundo o designer Alex Jenkins, representa o medo das crianças ao pisar na praia pela primeira vez. O logotipo da banda, uma formiga, é criação do faz-tudo Howlett. "Ela é pequena e poderosa, como o Prodigy", filosofou.
98. Grace Jones - Island Life
Gravadora - Island
Ano - 1986
Design - Greg Porto
Fotografia - Jean-Paul Goude
Jean-Paul Goude, responsável também pelas capas de Nightclubbing (1981) e Slave to the Rhythm (1985), tem grande participação na construção de um dos maiores ícones dos anos 80. Alheia a gêneros e raças, Jones sempre projetou uma imagem andrógina e sobre-humana. Talvez por isso, a cantora tenha sido "adotada" por grupos gays e movimentos negros como modelo de força e sucesso.
97. Adoniran Barbosa - Adoniran Barbosa
Gravadora - EMI-Odeon
Ano - 1980
Design - Não creditado
A capa prateada de Adoniran, em forma de convite, embala um dos primeiros "discos de projeto" de uma gravadora, com convidados - Djavan, Elis Regina, Roberto Ribeiro etc. Não há créditos para o designer. "Acho difícil o Adoniran ter participado da confecção da capa", conta Maria Helena Rubinato, filha do grande sambista. "Pode, se tanto, ter aprovado. As gravadoras não davam essa folga para os seus contratados."
96. Raimundos - Só no Forévis
Gravadora - WEA
Ano - 1999
Design - Luiz Stein
Fotografia - Adriana Pittigliani
A idéia aqui foi flagrar os Raimundos numa caricatura dos pagodeiros de butique, que dominavam as rádios na época. Os "rivais" também são satirizados na faixa "A Mais Pedida": "Meu cabelo é ruim/ mas meu terno é de linho/ vou ser seu Salgadinho/ você vai gostar de mim". A traquinagem ajudou que Só no Forévis se tornasse o disco mais popular da carreira do barulhento grupo brasiliense.
95. Debbie Harry - Kookoo
Gravadora - Chrysalis
Ano - 1981
Design - Peter Wagg
Ilustração - H.R. Giger
É H.R. Giger, o pai do monstrengo de Alien, quem assina a arte do primeiro disco da carreira-solo da ex-vocalista do Blondie. Segundo o artista, a idéia de transpassar o rosto de Debbie com agulhas surgiu após a primeira sessão de acupuntura a que ele se submeteu. É de Giger também capas como Brain Salad Surgery (1973), do trio Emerson Lake & Palmer, e Danzig III- How the Gods Kill (1992), do baixinho Danzig.
94. Simon & Garfunkel - Bookends
Gravadora - Columbia
Ano - 1968
Fotografia - Richard Avedon
Paul Simon e Art Garfunkel eram os garotos-propaganda do pop sensível dos anos 60. Por isso, a capa de Bookends, lançado em 1968, até parece coisa de grupo indie dos anos 80 e 90. O evocativo retrato em preto e branco foi tirado num estúdio de Nova York por Richard Avedon, um dos fotógrafos mais famosos (e caros) dos anos 60. Simon, que circulava pelo circuito de arte de Manhattan, conseguiu que ele topasse a proposta na hora.
AS HOMENAGENS
KRUDER & DORFMEISTER, 1996
JAZZYFATNASTEES, 2002
93. Björk - Homogenic
Gravadora - Elektra
Ano - 1997
Design - Alexander McQueen
Fotógrafo - Nick Knight
Estamos diante de uma espécie de gueixa futurista, criação do estilista britânico Alexander McQueen "incorporada" pela própria Björk. Nick Knight é especialista em desafiar as noções tradicionais de beleza. Não à toa, fez carreira em editoriais de moda de revistas como Vogue, Dazed and Confused e outras publicações com um pé na vanguarda estética.
92. João Gilberto - João Gilberto
Gravadora - Odeon
Ano - 1961
Fotografia - Francisco Pereira
Hoje, João Gilberto é conhecido pelo humor instável. Mas, há longínquos 40 anos, chegava até a despertar suspiros dos corações femininos. Aquela mistura de intelectualidade e suavidade capturava a imaginação do público. Com isso em mente, o fotógrafo Francisco Pereira extraiu um dos retratos mais significativos dele. De perfil, pensativo e com a mão no queixo, quem sabe não passasse por ídolo para o público adolescente?
91. Prince - Lovesexy
Gravadora - Paisley Park
Ano - 1988
Fotografia - Jean-Baptiste Mondino
Depois de uma fase introspectiva, Prince voltava a exalar sexualidade nas canções de Lovesexy. O título era a única pista que o fotógrafo francês Jean-Baptiste Mondino tinha para criar o conceito da capa. O artista - que ainda não era conhecido como "O Artista" - não sabia como seriam as fotos, mas aceitou quando Mondino sugeriu o nu. Repare bem na flor em formato fálico, à esquerda do cantor...
90. Planet Hemp - Os Cães Ladram mas a Caravana Não Pára
Gravadora - Chaos/ Sony
Ano - 1997
Design - Muti Randolph
A perseguição que o Planet Hemp sofreu por cantar a legalização da maconha está estampada na capa do segundo disco. O vocalista BNegão diz que a carranca (digitalmente construída) "representa a truculência e o pensamento obtuso das autoridades do país em relação ao tema abordado pela banda".
89. Caetano Veloso - Jóia
Gravadora - Philips
Ano - 1975
design - Caetano Veloso e Aldo Luiz
Fotógrafo - João Castrioto
Por causa da capa de Jóia, Caetano Veloso foi indiciado por atentado à moral e um juiz chegou ao cúmulo de sugerir a cassação do pátrio poder do cantor - que aparecia com a então esposa Dedé e o filhinho Moreno, todos nus. A capa foi reeditada só com o pássaro que cobria o púbis de Caetano, desenho feito por Aldo Luiz justamente para evitar dores de cabeça com a Justiça. A ilustração original só seria resgatada anos depois, nas edições lançadas em vinil e em compact disc.
88. Martinho da Vila - Rosa do Povo
Gravadora - RCA
Ano - 1976
Design - Não creditado
Ilustração - Elifas Andreato
O disco é uma homenagem ao poeta Carlos Drummond de Andrade, que, em 1945, lançara o livro homônimo, denunciando a opressão social que a ascensão do nazifascismo trouxera. Da mesma forma, na ilustração de Elifas Andreato, os pés descalços sobre o chão, presos por uma rosa com espinhos, remetem claramente àqueles tempos em que a ditadura militar sufocava a liberdade da arte popular.
87. Stan Getz e João Gilberto - Getz/Gilberto
Gravadora - Verve
Ano - 1963
Design - Lili Picou
Ilustração - Olga Albizu
Nascida em Porto Rico em 1924, Olga Albizu foi uma importante pintora abstrata dos anos 50 e 60. Suas obras eram exibidas em galerias de arte do mundo todo, mas ela nunca deve ter imaginado que um de seus trabalhos enfeitaria a capa de um LP. A contracapa também é célebre: traz uma foto de Stan Getz, João Gilberto e Tom Jobim em plena ação. O clique foi do americano/brasileiro David Drew Zingg.
86. Caetano Veloso - Caetano Veloso
Gravadora - Philips
Ano - 1968
Ilustração - Rogério Duarte
Fotografia - David Drew ZingG
O artista gráfico e poeta Rogério Duarte, autor da capa de Caetano Veloso, também trabalhou com Gilberto Gil (Gilberto Gil, de 1969) na sua fase tropicalista. Depois de anos afastado da função e meio esquecido, voltou à ativa chamado pelos Titãs (Como Estão Vocês?, de 2003), confirmando que seu estilo atravessou o tempo e os diferentes estilos musicais. David Drew Zingg, que fez a fotografia de Caetano Veloso mostrada no "porta-retratos", foi uma figura lendária e querida no meio cultural do país. É o mesmo profissional que clicaria a célebre e polêmica imagem da atriz Leila Diniz grávida e nua. Na contracapa do álbum, ao final de um texto escrito à mão (e feito às pressas), Caetano estreava em público sua famosa assinatura, que apareceria de novo, e em destaque, na capa de seu "álbum branco", lançado em 1969.
85. Gilberto Gil - Expresso 2222
Gravadora - Phonogram
Ano - 1972
Design - Edinízio Primo e Aldo Luiz
Fotografia - Edson Santos e Eduardo Clark
O primeiro disco de Gilberto Gil após voltar do exílio - cuja arte original foi mutilada nas reedições em vinil e posteriormente "adaptada" para CD - trazia, na capa, duas folhas redondas dobráveis, que se abriam como um porta-retratos (veja boxe na pág. 25). Na frente, o filho do cantor, Pedro Gil (morto num acidente de automóvel em 1990), e, na contracapa, fotos dos membros de sua banda.
84. Walter Wanderley - O Toque Inconfundível de Walter Wanderley
Gravadora - Philips
Ano - 1964
Design - Paulo Brèves
Na capa, de Paulo Brèves, a impressão das mãos do organista imortaliza a habilidade daquele que foi um dos maiores instrumentistas do Brasil. As palmas simbolizam a trajetória do músico pernambucano, que veio para São Paulo no final dos anos 50 para tocar em bares e casas noturnas e acabou acompanhando renomados artistas, como João Gilberto e Doris Monteiro, e se tornou cult em todo o mundo.
83. Akira S & As Garotas Que Erraram - Akira S & As Garotas Que Erraram
Gravadora - Baratos Afins
Ano - 1987
Design - Fernando Zarif, P. Antunes, Akira S
Fotografia - Rui Mendes
Fernando Zarif e a banda decidiram inovar na capa, desde a inédita numeração das 2 mil cópias, uma a uma, até a forma de concepção. Num período de escassez de papel, a Baratos Afins bancou a embalagem em que apenas uma lâmina de papel foi usada, sobreposta por um plástico, o que dobrou o custo. A polaroid da capa foi riscada com a unha durante a revelação, dando o efeito de derretimento.
82. BJÖRK - Vespertine
Gravadora - Elektra
Ano - 2001
Fotografia - Inez Van Lamsweerde e Vinoodh Matadin
Vespertine foi gravado durante um outono na Islândia - terra natal de Björk - e traz à tona o lado mais introspectivo da cantora. A foto de capa captura um pouco dessa intimidade. O casal holandês responsável por ela também é conhecido por seus trabalhos com imagens sobrepostas exibidos em outdoors e revistas. Apesar do aspecto glacial-freek, as fotos foram tiradas na calorenta Los Angeles (EUA), em abril de 2001.
81. Led Zeppelin - Houses of the Holy
Gravadora - Atlantic
Ano - 1973
Design - Hipgnosis
Fotografia - Hipgnosis
Aubrey Powell e Storm Thorgerson, parceiros do estúdio Hipgnosis, apresentaram duas idéias para a capa de Houses of the Holy. A primeira deveria mostrar uma colina no Peru. A segunda foi inspirada no livro Childhood’s End. Com os custos bancados pelo empresário da banda, a equipe preferiu levar duas crianças para Giant’s Causeway, uma formação rochosa na visinha Irlanda. Elas acabaram se "multiplicando" para as diversas poses exibidas na capa. Por causa da chuva, tudo foi fotografado em preto e branco. Depois, as fotos foram pintadas à mão pelos designers e um (feliz) erro dos artistas deu às crianças aquela sinistra coloração esbranquiçada. É a capa mais "setentista" do Zep, também famosa pela censura que sofreu.
80. Doors - Strange Days
Gravadora - Elektra
Ano - 1967
Design - William S. Harvey
Fotografia - Joel Brodsky
Jim Morrison simplesmente odiou a capa do primeiro LP do Doors. De maneira nenhuma gostaria de ver seu rosto estampado novamente em um álbum. Os anos 60 comiam solto e a psicodelia ditava a moda nas artes gráficas. Mas não era isso que a banda queria como tema de sua próxima arte. Numa reunião com o departamento de criação da Elektra, o grupo exigiu que a capa passasse uma atmosfera onírica, dando como referência os filmes do cineasta italiano Federico Fellini. O título Strange Days incorporava o cotidiano que viviam os integrantes do Doors e a indefinição estética e sonora que os acometia. Para identificar o grupo e o título do álbum, por exigência da gravadora, foram utilizados apenas dois pôsteres, no estilo dos lambe-lambes, no fundo da enigmática imagem.
79. Paulinho da Viola - Nervos de Aço
Gravadora - EMI-Odeon
Ano - 1973
Ilustração - Elifas Andreato
Nas palavras do artista gráfico Elifas Andreato: "A partir de Nervos de Aço, as capas de disco se tornaram espaço de arte no Brasil". A angustiante imagem do músico aos prantos com um buquê nas mãos foi criada após uma noite em que ele e o pintor se encontraram - e Paulinho da Viola tocou a canção de Lupicínio Rodrigues que dá nome ao álbum. O violonista vivia um drama pessoal - estava se separando da esposa - e Elifas decidiu representar esse momento doloroso na capa do disco. "Depois que ele me falou do disco, notei que estava com os olhos vermelhos e mareados", conta o ilustrador. Agumas críticas apareceram, reclamando da exposição desnecessária da intimidade do artista. Mas Paulinho e Elifas continuaram trabalhando juntos, numa das mais duradouras parcerias entre músico e artista gráfico do Brasil.
78. Elvis Presley - 50,000,000 Elvis Fans Can’t be Wrong
Gravadora - RCA-Victor
Ano - 1960
Design - Colonel Tom Parker
Fotografia - Robertson e Fresh
Você já viu esta capa antes. Ela foi tão parodiada e imitada que se tornou um marco pop involuntário. Em 1957, Elvis Presley tinha mandado fazer um terno dourado sob medida. Mas, depois de se apresentar com ele algumas vezes, o Rei o colocou de vez no armário, já que era muito pesado e incômodo. Antes disso, tirou algumas fotos promocionais, que a princípio não deveriam ser utilizadas. Quando Golden Records saiu, Elvis estava no Exército e a RCA, sem nada novo para usar, "inventou" a capa, multiplicando a mesma pose de Elvis para ocupar espaço.
77. Led Zeppelin - (Sem título)
Gravadora - Atlantic
Ano - 1969
Design - George Hardie
Foi com seu quarto álbum, totalmente sem identificação (mas chamado de Led Zeppelin IV e apelidado de Zo-So), que o quarteto chegou ao auge de sua fase mística. A enigmática capa mostra um velhinho carregando vários galhos amontoados. Na verdade, a imagem é uma pintura que está pendurada na parede de uma casa que está desmoronando. Para descobrir, você tem que olhar o encarte e a capa interna. E o disco ficou lembrado por seus quatro símbolos, que são runas nórdicas. A pena do centro é o símbolo de Robert Plant e foi retirada da civilização Mu, que existiu há cerca de 15 mil anos. O símbolo de John Bonham são três círculos que se entrelaçam. O de John Paul Jones são três objetos ovais ligados a um círculo. A tal palavra Zo-So, marca de Jimmy Page, até hoje é objeto de debate. Mas provavelmente ninguém vai saber a verdade, já que ele não abre o jogo.
76. A Tribe Called Quest - The Low End Theory
Gravadora - Jive
Ano - 1991
Design - Zombart JK
Fotografia - Joe Grant
The Low End Theory é considerado pela crítica dos Estados Unidos um dos melhores e mais inteligentes álbuns de hip-hop de todos os tempos. Destacou-se por misturar uma pegada "jazzy" e inaugurar o gênero que passou a ser conhecido como rap alternativo. Este é o segundo álbum do trio americano A Tribe Called Quest, que inovou ao abandonar a postura agressiva típica dos rappers do início dos anos 90 e ao se preocupar mais com as letras e a melodia de suas músicas. Quem assina a arte da capa é o design Zombart JK, que no mesmo ano trabalhou em mais um lançamento da gravadora Jive, Homebase, de DJ Jazzy Jeff & the Fresh Prince (o ator Will Smith). Já o fotógrafo Joe Grant é responsável também pela capa de Daddy´s Little Girl (1991), de Nikki D, entre outros trabalhos menos conhecidos.
75. 13th Floor Elevators - The Psychedelic Sounds of The 13th Floor Elevators
Gravadora - International Artists
Ano - 1967
Ilustração - John Cleveland
Com um vocalista que (dizem) ingeriu mais de 300 pastilhas de LSD, o 13th Floor Elevators só podia mesmo querer os prazeres da vida e da obra lisérgica. Formado em Austin (Texas), o grupo do cantor Roky Erickson estava a milhas da capital do flower power, mas, surgido antes do Grateful Dead, foi adotado pelos hippies que fritavam o cérebro em São Francisco. Para a capa do álbum de estréia, de 1966, a banda queria algo ousado, no estilo dos cartazes de shows que artistas como Wes Wilson e Rick Griffin produziam. Foi então que Clementine, esposa do percussionista Tommy Hall, lembrou de John Cleveland, seu colega na Universidade do Texas. O designer optou por uma capa cheia de signos, cores contrastantes para corresponder ao nome esperto do grupo: por superstição, o décimo terceiro andar não existe em diversos prédios dos EUA.
74. Novos Baianos - Acabou Chorare
Gravadora - Som Livre
Ano - 1972
Design e fotográfia - Antônio Luís Martins
Quando o grupo estava para soltar Acabou Chorare, eles queriam mostrar um pouco de sua vida comunitária. Assim, a capa destacava os dejetos de uma espartana refeição, exibindo copos, pratos, talheres ao lado de alguns mantimentos. A montagem concebida e executada por Antônio Luís Martins captura o espírito de ingenuidade de 30 anos atrás. A Som Livre não economizou na parte gráfica de seu primeiro grande lançamento. A primeira edição vinha com um livro de oito páginas, com fotos feitas por Joel Cocchiaro. Nelas, Baby, Pepeu, Paulinho Boca de Cantor, Luiz Galvão e (muitos) agregados são os próprios hippies made in Brazil, barbudos, cabeludos e carnavalescos.
73. Howlin’ Wolf - The London Sessions
Gravadora - Chess
Ano - 1971
Ilustração - Don Wilson
Howlin’ Wolf foi um dos maiores - literalmente - blueseiros americanos. Com mais de 1,80 metro e cerca de 150 quilos, preenchia os palcos como nenhum outro. O disco The London Howlin’ Wolf Sessions faz parte de uma série criada pela Chess Records cuja característica era gravar ícones do blues acompanhados por grandes músicos britânicos - Wolf toca com fãs como Charlie Watts e Bill Wyman (dos Rolling Stones), Eric Clapton e Steve Winwood. As ilustrações de todas as capas são assinadas por Don Wilson e trazem cenas dos músicos americanos na capital inglesa. Vartan, que trabalhou também com a gravadora Motown, cuidou da direção de arte no relançamento do disco em CD. Ele foi responsável ainda pela criação de capas de grandes nomes do blues, do rock’n’roll e do R&B, como B.B. King, James Brown, Marvin Gaye, The Who, Alice Cooper, The Police e outros.
72. Robert Johnson - The King of the Delta Blues Singers
Gravadora - Columbia
Ano - 1966
Ilustração - Burt Goldblatt
O bluesman Robert Johnson é uma figura um tanto misteriosa - conhecem-se poucas fotos dele, a maioria já utilizada largamente pela imprensa. O álbum The King of the Delta Blues Singers, compilação dos 78 rpm lançados por Johnson entre 1936 e 1937, já ganhou diversas capas - numa das mais conhecidas, uma pintura mostra o bluesman gravando e, em outra sala, dois técnicos registrando a sessão com um gravador de rolo. A edição original, de 1966, foi desenhada por Burt Goldblatt, que fizera quase 3 mil capas de discos de jazz (entre eles álbuns de Billie Holiday e Duke Ellington) e fora diretor de arte do selo Bethlehem Records. A capa de Johnson seguia o estilo habitual de Goldblatt, que buscava sempre perspectivas originais ao retratar artistas e costumava eliminar excessos comuns aos discos da época - como a presença dos nomes das músicas na capa.
71. U2 - War
Gravadora - Island
Ano - 1983
Design - Steve Averill
Fotografia - Ian Finlay
O terceiro álbum do quarteto de Dublin arrombava a porta que separa os meninos dos adultos. O mesmo garoto fotografado no primeiro disco da banda (Boy), Peter Rowen, estava de volta três anos depois. Era como se a banda retratasse a perda da inocência e a evolução musical e temática de Bono e cia. em canções como "Sunday Bloody Sunday" e "New Year’s Day". Com War, o U2 foi lançado para as paradas americanas e abriu sua trincheira na história do rock. O lábio rasgado de Rowen suscitou rumores de que alguém o teria socado para tornar a capa mais real. Bobagem. O garoto estamparia a capa da coletânea The Best of 1980-1990, 15 anos depois, com foto tirada da mesma sessão de War. No encarte, as imagens da banda foram clicadas por Anton Corbijn, que colaboraria em outras capas clássicas, como Joshua Tree.
O ANTES E O DEPOIS
BOY, 1980
THE BEST OF, 1998
70. Dorival Caymmi - Canções Praieiras
Gravadora - Odeon
Ano - 1954
Ilustração - Dorival Caymmi
As músicas de Caymmi ajudaram a construir a imagem da tranquilidade baiana. Contam as histórias de gente com trajetórias, ainda que sofridas, cheias de poesia. Se de um lado o músico retrata isso em palavras e sons, de outro conta com a pintura para se expressar. Caymmi arrisca-se no pincel desde os 11 anos de idade e exibe em seus quadros a óleo um fino sentido plástico. Hoje, tornou-se um "pintor de domingo", mas além de Canções Praieiras, pintou a capa de Caymmi (1972) e a tela que inspirou a caixa Caymmi Amor e o Mar (2001). A neta Stella Caymmi (autora da biografia O Mar e o Tempo) lembra-se de ver o avô pintando na casa em Rio das Ostras (RJ). Mas apesar de pincéis e tintas estarem presente na vida do músico, a pintura nunca foi vista como atividade profissional, ainda que ele tenha realizado uma exposição durante a década de 70.
69. Red Hot Chili Peppers - Blood Sugar Sex Magic
Gravadora - Warner
Ano - 1991
Fotografia - Gus Van sant
Ilustração - Henky Penky
O cineasta americano Gus Van Sant, bastante conhecido no circuito underground, é responsável pelas fotos do álbum que levou o funk-metal às rádios do planeta. Mas a parceria entre Gus e o Red Hot Chili Peppers vai além de Blood Sugar Sex Magic. Ele cuidou também da direção de fotografia do DVD Funky Monks, lançado em 1991. A relação entre a os Chili Peppers e o cinema foi em muito criada pelo baixista Flea, que, além da música, tem na sétima arte outra de suas paixões. Participou das partes 2 e 3 de De Volta Para o Futuro e, em 1991, atuou com River Phoenix em Garotos de Programa, do próprio Van Sant. A ilustração das rosas e das línguas dos integrantes do grupo, com desenhos tribais, foi criada por Henky Penky, responsável pela maioria das tatuagens de Anthony Kiedis, incluindo o famoso símbolo da banda em seu pulso, que aparece na contracapa.
68. João Donato & Seu Trio - Muito à Vontade
Gravadora - Polydor
Ano - 1963
Design - Paulo BrÈves
Gravado na época em que João Donato já era um artista internacional (morava desde 1959 entre os EUA e o México), Muito à Vontade foi finalizado quase ao mesmo tempo que seu subseqüente, A Bossa Muito Moderna de Donato & Seu Trio (1963), para aproveitar a passagem do músico pelo Brasil. Justamente por estar aqui de passagem, ele não teve muita participação na concepção da capa, feita pelo desenhista Paulo Brèves. "Esse disco vendeu bem por causa da capa, que é bem bonita. Mas isso de me colocarem de perna cruzadas, tocando piano... Sei lá. Foi uma visão que o desenhista teve de mim", esquiva-se João Donato. E ele ainda brinca: "Esse negócio de capa bonita funciona mesmo! Já teve disco que eu comprei só por causa da arte da capa, nem conhecia o artista". E ele nunca se arrependeu: "Se a música fosse ruim, pelo menos podia pendurar a capa na parede!".
67. Thelonious Monk Septet - Monk’s Music
Gravadora - Riverside
Ano - 1957
Design - Paul Bacon
Fotografia - Paul Weller
Nos anos 40 e 50, como hoje, não era comum que artistas de jazz aparecessem na televisão - justamente por isso, as capas dos álbuns tinham de mostrar um pouco do que o consumidor iria presenciar caso fosse a um show do artista. Quem visse o pianista Thelonious Monk na capa de seu Monk’s Music, montado num carrinho, já sabia o que encontraria em uma das apresentações do jazzista, considerado tão excêntrico quanto inovador. O designer da capa, Paul Bacon, fez vários trabalhos para gravadoras como Riverside e Blue Note e também teve, ele mesmo, uma carreira de jazzista nos anos 40. A foto foi clicada por um xará do vocalista do Jam, Paul Weller. No recheio do álbum, Monk manda bala em um de seus melhores momentos acompanhado por músicos como John Coltrane e Ray Copeland.
66. PIL - Metal Box
Gravadora - Virgin
Ano - 1979
Design - Charles Dimont
Para seu segundo álbum, o Public Image Limited queria algo bem distinto. John Lydon a princípio considerou em vender o disco numa embalagem parecida com uma lata de sardinha - só que sem a chave. Ou então uma capa-lixa que estragasse os outros álbuns da coleção dos seus pobres fãs. No final, acabaram fechando com uma lata redonda, semelhantes às que são fabricadas para guardar rolos de filme. O produto, chamado Metal Box, teve o design de Charles Dimont. Dentro da lata, três discos de 12 polegadas, que tocavam em 45 rotações para dar mais ganho ao baixo e bateria. Para confundir ainda mais, não havia relação de faixas. Obviamente, o custo de fabricação foi enorme. Uma dor de cabeça para a Virgin. Mas, segundo o guitarrista Keith Levene, toda a confusão valeu a pena. "Demos boas gargalhadas às custas da gravadora." Nos Estados Unidos, o bom senso falou mais alto e o disco saiu como um álbum duplo normal.
65. Clash - Give’em Enough Rope
Gravadora - Epic
Ano - 1978
Ilustração - Gene Grief
A capa deste álbum tem duas versões: a original, inglesa, com letras imitando ideogramas chineses, e a americana, com grafia convencional. A ilustração é a mesma: um espectador (de traços asiáticos) monta seu cavalo, apático, enquanto corvos devoram pedaços de um cadáver. É, claro, uma referência ao regime ditatorial da China comunista, à repressão e ao fim das liberdades individuais. Atrás, um Exército marchando. Obviamente, causou polêmica quando chegou às lojas. Antes mesmo de criar a capa de Give’ em Enough Rope, o idealizador, Gene Grief, já era respeitado por suas ilustrações e colagens em discos lançados pela CBS, onde trabalhou de 1977 a 1980. Mas foi após a parceria com o The Clash que ganhou o respeito de bandas punks e ajudou a instituir um design mais agressivo nas ilustrações de capas de LPs do estilo.
64. Beatles - The Beatles
Gravadora - Apple
Ano - 1968
Design - Richard Hamilton
Depois da revolução causada pela capa do Sgt. Pepper (que contou até com um marchand, Robert Fraser), em 1967, os Beatles gostaram da idéia de transformar seus discos em objetos de arte. Para o álbum seguinte, um álbum duplo sem nome, Fraser sugeriu o inventor da pop art, Richard Hamilton. Na primeira reunião, o pintor defendeu que o ideal seria inverter a expectativa criada pela profusão de informações de Sgt. Pepper com uma arte clean. Totalmente clean. Numa idéia genuinamente pop, Hamilton queria revestir o disco da sensação de que aquilo era um trabalho em tiragem limitada, com direito até a numeração. Com sua capa dupla completamente branca, com o nome da banda em alto-relevo em tipologia banal e uma numeração tímida ao lado, o disco acabou conhecido como Álbum Branco e se tornou um dos mais radicais (e, paradoxalmente, populares) experimentos da pop art desde sempre.
63. Sepultura - Roots
Gravadora - Roadrunner
Ano - 1996
Design - Laura Michaels e Bryan Thatcher
Ilustração - Michael R. Whelan
A partir da ilustração de uma velha nota de 1000 cruzeiros, a capa de Roots retrata a incursão da banda nas raízes de seu país. Mais uma vez, o ilustrador Michael R. Whelan - que a banda nunca conheceu pessoalmente - foi chamado. Ele já havia concebido as capas de Beneath the Remains, Arise e Chaos A.D. "Michael respeitou a ilustração, incorporando as raízes e a cor urucum, ligada aos xavantes", conta o guitarrista Andreas Kisser. A mistura de metal e ritmos brasileiros firmou definitivamente o nome do Sepultura. Roots, a última participação do vocalista Max Cavalera com o grupo, seria também a última contribuição de Whelan com os bangers mineiros.
62. Dead Kennedys - Frankenchrist
Gravadora - Alternative Tentacles
Ano - 1985
Design - Jello Biafra
Fotografia - Lester Sloan (Newsweek)
Certo dia, o vocalista Jello Biafra recebeu um cartão-postal mostrando a cabeça do falecido presidente John Kennedy explodindo. Junto, a mensagem: "Se você quiser mais, dê um retorno". Era assinado por Winston Smith. Assim começou o relacionamento profissional entre o líder do Dead Kennedys e o bizarro artista, que havia se especializado em colagens e montagens anticonformistas. Em 1981, ele causou controvérsia com a capa de In God We Trust Inc., que tinha um crucifixo envolto em notas de dólares. Depois de um hiato de três anos, o Dead Kennedys voltou em 1985 com Frankenchrist, uma poderosa diatribe contra a classe média americana, atacando machistas, caipiras, políticos e toda sorte de conservadores. O fiel mentor visual Smith estava por perto quando Biafra comissionou a capa. E que diabos é aquilo? A foto original é de Lester Sloan, da revista Newsweek. O fato de ter sido feita a sério só a torna mais ridícula. Vários típicos cidadãos de classe média desfilam em carrinhos de miniatura, em uma das inacreditáveis paradas americanas. Prato cheio para Winston satirizar a vida americana. Contudo, o que incomodou as autoridades do país foi o pôster do encarte, assinado por H.R. Giger, de Alien. Intitulada Landscape XX, a ilustração de uma bizarra engrenagem feita de diversos pênis e anus rendeu um processo contra a banda, que foi acusada de vender pornografia para menores de idade. Os músicos nunca se recuperaram completamente do baque e resolveram dissolver os Dead Kennedys logo depois.
61. Jesus & Mary Chain - Psychocandy
Gravadora - Blanco Y Negro
Ano - 1985
Fotografia - Stuart Cassidy e Rona McIntosh, entre outros
O álbum de estréia do Jesus & Mary Chain saíra depois do lançamento de quatro singles com alguma repercussão - entre eles, o da balada ruidosa "Just Like Honey". O cenário do clipe dessa faixa, dirigido por Tim Broad, acabou servindo de base para a arte da capa de Psychocandy, na qual figurava apenas a metade mais criativa da banda, os irmãos Jim e William Reid. Não há créditos para o criador da capa. Há apenas os nomes de seis fotógrafos - entre eles Chris Clunn, que clicou vários artistas para o semanário New Musical Express e responsabilizou-se por capas do selo de jazz Blue Note. No encarte, ao lado de várias fotos da banda, aparecia uma prática que se tornaria comum entre bandas alternativas e que, anos mais tarde, seria adotada pelo Pearl Jam: as letras das músicas apareciam rascunhadas à mão e escritas pela metade, na mais completa desordem. Ah, o desleixo indie...
60. John Lennon e Yoko Ono - Two Virgins: Unfinished Music Vol. 1
Gravadora - Apple
Ano - 1968
Design - John Lennon e Yoko Ono
Fotografia - John Lennon
Depois de curtir um amor platônico, John e Yoko finalmente tiveram chance para uma noitada quando Cynthia, então esposa do Beatle, foi viajar. Segundo John, os dois imediatamente tiraram a roupa e transaram furiosamente. Em seguida, John pegou a guitarra e um gravador e os dois improvisaram um monte de coisas sem sentido. O Beatle ajeitou sua câmara automática, clicou ele e Yoko ainda nus, frente e verso, e ainda achou que aquela noite deveria ser compartilhada com o público. Two Virgins... já era bastante difícil de ouvir, mas a capa então era, digamos... inusitada. A EMI rejeitou os nudistas. Sir Joseph Lockwood, chefão da gravadora, pelo menos teve presença de espírito: "Se alguém tem de aparecer nu, por que não o Paul? Ele é mais bonito". O disco acabou sendo distribuído pela Island, numa embalagem marrom que só exibia os rostos de John e Yoko.
59. New Order - Power, Corruption and Lies
Gravadora - Factory
Ano - 983
Design - Peter Saville
Ilustração - Henri Fanti-Latour
É o disco que flagra o New Order conseguindo, de finitivamente, varrer as cinzas do Joy Division e de seu líder Ian Curtis. Novamente, os dotes de Peter Saville foram requisitados. O artista, que assinou capas de gente como Roxy Music, Suede e Paul McCartney, novamente mostrava sua genialidade. Uma pintura de Henry Fanti-Latour do século 19 foi escolhida por meio de um cartão-postal e resgatada da Galeria Nacional em Londres. Como disse o baixista Peter Hook "é uma mistura de romantismo e nostalgia com uma dose de novidade". No canto superior, vê-se um código de cores que representa o nome da banda e do disco. Saville, que já havia usado a senha no single de "Blue Monday", pensou que ninguém conseguiria quebrar o código, mas logo após o lançamento cartas foram enviadas para o jornal New Musical Express desvendando o segredo.
58. Johnny Alf - Eu e a Brisa
Gravadora - Mocambo
Ano - 1965
Fotografia - Roberto Corte Real
Há quem considere Chega de Saudade (1958), de João Gilberto, como o disco que lançou a bossa nova, mas há controvérsias. Johnny Alf, de três anos antes, também é cotado como o pai do estilo que veio "modernizar" a música nacional, quando já não havia mais espaço para viola, bandolim e cavaquinho em tudo. A música de Johnny Alf veio para dar as novas diretrizes. Com o fim da Segunda Guerra, o mundo todo vivia em clima de euforia e pedia uma música mais calma, que evocasse paz e amor. Eu e a Brisa foi lançado originalmente sem título e publicado anos depois com o clássico dando nome ao álbum. A foto de capa foi tirada por Roberto Corte Real, irmão do humorista Renato. A rua feita de paralelepípedos com clima interiorano é a hoje pavimentada - e movimentada - Cardeal Arcoverde, no bairro boêmio de Vila Madalena, em São Paulo.
57. Blitz - As Aventuras da Blitz
Gravadora - EMI-Odeon
Ano - 1982
Design - Luiz Stein, Gringo Cardia e Cafi
O projeto gráfico do disco de estréia da Blitz era inovador. O layout frontal lembrava uma capa de revista em quadrinhos. A contracapa e o encarte eram repletos de pequenas imagens, retiradas de gibis antigos. A primeira tiragem (300 mil cópias) veio com um vale-revista que seria trocado algum tempo depois pela quadrinização do hit "Você Não Soube Me Amar". "Nunca tínhamos feito capa de disco, mas era um trabalho em cima das HQs", lembra o designer Luiz Stein, que realizou tudo ao lado do também designer Gringo Cardia, com quem mantinha o estúdio A Bela Arte, e do fotógrafo Cafi. "Tiramos as imagens do encarte de revistas antigas e ampliamos em fotocópias para poder retocar. Na época, não havia os recursos de hoje. Foram seis meses fazendo essa capa, até porque a gravadora queria que o single "Você Não Soube Me Amar’ continuasse vendendo".
56. Caetano Veloso - Transa
Gravadora - Famous
Ano - 1971
Design - Álvaro Guimarães e Aldo Luiz
Fotografia - Deca, r. Lisboa e JucA Gonçalves
O segundo disco londrino de Caetano, nas palavras de Aldo Luiz, então diretor de arte da Philips (hoje Universal), "é fruto de uma época em que a arte da capa de disco estava muito valorizada". O trabalho, que ficou simplificado nas reedições em vinil e em CD, era magistral na primeira edição do álbum (veja boxe na pág. ao lado) com várias aberturas que formavam um triângulo "interativo". O criador do projeto foi o cineasta Álvaro Guimarães, velho amigo de Caetano que, nos anos 60, deu o tiro inicial para que o baiano iniciasse sua carreira de músico. Já a falta de créditos na contracapa, que Caetano atribuiu ao próprio Álvaro ("como é que ele bota essa bobagem de dobra e desdobra e não bota a ficha técnica?", reclamou), criou uma rusga entre tropicalistas: Jards Macalé, que dirigia a banda do cantor e fez os arranjos, está rompido até hoje com Caetano por causa disso.
55. Rolling Stones - Tattoo You
Gravadora - Rolling Stones Records
Ano - 1981
Design - Peter Corriston
Assim como os dois antecessores (Some Girls, de 1978, e Emotional Rescue, de 1980), Tattoo You teve a capa cuidada pelo inglês Peter Corriston, conhecido por sua pop art inovadora do final dos anos 70. Mas, diferentemente de Some Girls, que foi criticada por trazer colagens de fotos de algumas celebridades em anúncios de lingeries - muitas tiveram de ser retiradas sob protestos porque se sentiram ofendidas ou lesadas por não receberem pelo uso de imagem -, Tattoo You foi aclamada e recebeu o Grammy de Melhor Capa de Disco de 1982. A contracapa segue a idéia e exibe o rosto de Keith Richards completamente tatuado. Corriston também é autor da arte de Undercover, lançado em 1983. Sua arte pode ser vista ainda nos álbuns Physical Graffiti (1975), do Led Zeppelin, e The Leprechaun (1975) e My Spanish Heart (1976), de Chick Corea.
54. Mutantes - A Divina Comédia ou Ando Meio Desligado
Gravadora - Polydor
Ano - 1970
Design - Mutantes e Cláudio César Baptista
Fotografia - Cenyra Arruda
Produção caprichada: para a capa do terceiro disco, Rita Lee, Arnaldo Baptista e Sérgio Dias cavaram um buraco de 2 metros no quintal da casa da família dos rapazes, o iluminaram com uma fogueira e fizeram uma "lápide" de isopor para que Arnaldo parecesse realmente estar saindo de uma sepultura - Rita e Sérgio, que o observavam, "vestiam" colchas de chenile. A foto reproduzia uma gravura de Gustavo Doré para o livro A Divina Comédia, de Dante Alighieri. Já a contracapa, clicada no quarto dos pais de Arnaldo e Sérgio, deu problemas: dona Clarisse, mãe dos moços, ligou furiosa para a família de Rita quando viu o trio seminu em sua cama. Ambas as fotos foram tiradas por Cenyra Arruda, conhecida fotógrafa pop da época que depois se tornaria famosa como a jurada "rouquinha" do Troféu Imprensa, de Silvio Santos.
53. Bezerra da Silva - Eu Não Sou Santo
Gravadora - BMG
Ano - 1990
Design - André Teixeira e Wilton Montenegro
Fotografia - Wilton Montenegro
O layout deste disco foi fruto de longas conversas entre Bezerra da Silva, o designer André Teixeira (também diretor de arte) e o fotógrafo Wilton Montenegro. A figura do Bezerra pendurada na cruz, segurando duas armas, fora inspirada numa notícia tirada das páginas policiais: um rapaz, suspeito de um crime, havia sido crucificado por populares na avenida Brasil, no Rio de Janeiro. "Na época, fazia sentido essa coisa do bandido como o Robin Hood, algo que não existe mais hoje em dia, com tanto poder das drogas e da violência", acredita Wilton. "O Bezerra tinha essa preocupação social em seu trabalho e procuramos respeitar o universo dele." A foto do sambista, que gerou bastante controvérsia na época, foi feita em estúdio e montada sobre outra imagem, também de Montenegro, que mostrava um panorama da Favela do Escondidinho, no bairro carioca de São Cristóvão.
52. Echo & The Bunnymen - Heaven Up Here
Gravadora - Sire
Ano - 1981
Design - Martyn Atkins
Fotografia - Brian Griffin
A arte bolada pelo inglês Brian Griffin para Heaven Up Here não poderia ser mais literal. Além do céu sobre a cabeça de Ian McCulloch (abaixo) e seus comparsas de Liverpool, o cair da noite fria no litoral evoca a mesma atmosfera das canções do disco, considerado o mais obscuro e experimental da carreira do Echo & The Bunnymen. Brian Griffin está entre os mais populares fotógrafos britânicos da década de 80. Além de trabalhar com o Echo em sua estréia, Crocodiles (1980), e acompanhar a banda nos discos posteriores (Porcupine, 1983, e Ocean Rain, 1984), Griffin assinou capas do Depeche Mode (Speak and Spell, 1981; A Broken Frame, 1982; Construction Time Again, 1983; Some Great Reward, 1984; e Black Celebration, 1986), Dire Straits (Making Movies, 1980), Billy Idol (Rebel Yell, 1983) e outros. Não menos popular na música inglesa, o diretor de arte Martyn Atkins também trabalhou com o Echo nos discos Porcupine e Ocean Rain, além de dirigir DVDs para os Eagles, Hole in the World, e Tom Petty, Live at the Olympic: The Last DJ and More, em 2003.
51. Stevie Wonder - Songs in the Key of Life
Gravadora - Motown
Ano - 1976
Design - Mathieu Biton
Ilustração - Tony Warren
Songs in the Key of Life representou um momento de libertação artística para Stevie Wonder, que aproveitou a carta branca da Motown para fazer o que bem entendesse. Ainda que fosse um álbum duplo autoproduzido, trazia um livreto de 24 páginas, músicas de sete, oito minutos (algumas abordando temas sociais sem rodeios) e ainda continha um EP de brinde. Acabou se tornando um dos maiores sucessos de Wonder, cumprindo com folga a enorme expectativa que criou pelo lançamento do álbum - ele chegou a andar com uma camiseta onde se lia "estou quase terminando o disco". Tanto o trabalho gráfico (as ilustrações foram feitas por Tony Warren) quanto as músicas e o formato inovador do álbum foram marcantes para o cantor e seu público - e para a história do pop, num período em que discos com design grandiloqüente eram o padrão.
50. Miles Davis - Birth of Cool
Gravadora - Capitol
Ano - 1950
Design - Micaela Boland
Fotografia - Aram Avakian
Embora quase esquecido hoje em dia, o nova-iorquino Aram Avakiam foi um verdadeiro homem da renascença em sua época. Fotógrafo, escritor, cineasta, editor, produtor de discos, Avakiam deixou sua marca de excelência em tudo o que fez. Ele estudou em Sorbonne durante 1947/52, quando o jazz era mais popular na França do que em sua terra natal. Fanático pelo estilo, escreveu em várias revistas especializadas e se aproximou de vários músicos. Seu irmão era George Avakiam, um dos maiores produtores de jazz desde sempre. A amizade com Davis vinha desde os tempos franceses. Para ilustrar o disco resultante das sessões feitas no fim dos anos 40 e começo dos 50, foi usada uma expressiva foto em preto e branco com Miles tocando seu trompete. A capa enfatiza o nascimento de um novo estilo, realçando a palavra cool com uma tonalidade vermelha.
49. Alice Cooper - *School’s Out
Gravadora - Warner
Ano - 1972
Design - Wilkes & Braun, Inc.
Para fixar de vez a imagem de Alice Cooper no imaginário da juventude libertária da década de 70, nada mais cativante que uma carteira escolar para estampar a capa de seu terceiro álbum pela gravadora Warner. Um móvel real foi utilizado para a sessão de fotos e nele cada integrante da banda cravou com canivete sua mensagem. As primeiras cópias de School’s Out vinham com uma calcinha de papel (nas cores rosa, branco e azul) no lugar do invólucro de plástico tradicional. Alice teve problema com a censura americana, que encasquetou com o formato do pacote. School’s Out ficou entre os finalistas de melhor capa no Grammy, em 1972. A Wilkes & Braun, Inc. acabou aguardando mais um ano para ganhar o prêmio com a capa do álbum Tommy. A carteira original da sessão de fotos da capa do disco está em exposição no Hard Rock Café de Berlim.
48. Strokes - Is This It
Gravadora - RCA
Ano - 2001
Fotografia - Colin Lane
O primeiro álbum dos Strokes acabou tendo duas versões de capa. A da edição inglesa trazia a foto de uma namorada do fotógrafo Colin Lane, despida, tocando o próprio dorso com a mão coberta por uma luva. Não era uma foto exatamente explícita, mas mesmo assim várias cadeias de lojas americanas, alegando seguir valores familiares, recusaram-se a vender o CD. A foto foi associada ao estilo do fotógrafo alemão Helmut Newton, que clicava modelos glamourosas em poses sadomasoquistas - o New Musical Express aventou a hipótese de a foto ser uma referência ao grupo-piada Spinal Tap, que no filme This is Spinal Tap cogitava uma capa parecida. O fato é que nos EUA o álbum saiu com uma pintura psicodélica repleta de volutas, e sem a faixa "New York City Cops".
47. Aracy de Almeida - Noel Rosa
Gravadora - Continental
Ano - 1955
Ilustração - Di Cavalcanti
O disco Noel Rosa era uma homenagem ao compositor carioca, que havia falecido em 1937, trazendo um bom painel de sua obra numa época em que pouco se falava dele. A capa do álbum foi ilustrada por Di Cavalcanti, que havia sido amigo de Noel, e, de fato, chegou a determinar um pedaço da história da música brasileira. Pouco antes de morrer, Noel pensou em levar em conta a hipótese de largar a música e se tornar desenhista, mas foi aconselhado por Di Cavalcanti a permanecer em sua antiga profissão. Aracy de Almeida, que se tornou a maior intérprete de Noel, também era bastante próxima do pintor, tendo vários de seus quadros em casa. Idealizador e organizador da Semana de Arte Moderna de 1922, Di Cavalcanti chegou a trabalhar também com capas de revistas, além de ter feito cenários para o balé Carnaval das Crianças Brasileiras, de Heitor Villa-Lobos.
46. Ray Charles - What’d I Say
Gravadora - Atlantic
Ano - 1959
Design - Marvin Israel
Fotografia - Lee Friedlander
O fotógrafo que assina a capa deste álbum é um dos mais famosos retratistas da cena musical americana. Lee Friedlander nasceu em 1934 e já aos 14 anos mostrava-se interessado em fotografia. A música era outra de suas paixões. Quando viveu em Los Angeles, no início dos anos 50, passou a retratar artistas de jazz nos clubes da cidade até ser descoberto por um olheiro da Atlantic Record, que procurava um profissional para ilustrar suas capas de disco. Em What’d I Say, existe grande harmonia entre a música e a foto. Ambas mostram um Ray Charles desnudo, imortalizado atrás de seu microfone, suando e parecendo real. Outras fotos de Ray são encontradas no livro de Lee, American Musicians, que traz mais de 500 imagens de músicos americanos, como Aretha Franklin e John Coltrane, tiradas durante os mais de dez anos em que o fotógrafo trabalhou para a Atlantic.
45. Vários Artistas - Tropicália ou Panis et Circensis
Gravadora - Philips
Ano - 1968
Fotografia - Olivier Perroy
Talvez a reação mais chocante quando se olha hoje para a capa de Tropicália seja: "Puxa, esse pessoal já foi jovem um dia..." Já se falou muito sobre o que o movimento significou para a música e a cultura brasileira - e a capa era um cartão-postal do tal "manifesto tropicalista". Talvez a concepção tenha sido parodiar uma típica foto de família classe média, mas com tanta gente reunida e com jeito de boneco de cera parece mais uma imitação do Sgt. Pepper, dos Beatles. Estão lá Tom Zé, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Rogério Duprat, Gal Costa, Mutantes e Torquato Neto. A foto foi feita em São Paulo, em 1968, na casa do fotógrafo Olivier Perroy, que trabalhava para a Editora Abril. Foi uma criação coletiva em que cada um trouxe seus apetrechos: penico, valise etc. Ao redor da foto, a tipografia em matizes de verde e amarelo. No verso, mais um indecifrável texto de Caetano.
44. Funkadelic - Maggot Brain
Gravadora - Westbound
Ano - 1971
Design - Não creditado
Fotógrafia - Não creditado
O terceiro álbum do Funkadelic, lançado em 1971, era um salada sonora completa e interminável. E ninguém entendeu o que significava aquela capa. Quem era aquela criatura de cabelo black power com a boca aberta, saindo do meio de um monte de terra, sujeira, ou sabe-se lá de quê? Para os que ficaram boiando, isso não passa de uma visualização da frase que abre o disco. Depois de uma explosão de feedback que passeia pelos alto-falantes, uma voz entoa: "A Mãe Terra está grávida pela terceira vez, vocês todos acabam de acertá-la... Vou ter que me levantar ou afogar na própria merda". O tal sujeito na capa é Eddie Hazel (1950-1992), um dos grandes heróis da guitarra funk e a verdadeira inspiração do álbum. Um dos fãs de Maggot Brain era o ilustrador Pedro Bell. Depois de ouvir o álbum, ele contatou George Clinton e começou a trabalhar nas capas futuristas da turma do P-Funk.
43. Joy Division - Closer
Gravadora - Factory
Ano - 1980
Design - Peter Saville e Martyn Atkins
Fotografia - Bernard Pierre Wolff
Assim como o som soturno do Joy Division - e principalmente do seu vocalista Ian Curtis -, suas capas sempre reproduziram a atmosfera da banda. Closer foi o segundo disco lançado pelo selo Factory. O designer Peter Saville teve total liberdade para interpretar o som da banda - mesmo sem ter escutado uma única música do disco. A capa aparenta a mudança estética nascida no final da década de 70 com o surgimento do punk. O layout é simples, a tipografia reverbera o título e a foto de Bernard Pierre Wolff ressalta o tom lúgubre. Sem propaganda e sem ter veiculação nas rádios, as vendas de Closer superaram todas as expectativas. Os lucros foram divididos entre banda e gravadora, que com o dinheiro construiu o célebre clube Hacienda, em Manchester. Ian Curtis se matou quatro semanas antes de o disco ser lançado.
42. Vinicius de Moraes e Odette Lara - Vinicius & Odette Lara
Gravadora - Elenco
Ano - 1963
Design - Cesar Villela
Fotografia - Francisco Pereira
Tímido, Vinicius de Moraes foi levado pela mão pela atriz e cantora Odette Lara para dar voz às suas composiçoes pela primeira vez. As músicas do disco, lançado pela Elenco, foram arranjadas e regidas por Moacir Santos. Baden Powell, que dedilha o violão e é co-autor de todas as músicas, logo firmaria uma célebre e prolífica parceira com Vinicius cujo fruto mais conhecido foram os afro-sambas ("Canto de Ossanha"), estilo decalcado da bossa nova que os aproximou em 1962. A capa de Vinicius & Odette Lara é mais uma criação de César G. Villela sobre foto de Francisco Pereira. Como a maioria dos discos da Elenco, utiliza apenas duas cores. De acordo com Villela, Vinícius de Moraes e Odette Lara não participaram da mesma sessão de fotos - ele fez uma montagem para unir os dois na capa do disco.
41. B.B. King - Indianola Mississippi Seeds
Gravadora - MCA
Ano - 1970
Design - Robert Lockart
Fotografia - Ivan Nagy
Considerado o momento mais brilhante e roqueiro de B.B. King, o álbum traz no título uma homenagem à cidade natal do bluesman, Indianola, no Mississippi. A capa foi desenhada por Robert Lockart - que assinou também o layout de um conhecido disco do Steely Dan, Can’t Buy a Thrill - e foi fotografada por Ivan Nagy, responsável pelo visual de discos de Buffallo Springfield e Lamont Dozier. Ilustrando o álbum, no lugar da conhecida guitarra Lucille, adotada por B.B. King, havia uma guitarra em forma de melancia - fruta bastante popular na região do Mississippi. A idéia de Robert e Ivan conquistou o Grammy de 1970 na categoria de melhor capa de disco e se tornou popular entre músicos ingleses, que veneravam o blues americano. Era muito comum, por exemplo, flagrar David Gilmour, do Pink Floyd, posando para fotos ostentando uma camiseta com a capa do disco.
40. Mutantes - Os Mutantes
Gravadora - Polydor
Ano - 1968
Fotografia - Pebroy
Apesar de graduados na escola "terninho e sorriso" da Jovem Guarda, os Mutantes sabiam uma coisa ou outra quando o assunto era causar impacto visual instantâneo. Roupas de bruxo, capas, chapéus exóticos, apetrechos medievais, valia tudo para Sérgio Dias, Arnaldo Baptista e Rita Lee. Para a capa do primeiro disco, o trio foi fotografado usando vestimentas que pareciam ter saído de algum país europeu de tempos passados. Nada de sorrisos simpáticos. Eles pareciam ter visto um fantasma, com expressões assustadas e enigmáticas. O tom esverdeado ajudava a criar um clima ainda mais surrealista. Coube ao fotógrafo Pebroy capturaro momento. Mas o LP foi apenas um ensaio para futuras esquisitices. A capa do segundo álbum, por exemplo, flagrava Rita Lee vestida de noiva entre dois "pretendentes".
39. WHO - The Who Sell Out
Gravadora - DECCA
Ano - 1967
Design - David King e Roger Law
Fotografia - David Montgomery
O Who foi um dos grupos que mais defenderam as rádios piratas. Sell Out foi a homenagem do quarteto a essas "instituições" banidas pelo governo inglês. No álbum, Pete Townshend e amigos criaram uma série de falsos jingles que se intrometiam entre as canções, dando a ilusão de uma transmissão radiofônica. A capa, criada por David King e Roger Law e fotografada por David Montgomery, seria uma tradução visual desses anúncios. A idéia era fazer pop art, com resultado mais exagerado e grotesco do que o planejado. O pobre Roger Daltrey foi quem mais sofreu, ao passar uma manhã inteira dentro de uma banheira cheia de feijões frios. No verso, Keith Moon anunciava um creme contra espinhas e John Entwistle louvava as qualidades da academia Charles Atlas.
38. Beatles - Revolver
Gravadora - Parlophone
Ano - 1966
Ilustração - Klaus Voormann
Klaus Voormann foi um dos amigos que os Beatles fizeram na Alemanha, onde se apresentavam no início de carreira. Quando a banda se estabeleceu em Londres, em 1962, o berlinense foi tentar a sorte na cidade e John Lennon o convidou para cuidar da arte de Revolver. Voormann desenvolveu sua idéia a partir do rebuliço que os cabelos dos Beatles causavam. Desenhou os amigos em delicadas linhas de nanquim, uniu-os pelos cabelos e coalhou aquela floresta capilar de fotos da banda. Manteve tudo em p&b, destacando-se dos grafismos lisérgicos, e levou o Grammy de melhor capa de 1966. Depois, criou uma tira de quadrinhos sobre tudo (ao lado), que vende no site www.voormann.com.
37. Milton Nascimento e Lô Borges - Clube da Esquina
Gravadora - EMI-Odeon
Ano - 1972
Design - Cafi
Fotografia - Cafi
Foi Ronaldo Bastos (agregado ao Clube da Esquina pelas letras que fazia com Milton) quem apresentou o recifense Cafi aos mineiros que ensaiavam um tal "álbum duplo conceitual" em um casarão na praia de Piratininga. A idéia era que o rapaz fotografasse Milton e seus amigos para a coleção História da Música Popular Brasileira, lançada pela Editora Abril no início dos anos 70. Milton adorou o resultado, Cafi acabou integrado ao coletivo e viajou para Três Pontas para a festa de bodas de prata dos pais do cantor. Foi nas margens de uma estrada de terra que ele fez a foto de dois garotos - um branco e um negro. Cafi diagramou sua foto "sangrando", sem texto nem identificação, mas foi obrigado pela EMI a usar os nomes de Milton e Lô em letras garrafais, sobre foto dos músicos, na contracapa. Era um truque: a gravadora orientava os lojistas a exibirem o disco com o verso para a frente.
36. Sonic Youth - Goo
Gravadora - DGC
Ano - 1990
Design - Kevin Reagan
Ilustração - Raymond PettiboN
Goo foi o primeiro álbum do Sonic Youth por uma grande gravadora. Apesar de trazer um som mais focado e trabalhado, não abandonou por completo a estética suja e ruidosa da banda. A capa do disco é do californiano Raymond Pettibon, conhecido por retratar a juventude americana marginalizada em suas obras. Seu estilo minimalista, que em muito lembra o da arte em quadrinhos, tornou-se popular no cenário punk - embora o artista preferisse negar o rótulo. Antes de entrar no mercado musical, Pettibon ilustrava fanzines e livros fotocopiados que distribuía nas ruas. Sua assinatura aparece em diversas capas do Black Flag (entre elas Family Man, Slipe it In, My War, In My Head e Loose Nut) e seu trabalho é intrinsecamente ligado à imagem dessa banda até hoje. Já no começo dos anos 2000, ilustrou a capa de One By One, lançado pelo Foo Fighters em 2002.
35. Beastie Boys - Licence to Ill
Gravadora - Def Jam
Ano - 1986
Design - Stephen Byram
Ilustração - World B. Omés
Com o senso de humor incontrolável do início de carreira, os Beastie Boys se inspiraram na grandiosidade do Led Zeppelin para tirar um sarro em seu disco de estréia. Em vez de imitar as célebres capas do Hipgnosis, o produtor Rick Rubin e os rappers decidiram parodiar o luxuoso jato particular do Zep. Nada mais natural para quem sampleava riffs de Jimmy Page e batidas de John Bonham na cara-de-pau. Steve Byram, diretor de arte da CBS (distribuidora da Def Jam), anotou a idéia e instruiu o desenhista David Gamboli. Com pequenas variações de ângulo, ele fotografou um Boeing e reproduziu o efeito de colisão desenhando em cima. Para um trio de brancos, fazer rap nos anos 80 não havia muita opção. Era melhor chegar detonando do que pedindo licença.
34. Dorival Caymmi - Eu Vou P’ra Maracangalha
Gravadora - Odeon
Ano - 1957
Ilustração - Lan
Em comum, Lan e Caymmi têm a paixão pelo Rio de Janeiro, que elegeram como "segundo lar". O músico baiano chegou na década de 30 para estudar direito e, quem sabe, virar cantor. O caricaturista italiano chegou em 1952 e nunca mais foi embora, atraído pela beleza da cidade e das mulatas. Começou a trabalhar no jornal Última Hora e lá, criou uma de suas mais famosas caricaturas, a do político Carlos Lacerda. Eles foram "apresentados" antes, em Buenos Aires, quando Lan morava lá. "Ouvi ‘Dora’ e ‘Marina’ e me apaixonei." Depois de alguns anos, já trabalhando no Brasil, Lan foi encarregado da capa de Eu Vou P’ra Maracangalha. "Ouvi a canção de mesmo nome, usei a intuição e desenhei Dorival rumo ao seu paraíso, de violão nas costas. Pouco depois, pude conhece-lo e atestar que aquela doçura toda, presente na caricatura, era mesmo parte de sua personalidade."
33. Led Zeppelin - Physical Graffiti
Gravadora - Swan Song
Ano - 1975
Design - Mike Doud e Peter Corriston
Fotografia - Elliot Erwitt
Depois de se celebrizar como a maior e mais bombástica banda do mundo, o Led Zeppelin queria se impor artisticamente, a exemplo do que os Beatles conseguiram com Sgt. Pepper e o Who com Tommy. Para Physical Graffiti, convinha superar a concorrência também na parte gráfica do álbum. Os artistas Peter Corriston e Mike Doud imaginaram um prédio cujas janelas seriam vazadas, inspirados na capa de Compartments (1973), de José Feliciano. O fotógrafo Elliot Erwitt clicou um pequeno edifício situado no número 97 da St. Marks Place, em Nova York. Nos envolepes do álbum duplo, foram estampadas imagens de personalidades, entre elas Elizabeth Taylor, Lee Oswald e King Kong (!), que apareciam nas janelas - podia-se trocar os "moradores" de cada apê. Três anos depois, Corriston reaproveitou a idéia em Some Girls, dos Rolling Stones.
32. Lupicínio Rodrigues - Dor de Cotovelo
Gravadora - Rosicler/chantecler
Ano - 1973
Fotografia - Não creditado
O título do disco era uma grande homenagem ao estilo que consagrou o compositor gaúcho: canções relatando traições, fins de caso, amores fracassados. Em 1973, quando o disco foi lançado, ocorria uma revival de Lupicínio, por intermédio de regravações de Paulinho da Viola ("Nervos de Aço"), Gal Costa ("Volta") e alguns outros. O discosaiu pelo selo Rosicler, da Chantecler, apareceu quando o público jovem começava a redescobrir essa obra e, ao mesmo tempo, suas músicas voltavam a atingir as classes populares, por intermédio do sambista Jamelão, que gravara dois discos com músicas do gaúcho. Na capa do álbum, uma imagem muito comum no imaginário boêmio de Lupicínio: o compositor em frente a uma garrafa de bebida. Na época de Dor de Cotovelo, o cantor foi homenageado com um show no teatro Opinião, no Rio de Janeiro. Faleceria um ano depois.
31. Jorge Ben - Força Bruta
Gravadora - Philips
Ano - 1970
Design - Lincoln Nogueira
Fotografia - Ricardo de Cumptich
Curioso. Se você pedir, de bate-pronto, para que alguém descreva alguma capa de algum disco do bom e velho Jorge Ben, o pessoal vai responder: "Ah, tem aquela desenhada com o símbolo do Flamengo (Jorge Ben, 1969), mas tem também aquela em que ele está tocando violão sem ter nada apoiado em baixo (Samba Esquema Novo)". E o Força Bruta? Da mesma forma que seu repertório, radical e subestimado, também sua capa raramente costuma ser lembrada. Mas sua expressividade não encontra par em quase nada do que era produzido na época. O trabalho foi feito pelo fotógrafo Ricardo De Vicq de Cumptich, dono de um estilo refinado que atua em publicidade há mais de 30 anos. Sua especialidade é light painting, ou seja, ele trabalha com iluminação discreta. Para a capa de Força Bruta, Ricardo clicou Jorge Ben no estúdio, com o rosto perto de um microfone típico dos anos 60.
30. Roxy Music - Country Life
Gravadora - Island
Ano - 1974
Design - Nicholas Deville
Fotografia - Eric Bowman
O Roxy Music já tinha uma tradição de capas sexy quando Bryan Ferry e Eric Bowman viajaram até Portugal. Entre passeios de barco e outras elegâncias, conheceram Eveline Grunwald e Constanze Karoli, que posaram de lingerie sem o menor pudor. As fotos foram feitas num jardim e Bowman usou como luz os faróis de um carro. Nos Estados Unidos a capa teve duas versões: uma com o close do rosto de Eveline (à esquerda) e outra só com os arbustos: cismaram que Eveline estava tocando as partes íntimas e que Constanze, pobrezinha, era um transexual.
OUTRAS MUSAS
KARI ANN MULLEN, 1972
MARILYN COLE, 1973
JERRY HALL, 1975
29. Tom Jobim - Wave
Gravadora - A&M
Ano - 1967
Design - Sam Antupit
Fotografia - Pete Turner
Sam Antupit, autor da capa de Wave, era um conhecido designer e diretor de arte americano. Em 1967, começou a colaborar com o recém-criado selo CTI, uma subsidiária da gravadora A&M concebida por Creed Taylor, que havia trabalhado na Verve. Antupit, na nova gravadora, estabeleceu uma forte marca, que depois seria imitada por vários designers e músicos. As capas da CTI eram uniformizadas com belas fotos e com o nome do artista e do álbum no alto sempre com a mesma tipologia - num espelho endinheirado da "marca gráfica" criada no Brasil pelo selo Elenco. A foto da capa de Wave, tirada por Pete Turner, mostra uma girafa fotografada no Quênia em 1964, e saiu em duas versões, uma verde e uma magenta.
28. Roberto Carlos - Roberto Carlos
Gravadora - CBS
Ano - 1971
Ilustração - Carlos Henrique Lacerda
O LP de 1971 de Roberto marcou vários fãs por causa da presença de um de seus maiores clássicos, "Detalhes", além da cultuada "Todos Estão Surdos", que anos depois seria resgatada por ele em seu Acústico MTV. A ilustração da capa, entretanto, não passou despercebida pelo público comprador. Pela primeira (e única) vez em sua carreira, Roberto substituía a tradicional foto em close por um desenho. "Na época, houve uma divisão entre os fâs", explica Vera Marchisiello, pesquisadora da obra de Roberto e presidente do grupo Um Milhão de Amigos. Na mídia, a capa provocou várias lendas: alguns até compararam o desenho com o rosto de Cristo. "A capa utiliza preto e dourado sobre branco, o que fez com que muita gente dissesse que aquilo era uma forma de o Roberto assumir que era o Rei, como ele já estava sendo chamado na época", lembra.
27. Isaac Hayes - Hot Buttered Soul
Gravadora - Stax
Ano - 1969
Design - Christopher Whorf
Fotografia - Bob Smith
Mesmo sem o mesmo impacto de Black Moses, lançado dois anos depois, sendo considerado o auge da carreira de Hayes, Hot Buttered Soul foi fundamental para definir os caminhos da soul music na década de 70. Com apenas quatro faixas e mais de 50 minutos de duração, traz experimentos e arranjos refinados que fundariam todo o som da blaxploitation da década de 1970. A capa não é menos controversa. Há uma conotação sexual explícita no ângulo de sua cabeça, raspada, deixando entrever seu torso nu. Ao mesmo tempo, pode retratar a humilhação, porque é a imagem de um negro cabisbaixo, num nível inferior a quem o olha. A corrente (ouro?) no pescoço é a profecia do visual de rappers ou reminiscências da escravidão? De qualquer forma, o clique de Bob Smith é de uma beleza plástica que vai além de qualquer polêmica que pudesse surgir.
26. David Bowie - Aladdin Sane
Gravadora - RCA
Ano - 1973
Design - Duffy Philo e Celia Philo
Fotografia - Sukita
Quando este álbum foi lançado em abril de 1973, David Bowie aparentemente vivia o auge de seu período glam. Mas, depois do fenômeno Ziggy Stardust, o que mais ele poderia criar para um bis? Aladdin Sane reflete um período de transição musical para o artista. A tour americana deixara Bowie dividido. O público adorava a persona glitter do cantor. Assim a capa do álbum teria que ser a mais exagerada possível. Bowie também passava por momentos delicados por causa das drogas. Anos depois, ele comentou: "naquela época minha vida estava fora de controle. Eu estava magro como um esqueleto. Aquele raio no meio do rosto significa isso". Bowie se apresentava com uma aparência cada vez mais estranha. O cabelo tinha sido tingido com uma tonalidade cenoura e as sobrancelhas simplesmente desapareceram.
25. Walter Franco - Ou Não
Gravadora - Continental
Ano - 1973
Design - Lígia Goulart
Fotografia - Lívio Rangan e Liscínio de Almeida
"Essa mosca da capa é uma síntese do momento histórico em que vivíamos na época, no Brasil, no mundo e na cabeça da gente. Não fazia sentido o artista mostrar a cara", refletiu Walter Franco. Ou Não, primeiro disco do cantor, era desafiador e enigmático em todos os sentidos. O disco foi mandado para as lojas sem uma única menção ao nome do artista na capa. Havia apenas uma solitária mosca, clicada num lixão em São Paulo pelos fotógrafos Lívio Rangan e Liscínio de Almeida. Na contracapa, Ou Não fazia as vezes de título, embora o álbum, na verdade, fosse epônimo. Na arte interna, três folhas de papel datilografadas, colocadas dentro de um envelope. "Essa capa foi todo um trabalho de equipe, lembro que ela não chegou pronta para mim", afirma o cantor, na época tão incensado que até Caetano se inspirou nesse para fazer o polêmico Araçá Azul no mesmo ano.
24. Lô Borges - Lô Borges
Gravadora - EMI-Odeon
Ano - 1972
Design - Tadeu Valério
Fotografia - Cafi
A galera do Clube da Esquina não vendia muitos discos e costumava dificultar as coisas para a gravadora - Clube da Esquina, álbum duplo dividido por Milton e Lô, trazia apenas a foto de duas crianças na capa, sem os nomes dos artistas. Da mesma forma, o primeiro solo do então adolescente Lô Borges passou a ser conhecido como Disco do Tênis por causa de sua arte. A idéia da foto chegou de um estalo: vendo que o irmão não se decidia por nenhum tipo de ilustração e ainda se recusava a estampar seu rosto na capa, o letrista Márcio Borges brincou: "Se não quer mostrar a cara, mostra o pé!" A imagem do tênis tornou-se perfeita para um disco "de estrada", repleto de canções contemplativas e sensíveis. Antes disso, Lô participara de exaustivas sessões de fotos e chegara a levar em conta a hipótese de usar como ilustração seu nome rabiscado com pincel atômico num papel pardo.
23. Gal Costa - Índia
Gravadora - Philips
Ano - 1973
Design - Edinízio Ribeiro
Fotografia - Antonio Guerreiro
Após o exílio de Gil e Caetano, Gal Costa tornou-se, ao mesmo tempo, a chama viva do tropicalismo e um símbolo sexual. A prova definitiva disso estava no trabalho gráfico e nas fotos de divulgação de seu sexto álbum, Índia. Poucas vezes a sensualidade de uma cantora foi tão (bem) explorada na capa de um álbum. As fotos de Gal vestida de índia foram clicadas numa casa no Recreio dos Bandeirantes, Rio, por Antonio Guerreiro, fotógrafo famoso por seus nus artísticos femininos. "A idéia da capa partiu de um consenso entre eu, Gal e Guilherme Araújo (empresário da cantora na época). Não ia ter nu, mas, aos poucos, as fotos foram evoluindo, até que ela aceitou ficar nua", conta o fotógrafo. "No começo, ela estava de calcinha e com um bustiê cor de carne sobre os seios. O bustiê ela tirou, mas não quis tirar a calcinha, aí foi feita a foto da capa, que mostra uma índia mesclando as duas civilizações." A censura não deixou escapar essa: o álbum teve de ser vendido com a capa coberta por um saco plástico escuro, semelhante ao utilizado em revistas pornográficas.
22. Dave Brubeck - Time Out
Gravadora - Columbia
Ano - 1959
Design - Neil Fujita
Ilustração - Neil Fujita
Time Out é considerado uma revolução na história do jazz. Foi a primeira obra do estilo a quebrar a rigidez dos compassos quatro por quatro e utilizar elementos da música oriental. A ilustração da capa, criada por Neil Fujita, é tão abstrata e chamativa quanto o conteúdo do disco. Nas décadas de 40 e 50, as capas de disco tornaram-se instrumentos de venda e grande atrativo nas prateleiras das lojas. Naquela época, com o volume crescente de lançamentos, os compradores já remexiam entre os LPs para escolher o que lhes parecesse mais interessante em vez de entregar uma lista do que procuravam ao vendedor. A Columbia, para qual Fujita trabalhou de 1954 a 1960 como diretor de arte, a RCA e a Blue Note foram as primeiras gravadoras a entender isso. A partir daí, álbuns de jazz se tornaram referência no quesito arte gráfica, influenciando inclusive a produção nacional, como no caso da Elenco.
OUTROS DELÍRIOS DE MATI KLARWEIN
SANTANA, 1970
LAST POETS - 1993
21. Miles Davis - Bitches Brew
Gravadora - Columbia
Ano - 1970
Design - John Berg
Ilustração - Mati Klarwein
Harmonizando jazz e rock psicodélico, Miles Davis (que já atravessara os 40 e se reinventava com uma jovem e formidável banda) alcançou uma gama infinita de novos ouvintes. Bitches Brew é, até hoje, o disco de jazz mais vendido da história. Revolucionária como o som, a capa do álbum é uma pintura com inspirações africanas idealizada por Mati Klarwein, um alemão nascido em 1932 que emigrou para a Palestina em 1934. Hoje, ele mantém exposições em galerias de Paris, Washington, Madri, Barcelona e Nova York.
20. King Crimson - In the Court of The Crimson King
Gravadora - E.G. Records
Ano - 1969
Ilustração - Barry Godber
A bizarra pintura que aparece na capa de In the Court of the Crimson King tem um nome. Ela se chama 21st Century Schizoid Man. Como muitos devem saber, também é o título da música que abre o álbum - o primeiro da carreira de um dos mais importantes grupos de rock progressivo. Composta coletivamente por Robert Fripp (guitarra), Michael Giles (bateria), Greg Lake (baixo e voz), Ian McDonald (teclados) e pelo letrista e iluminador Peter Sinfield, a faixa é um heavy psicodélico que fechava a tampa do paraíso hippie com uma visão do futuro repleta de repressão, paranóia, medo e pavor. Era exatamente o que a capa transmitia. Poderosa e assustadora, a capa dupla ainda causa reações, mesmo quase 40 anos depois.
Um verdadeiro clássico, que já prepara o que vai ser encontrado no vinil, um belo exemplo de rock de vanguarda, intelectual e arisco. É um trabalho do artista e programador de computador inglês Barry Godber. Foi a única capa de disco que ele pintou. Em fevereiro de 1970, um pouco depois de o disco ter chegado às lojas, Godber faleceria, com apenas 24 anos de idade. Ele teve um derrame cerebral e sua história torna ainda mais angustiante os traços que deixou no papel.
Godber estudou na Chelsea Art School e, ainda bem jovem, começou a se envolver com arte psicodélica. Conheceu muita gente da cena roqueira londrina, mas, para pagar as contas, decidiu mexer com o nascente ramo da computação. O letrista Peter Sinfield, que estava trabalhando com o pessoal do King Crimson, era um dos antigos amigos de Godber e achou que poderia usar o seu trabalho. Há alguns anos, comentou: "Eu toquei algumas faixas para o Barry e por algum motivo eu sentia que ele poderia criar algo... e foi o que aconteceu! Então, logo depois que sua obra inundou as vitrines das lojas de discos, ele simplesmente morreu".
Segundo Sinfield, o desenho da capa seria o rosto do próprio Godber refletido em um espelho. O líder e guitarrista Robert Fripp também refletiu a respeito: "A capa é o Schizoid Man do século 21. O que mais podemos dizer? Ela reflete a música". O impacto de sua pintura foi tão grande que o pessoal do grupo já queria que Godber pensasse em algum esboço para o segundo disco. Só então descobriram que ele já estava em outra dimensão...
Alguns fanáticos pelo King Crimson diziam que Godber ainda estava vivo nos anos 70 e morando na Califórnia. Outros afirmam que encontraram um homem maluco com a mesma expressão da capa do disco jurando ser Godber. Ironicamente, a pintura original, uma aquarela, fugiu das mãos do amigo Sinfield. Hoje em dia, ela se encontra com o guitarrista Robert Fripp, que continua liderando o King Crimson. E, como tudo relacionado a Barry Godber, isso também tem uma história curiosa. Por anos, a pintura ficou esquecida numa parede de um escritório ligado aos empresários do Crimson, estragando com os raios de sol que batiam diretamente nela. Durante uma mudança, Fripp apareceu como quem fazia uma visita, foi mais esperto e passou a mão na obra.
19. Bob Dylan - The Freewheelin’ Bob Dylan
Gravadora - Columbia
Ano - 1963
Fotografia - Don HuNstein
Se você tem algum interesse por música ou cultura pop, então com certeza já se deparou com o trabalho de Don Hunstein. O fotógrafo que se baseia em Nova York é responsável por mais de 200 capas de disco e fotografou gente como Leonard Bernstein, Billie Holiday e outros notáveis. Hustein era fotógrafo contratado da Columbia e gostava particularmente de trabalhar com artistas de jazz - ele fez capas para Milt Jackson, Ramsey Lewis, Miles Davis, Duke Ellington etc... Em 1962, ele foi convocado para criar o retrato do primeiro disco de um jovem cantor folk de Minnesota, chamado Bob Dylan. Nessa época, Dylan ainda imitava seu ídolo Woody Guthrie, lenda do folk dos anos 40. Hunstein preparou algo básico e poético para a capa (poderia passar por algo feito três décadas antes se não fosse colorido).
Esse disco de estréia de Dylan, que levava apenas seu nome como título, não vendeu nada, mas de alguma forma o compositor acabou permanecendo na Columbia, onde ganhou outra chance.
Antes de iniciar os trabalhos de seu segundo LP, contudo, Dylan ouviu uma série de conselhos. Primeiro, deveria deixar de ser um imitador de Guthrie. Depois, precisava deixar transparecer sua personalidade. Confiando mais no próprio taco, dessa vez ele vinha com poderosas composições da própria lavra. E, para a capa, nada de parecer com um retirante da época da Grande Depressão. Ele era um jovem - do circuito folk universitário de Nova York, com pretensões intelectuais, mas ainda assim um jovem de seu tempo.
Naquela época, Bob Dylan havia começado a namorar Suzy Rotolo, com quem iria permanecer por algum tempo. Hunstein aplicou sua experiência adquirida em diversos discos de jazz e sugeriu algo espontâneo para a foto da capa, um flagrante da rua. Assim, numa manhã friorenta de fevereiro de 1963, ele sugeriu que Dylan e Suzy caminhassem pela região de 161 West Fourth Street, no centro de Manhattan, perto de onde moravam. Por coincidência, o estúdio de Hunstein e os da CBS Television ficavam lá perto. De braços dados e sorrindo discretamente, Bob e Suzy parecem estar no sétimo céu, aparentemente indiferentes aos carros que passam ao lado e à confusão de Manhattan.
Se, no vinil, Bob Dylan falava de guerra, racismo e temor nuclear, a capa de Hunstein mostrava que ele era um cara normal, acessível e jovial. Essa aparente contradição seria um dos trunfos de Dylan para erigir uma das personas mais valiosas da história. Depois de um falso começo, The Freewheelin’ Bob Dylan exibia ao mundo quem era o verdadeiro Bob Dylan, que escreveria algumas das mais importantes canções do rosário pop - muitas delas lançadas no disco, como "Blowin’ in the Wind", "Masters of War" ou "Don’t Think Twice, It’s All Right".
A HOMENAGEM
MARK ARM, 1991
18. John Coltrane - Blue Train
Gravadora - Blue Note
Ano - 1957
Design - Reid Miles
Fotografia - Francis Wolff
Coltrane lançou Blue Train no mesmo ano em que estreara no selo Prestige. Até então conhecido como um sideman, Coltrane começou a traçar o próprio caminho à força, após ser despedido da banda de Miles Davis por causa de seu vício em heroína. Ainda que continuasse contratado da Prestige, Coltrane era fã da Blue Note e sonhava em gravar um disco por lá. Segundo o jornalista e historiador Richard Cook, autor do livro Blue Note Records - The Biography, o tal álbum só não havia saído antes por um motivo bastante prosaico: no dia em que o futuro autor de álbuns como Giant Steps e A Love Supreme visitou a sede da Blue Note, o gato dos donos do selo, que vivia no escritório, fugiu pela janela e a visita teve de ser adiada. Mas Blue Train aconteceu e se tornou um marco nas carreiras tanto do músico como da gravadora. Curiosamente, o músico nunca chegou a assinar um contrato com o selo - e Blue Train acabou sendo o único registro de sua discografia pela companhia de Alfred Lion e Francis Wolff.
O fato é que em 1957 Coltrane estava em franca ascensão, tocando com o popular quinteto de Miles Davis e, nas horas vagas, improvisando com Thelonious Monk. No começo do ano, lançou seu disco de estréia como líder e, pouco depois, este seu primeiro álbum cinco estrelas, onde surgia acompanhado dos melhores músicos da Blue Note: Lee Morgan no trompete, Curtis Fuller no trombone, Kenny Drew no piano, Paul Chambers no baixo e Philly Joe Jones na bateria. Com cinco músicas (quatro delas novas composições), todas entre sete e dez minutos, o saxofonista tenor alternava sua genialidade entre o suingue do hard bop e a sensibilidade de suas baladas. E, além dos músicos estelares e do fato inspirador de estar na melhor gravadora de jazz do mundo, a Blue Note trazia outro aspecto irresistível: as capas, sempre antológicas.
Para a foto de Blue Train, Francis Wolff providenciou uma sessão com Coltrane com ar pensativo, aparentando o momento em que alguma bela idéia aportava em sua mente. A foto era tão boa e captava tão bem o espírito do disco que o designer Reid Miles não teve de fazer muito: apenas aplicou um tom azul à foto e distribuiu harmoniosamente a tipografia com o nome do músico (verde, em minúsculas), o título do disco (branco, em maiúsculas) e o nome da gravadora seguido do número de catálogo (cinza, minúsculo, menor). Tudo aparentemente simples e exatamente em seu lugar, mas, de alguma forma, apresentando uma nova maneira de ver o que achávamos que já sabíamos. Exatamente como a música que embalava.
A HOMENAGEM
SCOTt WEILAND, 1998
17. Jimi Hendrix Experience - Axis: Bold as Love
Gravadora - Reprise
Ano - 1968
Design - Ed Thrasher
Ilustração - David King e Roger Law
Depois da excelente repercussão da capa de The Who Sell Out, do Who, a dupla David King e Roger Law passou a ser requisitada para mais trabalhos pela rapaziada do rock. Na época, o Who e o Experience de Jimi Hendrix faziam parte da mesma gravadora inglesa, a Track Records. Assim, foi só questão de tempo para que os designers produzissem algo para o deus da guitarra. E eles tinham na cabeça justamente o conceito de divindade quando foram apresentar o projeto ao músico. Hendrix tocava como se fosse sobre-humano. Então, que tal transformá-lo em algo do gênero?
Para Axis: Bold as Love, lançado em 1968 pelo Jimi Hendrix Experience, Roger Law teve a idéia de usar uma ilustração com tema hindu, muito em voga no final da década de 60. Hendrix, então, transformou-se numa espécie de Shiva. Ao seu lado estavam os músicos Noel Redding e Mitch Mitchell. E no fundo, um panteão de multicoloridas figuras hindus. Aparentemente, Hendrix, quando tomou conhecimento do conceito, confundiu indianistas com indianos. Ele comentou: "Quando vi o design, até achei legal. Mas falei, não seria bom ter aqui também um índio americano? Nós três não temos nada a ver com aquela capa". Mas a arte acabou sendo lançada sem alterações, imortalizando o Criador Hendrix. O mais engraçado é que teve gente comprando o disco na ilusão de ouvir a sua guitarra misturada a cítaras, tambouras ou outros instrumentos da terra de Gandhi! Na verdade, Hendrix achava que não dava muita sorte com a capa de seus álbuns. O caso mais clássico de um processo que quase sempre passava ao largo de sua opinião foi a capa da versão inglesa de seu disco seguinte, Electric Ladyland, repleta de mulheres nuas. O guitarrista detestou aquilo. Depois das experiências com a indústria fonográfica, Roger Law e David King seguiram caminhos separados. Mas Law continuou com um pé na cultura pop. Nos anos 80, criou ao lado de Peter Fluck o programa de TV Splitting Images, em que utilizavam bonecos para satirizar a família real inglesa. É deles também a concepção do clipe "Land Of Confusion", do Genesis, muito popular uns 20 anos atrás.
16. Nara Leão - Nara
Gravadora - Elenco
Ano - 1964
Design - César Villela
Fotografia - Francisco Pereira
A foto de Nara em alto-contraste na capa do disco já revela muito. Com um olhar que transmite muito mais experiência do que se esperaria de uma moça de 22 anos, ela exibe ainda seu moderníssimo corte de cabelo chanel e de franja - coisa de mulher independente, que lê clássicos franceses e discute política com os rapazes. Escândalo. Seu nome vem ainda escrito de maneira ousada: com as quatro letras interligadas, juntas, e com duas setas saindos dos As, sobre um fundo branco minimalista, com quatro bolas vermelhas (contando a do logotipo da gravadora) espalhadas pela capa. Não era um disco qualquer.
Desde pelo menos fins dos anos 50, Nara já era figura essencial da bossa nova, oferecendo seu apartamento na avenida Atlântica, em Copacabana, para as reuniões informais do movimento. Todos passaram por lá, levando seus violões, dedilhando o piano de seu pai ou simplesmente cantando algumas daquelas novas canções que estavam sendo compostas. Mas, quando chegou a hora de entrar em estúdio e gravar o próprio disco, ela já estava cansada daquela frivolidade. Queria cantar sobre o povo, sobre as raízes do Brasil, sobre a pobreza e a terra. Para tanto, escalou antigos sambistas então quase esquecidos, como Cartola, Nelson Cavaquinho e Zé Keti, e novos compositores que fugiam da simples bossa, como Carlos Lyra, Edu Lobo e Baden Powell. Com sua voz doce, cantou canções sobre o morro, sobre a censura, sobre a reforma agrária. Nada de barquinhos, banquinhos, beijinhos e peixinhos, nem sol, sal ou sul.
Ainda assim, Nara mantinha sonoridade com aquela bossa nova, fazendo uma versão mais sofisticada do samba. Convinha, então, na capa, mostrar a ousadia, a modernidade e a delicadeza daquela garota, com toda a sua personalidade. A contracapa a chama de "musa" da bossa nova, mas também comenta que as músicas que escolheu cantar fogem de sua "personalidade de menina mansa" e "provocam um estranho e agradável contraste". Contraste esse captado muito bem pelo retrato estilizado feito por Chico Pereira e pelo inventivo layout de César Villela, em uma de suas primeiras capas para o histórico selo Elenco.
15. Baden Powell - À Vontade
Gravadora - Elenco
Ano - 1963
Design - César Villela
Ilustração - César Villela
O terceiro disco do violonista Baden Powell foi seu primeiro trabalho para a Elenco, de Aloysio de Oliveira, e é considerado por muitos o seu melhor momento, a cristalização de seu estilo pessoal. A capa do LP mostra o desenho de um rapaz tocando violão descalço - bem "à vontade", como diz o título e como mandava a informalidade da bossa nova, em que os músicos costumavam tirar os sapatos para tocar nas reuniões em apartamentos. Como todas as capas da Elenco, esta também foi assinada pelo genial César Villela, responsável pelo projeto gráfico que passou para a história como sendo "da bossa nova". Em À Vontade, ele também desenhou.
O artista esclarece que não chegou a se inspirar nem na figura de Baden nem nas músicas do LP para desenhar. "Quando fiz essa capa, Baden Powell era bom moço, era um rapaz forte, mas não era grotesco como eu desenhei ali. Quis fazer apenas um violonista", conta Villela. "Eu tinha um conjunto de capas para realizar e tinha de criar para elas um formato que identificasse a Elenco, de ponta a ponta. As capas deviam ser impressas antes mesmo de o diretor artístico da gravadora, Aloysio de Oliveira, saber o que iria ser gravado, porque, naquela época, demorava-se muito para se fazer uma capa. Não havia esses computadores que fazem tudo. A capa ainda tinha de ir para a gráfica, para a cartonagem, e esse processo era demorado. Somente depois do disco pronto é que fazíamos as contracapas." Seguindo esse esquema, geralmente as capas se inspiravam mais no próprio autor do disco do que nas músicas contidas nele.
O estilo desenvolvido por Villela havia sido anteriormente lapidado na gravadora Odeon (hoje EMI), na qual criara capas para a parte bossanovista do cast - João Gilberto e Sylvia Telles entre eles - sempre buscando a simplificação. "Antes disso, tudo era muito colorido, berrante." Ao ir para a Elenco, o designer continuaria trabalhando da mesma forma, não só por questões financeiras (capas em preto e branco eram mais baratas) como também pela necessidade de criar uma "cara" para a gravadora, para que os discos do selo chamassem a atenção do público nas lojas. "Na época, não havia os esquemas atuais de divulgação. O disco vendia quando o público via a capa na vitrine, e a Elenco precisava se destacar. Além disso, a gravadora era pequena, com poucos recursos. Todo mundo trabalhava lá por amor ao projeto", garante o desenhista.
14. Tom Zé - Todos os Olhos
Gravadora - Continental
Ano - 1973
Design - Décio Pignatari, Francisco Eduardo de Andrade e Marcos Pedro Ferreira
Fotografia - Reinaldo de Morais
Foi um dos atos de provocação mais sutis em pleno apogeu da ditadura militar. Todos Os Olhos diz respeito especialmente àquele olho em que você - mente suja - está pensando. A idéia de fazer algo chocante, na verdade partiu do intelectual Décio Pignatari, de quem o artista baiano era fã. O livro Informação, Linguagem e Comunicação foi um divisor de águas para o tropicalista. Só que na hora de criar a controvertida capa para o disco Tom Zé até pensou em desistir, já que achava tudo muito perigoso naquele momento. A questão não era apenas como a gravadora Continental iria encarar uma foto daquelas. O governo militar poderia intervir de uma maneira imprevisível.
Antes disso, Pignatari ligou para Tom Zé convidando-o para ver algumas fotos. O envergonhado Tom Zé estava com esperança de que Pignatari tivesse se esquecido da coisa toda. As primeiras fotos mostravam alguns closes do corpo de uma moça, como pernas, traseiro e órgãos genitais. Tom Zé não se segurava de vergonha, mas tinha de manter a pose e ainda tentava discutir ângulos, luz, enquadramento. O impasse foi resolvido por Pignatari, Marcos Pedro Ferreira e Francisco Eduardo de Andrade. O trio veio com uma solução simples e barata. Para posar, foi convidada uma modelo, cuja identidade parece estar perdida na névoa do tempo e do respeito. Uma bolinha de gude foi pousada sobre seu ânus. O fotógrafo Reinaldo de Moraes deu o clique e pronto, estava terminada a agonia estética do pobre Tom Zé. Quando o disco chegou às lojas, em 1973, algumas pessoas ficaram se perguntando o que era exatamente aquela imagem (um olho, mesmo?), mas ninguém tinha certeza de nada. Mesmo sendo muito elogiado pela crítica, Todos os Olhos vendeu pouco e sumiu da vista do grande público. Com isso, imediatamente virou um álbum cultuado. Mas é uma injustiça as pessoas se lembrarem dele apenas por causa do pequeno detalhe da capa. A edição original em LP também tinha um poema visual do concretista Augusto de Campos. E a música, claro, é puro Tom Zé no auge de sua inventividade, o que, convenhamos, não é pouca coisa.
13. Rolling Stones - Sticky Fingers
Gravadora - Rolling Stones Records
Ano - 1971
Design - Craig Braun
Fotografia - Andy Warhol
Até chegar a Sticky Fingers, os Rolling Stones investiram muito tempo alimentando a fama de feios, sujos e malvados que os diferenciava dos Beatles. O banheiro imundo de Beggar’s Banquet (1968) e a provocação mal-educada de Let It Bleed (1969) enlamearam as barras de suas calças jeans. Capas "transadas" já era um terreno invadido desde a tridimensional Their Satanic Majesties Request (1967). O primeiro álbum pela própria gravadora, a Rolling Stones Records, contudo, era o sinal de liberdade para que o quinteto inglês fosse ainda mais fundo na arte de provocar os conservadores.
Nas festas descoladas de Nova York, Mick Jagger e Andy Warhol disputavam atenção com seus gênios implacáveis. Aparentemente, Warhol havia dado uma sugestão para a capa da coletânea Through the Past, Darkly, em que a banda apareceria toda gelatinosa com os rostos prensados contra um vidro - Jagger teria achado a idéia genial e passado para outro designer mais em conta. Mas, apesar dessa pequena "traição", eles continuaram a se falar. Warhol comentou um dia como seria bárbaro colocar um zíper de verdade numa capa de disco. Jagger achou formidável, mas somente se o artista pop fizesse tudo pessoalmente. A Atlantic, que distribuiria o disco mesmo receosa com o que poderia vir de mentes tão diabólicas (e com o alto custo do projeto), queria causar impacto e bancou a idéia. E lá se foram Jagger e Warhol para os estúdios da Factory, em Nova York.
Glenn O’Brian e Jed Johnson, dois rapazotes que estagiavam lá, foram chamados pelo patrão. Ele lhes deu as instruções e clicou pessoalmente a sessão. De posse das fotos, era a hora de Craig Braun pensar na embalagem.
Para que o zíper não danificasse o vinil, ele introduziu uma luva/encarte com a imagem de um torso vestindo cuecas brancas. Mesmo assim, houve relatos de casos em que a faixa "Sister Morphine" saiu arranhada. Braun, então, reposicionou o zíper mais abaixo, na altura exata do rótulo do vinil, para evitar problemas futuros. Sticky Fingers foi a adequação perfeita dos malvados Stones à era das supercapas.
Em 1994, quando a Rolling Stones Records passou a ser distribuída pela Virgin, a banda colocou na rua uma edição em CD remasterizada que reproduz exatamente a arte do lançamento original, miniaturizada, com zíper e tudo. Era uma tiragem limitada e (claro) já se tornou mais um ítem de colecionador no mundo pop.
12. Pink Floyd - Dark Side of the Moon
Gravadora - Harvest
Ano - 1973
Design - Hipgnosis
Ilustração - George Hardie
O prisma na capa de Dark Side of the Moon talvez seja a imagem mais associada à banda em toda sua história. Um ícone na própria história das capas de rock. Mais uma vez, a criação e o conceito dela foram idealizados pelo coletivo Hipgnosis e seus designers, Storm Thorgerson, Audrey "Po" Powell e Peter Christopherson. Thorgerson foi colega de classe de Roger Waters e Powell morou com o líder maluco do Floyd, Syd Barrett.
Em Dark Side of the Moon, o prisma limpo representava a força conceitual das letras e a clareza do som. Da mesma maneira, traduzia a gama de luzes que a banda utilizava em seus shows ao vivo. Uma pequena consideração científica: quando a luz passa por um prisma ou uma gota d’agua, ela se divide em sete cores (vermelho, laranja, amarelo, verde, azul, azul-escuro e violeta). Em vez das sete cores, o azul-escuro foi excluído da arte da capa, contabilizando apenas seis delas, por força estética. "Arte antes da ciência!", foi o discurso. Dois pôsteres acompanhavam o álbum sem custo adicional no preço. Foi exigência da banda, que preferiu baixar sua porcentagem nas vendas a deixar os fãs sem maiores informações.
Imagens de pirâmides foram coladas estrategicamente neles, além de espalhadas por toda a arte do álbum. Elas representam ambição, ganância e megalomania, predicados presentes nas letras de Dark Side. Duas edições foram lançadas em comemoração aos 20 e 30 anos do álbum. A capa das duas décadas, um triângulo chapado, foi fotografada por Tony May. A dos 30 anos, foi pintada como um vitral. As duas edições foram remasterizadas, sendo que a dos 30 anos levou acabamento em superáudio digital. David Gilmour falou anos depois que "Dark Side foi um pacote completo. A música, o conceito, a capa. Foi a primeira vez que tivemos grandes letras". Nenhuma palavra foi escrita - para manter a arte imaculada.
AS EDIÇÕES COMEMORATIVAS
20 ANOS, 1993
30 ANOS, 2003
11. Beatles - With the Beatles
Gravadora - Parlophone
Ano - 1963
Fotografia - Robert Freeman
A EMI e o empresário dos Beatles, Brian Epstein, quase surtaram com aquela foto em preto e branco escura e serissima. Um "gênio" de marketing da gravadora bradou em uma reunião: "Por que eles parecem tão pra baixo? Queremos uma banda feliz para fãs felizes!!". With the Beatles, lançado no final de 1963, é o álbum mais roqueiro da primeira fase dos Beatles e sua capa reflete essa aspereza.
A banda queria uma imagem que reproduzisse o clima dos monocromos em alto contraste que sua amiga alemã Astrid Kirchherr tirara dos quatro quando eles ainda se apresentavam em inferninhos de Hamburgo. O fotógrafo Robert Freeman respondeu com um portfólio que incluía fotos de jazzistas como John Coltrane. A banda adorou. Em agosto de 1963, Freeman visitou o grupo em um hotel, posicionou quatro cadeiras no corredor que dava para a cozinha, deixou um único foco de luz natural incidindo pela direita, fez diversos takes durante uma hora e pronto. Depois, em seu laboratório, ampliou os originais em cópias tão grandes que os grãos se destacaram formidavelmente.
Ainda que a Parlophone tenha considerado a capa "assustadoramente sem graça", o mundo todo a abraçou. A mesma foto foi usada pela Capitol americana em seu primeiro lançamento, Meet the Beatles!; a Odeon brasileira também introduziu o grupo no mercado nacional com o álbum Beatlemania se valendo da mesma imagem; a Odeon da França, por sua vez, adaptou a capa sob o título de Les Beatles. E tudo foi feito num simples corredor de hotel...
AS HOMENAGENS
ROBERTO CARLOS, 1966
GENESIS, 1987
VAN HALEN, 1988
OS MUPPETS, 1994
10. Ramones - Ramones
Gravadora - Sire
Ano - 1976
Design - Greg Allen, Sevie Bates
Fotografia - Roberta Bayley
Desde que surgiu, há mais de 25 anos, o punk pode ter se transformado, mas sempre esteve ao nosso lado. E, mais do que pela música, especialmente pela atitude e pelo visual. Olhe para a capa do primeiro álbum dos Ramones. Assim como a música do quarteto de Nova York, o trabalho de arte do disco não tem nada de sofisticado ou elaborado. Quatro caras desajeitados com as costas na parede tentando parecer cool. Qualquer mané que está começando e tem uma banda de garagem imita essa pose clássica. Os tijolos irregulares, a parede pichada, tudo virou clichê, mas começou aqui, em meados de 1975 - sim, meu amigo, há três décadas, e os caras eram Joey, Dee Dee, Johnny e Tommy Ramone. Foi uma foto simples, tirada em preto e branco e que não levou muito tempo para ser feita. Anos depois, o empresário Danny Fields comentou esse momento histórico: "A gente já tinha tudo pronto, então o disco era como uma declaração de intenções. A foto da capa foi a mesma coisa. Foi só colocá-los no beco atrás do CBGB e certificar-se de que estavam no foco. Eles já tinham inventado a si próprios".
Foi fácil mesmo, já que a banda e a pessoa que a clicou eram bastante amigas. Eles tinham se conhecido no clube CBGB, onde os Ramones haviam descolado um espaço como uma das "bandas da casa". Com isso, veio um contrato com a Sire. A história dos bastidores do primeiro álbum dos Ramones é também a improvável saga da fotógrafa Roberta Bayley. Ela foi uma das mais importantes figuras a forjar a estética punk. Durante os anos 70, Roberta e sua câmera estiveram presentes em momentos emblemáticos da música daquela década. Ela trabalhou na Inglaterra com Malcolm Mclaren, tomou conta da portaria do CBGB e colaborou no antológico fanzine Punk, de John Holmstrom. Em frente de suas lentes também passaram Blondie, New York Dolls, Iggy Pop, Heartbreakers, Television, Sex Pistols, Richard Hell (com quem morou por algum tempo) e muitos outros.
Mais do que ninguém, Roberta teve chance de observar os Ramones em seu habitat e no apogeu de sua criatividade. Ela sabe de muita coisa que se escondia por trás das jaquetas de couro e dos óculos escuros. Ainda assim, a resolução da capa foi coisa dela. Alguns arranjos foram feitos. Apesar de Joey ser o vocalista e líder não declarado, ninguém queria que ele se sobressaísse muito em relação aos outros, tarefa um tanto difícil se levarmos em conta a altura do cara. Aos poucos, Roberta foi posicionando os amigos como peças de xadrez que tinham que se encaixar de maneira impecável. Da esquerda para direita a coisa ficou assim: Johnny, como sempre desafiador e confiante, coloca a mão no bolso e encara a lente. Preste atenção na pose do baixinho Tommy. Para que ele não ficasse muito abaixo dos outros, Roberta pediu que ele subisse na muretinha da parede. Joey, por outro lado, está ligeiramente inclinado para não parecer gigantesco em relação aos colegas. À direita, Dee Dee, tenso, com ar de que não vê a hora de acabar com aquilo.
Banda de cartoon
A sessão de Roberta gerou mais frutos. Um outtake da foto foi usado pela gravadora Sire com o intuito de promover o grupo nas revistas especializadas. O anúncio dizia: "Os Ramones são tão punky (sic) que vocês vão ter de reagir". A pose era mais engraçada do que a oficial. Johnny faz cara de bobo, Tommy tenta segurar o riso, Joey cinicamente mostra os dentes e Dee Dee continua querendo dar no pé. Embaixo da foto, opiniões de publicações como o New Musical Express, Village Voice, Circus Magazine e Hit Parader. No pé da página, a frase: "A música deles varreu o beco... agora vai varrer o país!" A opinião de Charles Shaar Murray, do NME, acerta na mosca: "Eles são tão engraçados que parecem ter saído de alguma história em quadrinhos. São tão coesos e poderosos que vão encantar aqueles que se apaixonam pelo verdadeiro rock’n’roll."
O tempo passou, os Ramones viraram ícones pop e ficaram grandes demais para a vizinhança do CBGB. Foi natural um certo distanciamento. Mas o carinho permaneceu. Quando Dee Dee Ramone morreu de overdose, em junho de 2002, Roberta relembrou o velho amigo. Segundo a fotógrafa, ele era ao mesmo tempo charmoso e enervante. Um indivíduo único e criativo, que parecia uma criança em seu desejo de chocar e agradar ao mesmo tempo. Obviamente, Roberta ficou mais chegada do sempre simpático e acessível Joey Ramone. Em um tributo ao falecido cantor, ela lembrou que uma vez levou o sobrinho menor de idade ao CBGB, prometendo ao gerente que deixaria o moleque longe do álcool. Quando o conduziu para conhecer Joey, a primeira coisa que o Ramone fez foi levar o garoto ao banheiro e arranjar-lhe uma cerveja.
Outro nome importante na saga do quarteto aparece nesse primeiro disco: Arturo Vega. O artista foi responsável pelo desenvolvimento visual da banda. Na contracapa, havia uma imagem de uma típica águia americana, segurando um taco de beisebol como um porrete - e aquilo virou o distintivo Ramone por excelência. Vega era amigão dos caras e sua casa foi o "ponto Ramones". Era um mistura de armazém e quartel-general e muitas entrevistas e sessões de fotos foram realizadas lá.
Quando o álbum saiu, no começo de 1976, não dá para dizer realmente que o mundo virou de pernas para o ar. Ramones chegou à modesta 111ª posição da Billboard. Mas muita gente se inspirou naquelas canções curtas e incendiárias criadas por aqueles quatro personagens do subúrbio nova-iorquino. Incluindo todo mundo que se disse punk nos anos seguintes.
OUTROS ANTOPLÁGIOS
ROCKET TO RUSSIA, 1977
ANTHOLOGY, 1999
9. Elvis Presley - Elvis Presley
Gravadora - RCA
Ano - 1956
Design - "Colonel" Tom Parker
Fotografia - Popsie
Talvez seja impossível encapsular uma bomba atômica explodindo. Da mesma forma, nem sempre é possível saber o momento exato em que uma lenda nasce. Mas foi justamente isso o que aconteceu quando todos viram a capa do primeiro LP de Elvis Presley, lançado em 1956. Mas, antes de chegar a esse momento supremo, vamos voltar um pouco para ver como tudo realmente aconteceu.
O rosto de Elvis Presley foi a segunda figura mais reproduzida do século 20 - só perde para Mickey Mouse. Mas, lá no início, ele até era confundido com um artista negro. Para saber que ele era realmente um tímido rapaz branco, era necessário olhar suas fotos. Elvis começou a gravar na pequena Sun Records, em 1954, e logo foi descoberto por um ladino empresário de música country chamado "Colonel" Tom Parker. Ele sabia que tinha ouro nas mãos e, aos poucos, passou a explorar a imagem do rapaz. Mas o futuro Rei do Rock não estava muito preocupado com nenhuma revolução estética eminente. Com o cabelo engordurado pela indefectível brilhantina, Presley também não gastava muito dinheiro com roupa. Tocava basicamente no circuito country do sul dos Estados Unidos e não tinha a menor afeição pelas roupas de caubói. Seu uniforme era formado por paletós ligeiramente largos, surrados e básicos. Dessa forma, ele fez seu nome no sul da América, tocando em feiras, ginásios e onde mais tivesse gente disposta a pagar.
Mesmo com um orçamento reduzido, o Colonel fazia o possível para que esses shows fossem fotografados. Em julho de 1955, Elvis estava se apresentando na Flórida quando foi fotografado em plena ação. O material foi guardado, mas teria uso certo alguns meses depois do show. Quando Parker conseguiu negociar o passe de Elvis com a multinacional RCA-Victor (pagando à Sun a bagatela de 35 mil dólares), era a hora de multiplicar a histeria das garotas sulistas por toda a América. A RCA era muito poderosa na área country e tinha em seu cast artistas na linha mais popular, sem o refinamento de uma Capitol, que gravava Frank Sinatra, Nat "King" Cole e outros. No dia 10 de janeiro de 1956, Elvis entrou no estúdio da RCA de Nashville para gravar "Heartbreak Hotel", seu primeiro single. Ao seu lado, Steve Sholes, o homem responsável por sua contratação. Em seguida, Elvis fez suas primeiras aparições na TV e o magnetismo de sua imagem falou por si. Finalmente, em abril, a canção chegou ao primeiro lugar. Sholes respirou aliviado, mas ainda tinha muito trabalho pela frente. Ele queria ver um LP com o nome de Elvis sem muita perda de tempo.
Energia primal
O rock estava dando seus primeiros passos e não existia essa coisa chamada "LP de rock and roll". Astros de música country e R&B às vezes lançavam álbuns, mas as vendas eram geralmente fracas. Muitos permaneciam em um selo sem nunca ver seu trabalho compilados em um disco de 12 polegadas. Os LPs eram veículos para artistas do pop branco e romântico, trilhas sonoras e grandes orquestras. E, na RCA, singles e álbuns eram organismos totalmente separados. Departamentos que não interagiam tomavam conta dos produtos. O single não era um "trailer" do álbum, era um produto em si. Assim, "Heartbreak Hotel" não entrou no LP - àquela altura sem nome nem repertório.
Elvis tinha acabado de participar de algumas sessões na RCA, mas elas não eram suficientes. Para "encher" o LP, Steve Sholes usou gravações feitas na Sun Records que permaneciam inéditas. Bem, o público não precisava saber! E também não precisava saber que a foto da capa fora tirada alguns meses antes, naquele show na Flórida. O Colonel não perdeu tempo em trazer o material arquivado para ilustrar o disco. A foto em preto e branco feita por William S. Randolph, conhecido como Popsie, mostrava Elvis de olhos fechados, com a bocarra aberta, exibindo as amígdalas. Magérrimo e vestido com um daqueles ternos vagabundos, parecia dar cabo do pobre violão. Pura energia primal.
A foto foi ampliada ao máximo para que nenhum efeito fosse perdido. No canto esquerdo, "Elvis" escrito em rosa e, embaixo, "Presley" em verde. Com sua singular mistura de rosa, branco, preto, verde e violência musical pura, não à toa a imagem foi homenageada duas décadas depois na obra-prima do punk London Calling, do The Clash (veja matéria na pág. 72). Tudo começou ali.
A contracapa da estréia do Rei trazia um pequeno texto dizendo que Elvis se tornaria a maior sensação dos próximos tempos. E mais algumas fotos tiradas nos estúdios da RCA no começo daquele ano. No dia 5 de maio de 1956, o disco com a capa berrante ocupava a primeira posição nos Estados Unidos. A história tinha sido feita. Um disco 100% roqueiro dava um chega pra lá em álbuns de crooners e orquestras. O impacto visual da capa foi imediato e a RCA reproduziu a foto em dois EPs que saíram em seguida.
Porém, para o segundo disco, a gravadora mudou tudo. Elvis foi fotografado em cores, de lado, dedilhando oniricamente um violão. A capa não era nem um pouco roqueira. A RCA passou a apostar na boa-pinta do garoto de Tupelo, exibindo-o como um típico galã de Hollywood.
No Brasil, Elvis Presley teve capa e repertório totalmente diferentes. O álbum (disputado a tapa pelos colecionadores do mundo todo) reproduzia a capa de um EP americano que destacava Elvis, Bill Black (baixista) e Scotty Moore (guitarrista). Mas logo a RCA tupi lançaria os EPs com a capa americana da estréia de Elvis. Foi desse jeito que os brasileiros conheceram esta lendária foto.
8. Beatles - Abbey Road
Gravadora - Apple
Ano - 1969
Fotografia - Ian MacMillan
O produtor George Martin quase não acreditou quando Paul McCartney o convidou para comandar as sessões de gravação de um novo álbum dos Beatles. Nos últimos meses, aqueles quatro garotos que vira crescer haviam feito um telefilme unanimemente odiado, montaram uma gravadora que estava às portas da falência, tentaram voltar às raízes com um disco-filme abortado, viviam às turras envoltos em questões administrativas. Eram como quatro estranhos, mas, quem diria, lá estavam eles propondo um disco mais uma vez. Para tentar aliviar o clima, Martin colocou como condição que tudo fosse feito "como antigamente". E foi atendido. As gravações, que começariam em fevereiro de 1969, foram agendadas para o mesmo estúdio onde se conheceram, havia sete anos. O estúdio da EMI no bairro de St. John’s Wood, na Abbey Road.
O estúdio da rua Abbey era uma mansão de 16 cômodos comprada pela Electric Music Industry em 1929 sob o pretexto de construir ali o primeiro complexo de gravações totalmente concebido por uma companhia de discos. Dois anos depois, estava aberta a casa de três estúdios. O Studio 1, de 400 m2, era usado para gravações com orquestras sinfônicas. O Studio 2, de 190 m2, com capacidade para até 55 músicos, foi onde os Beatles registraram a maioria de seus clássicos. O "pequeno" Studio 3 era usado para mixagens e gravações mais rápidas (e baratas). Durante décadas, Abbey Road atraiu músicos de todo o mundo, como Fred Astaire, Gertrude Lawrence, Shirley Bassey e Fats Waller. Quando os Beatles pisaram naquele território sagrado pela primeira vez, em junho de 1962, foi na condição de grupo semiprofissional, sendo testado pelo produtor George Martin, chefe do selo Parlophone, pertencente à EMI.
Mas ali estava um bando de milionários tentando puxar paciência de lugares inimagináveis, juntar as forças, esquecer as picuinhas e gravar um disco. O álbum foi gravado em menos de dois meses e, embora na maior parte das vezes os quatro não estivessem ao mesmo tempo no estúdio, as testemunhas dizem que as gravações foram as mais tranqüilas em anos. Havia várias idéias para o título do LP - Everest e Billy’s Left Foot, entre elas -, até que Paul surgiu com a homenagem ao estúdio com o qual estariam associados eternamente: Abbey Road.
Paul está morto
O próprio baixista chegou com um esboço para a capa do disco, com a banda atravessando a faixa de pedestres no início da rua, e mostrou-o ao fotógrafo inglês Ian Macmillan. Era um dia quente, e Paul chegou à sessão com suas tradicionais sandálias de dedos. Macmillan fez algumas tomadas (que precisavam ser interrompidas a toda hora por causa do tráfego), e Paul resolveu prosseguir descalço. Era preciso agir rápido: uma pequena multidão de curiosos já se ajuntava ao redor. Macmillan fez suas fotos e em menos de meia hora estavam todos dispensados.
O estúdio de Abbey Road já era um ponto de confluência de beatlemaníacos havia muito tempo, mas, com o lançamento do disco, tornou-se parte do roteiro de "lugares santos" do rock tanto quanto a Graceland de Elvis Presley ou o túmulo de Jim Morrison em Paris. Todos os anos, cerca de 120 mil pessoas aparecem por lá para tirar uma foto atravessando a faixa de pedestres e deixando beatle-mensagens no muro. Há diversas agências de turismo que incluem a rua Abbey Road no roteiro e, de quando em quando, o próprio estúdio abre as portas para visitas em eventos especiais.
A mitologia em torno da capa de Abbey Road, entretanto, foi ampliada imensamente quando o DJ americano Russell Gibb encontrou "pistas" que comprovariam que Paul McCartney havia morrido em um acidente de carro como o descrito em "A Day in the Life" ("ele estourou seus miolos batendo em um automóvel") e que a banda o substituíra por um clone destro (donde eles não se apresentavam mais ao vivo, desde 1966). As "pistas" estavam todas lá: o falso Paul descalço (como muitos são enterrados em algumas culturas), segurando o cigarro com a mão direita (ahá!!); Ringo está bem à sua frente, de preto, como um agente funerário; o Fusca atrás da banda tem a placa 28 IF - pois Paul teria 28 (anos) SE (estivesse vivo)... Tudo muito lógico, evidentemente. A banda nem ligou: "Fazia parte do rock’n’roll, ajudava a manter a loucura", lembrou o baterista Ringo no livro Anthology. "Era uma questão de rotina, o nonsense típico com que tínhamos de lidar", disse o assessor de imprensa Derek Taylor no mesmo livro.
De qualquer forma, tudo isso - além de mega hits como "Come Togheter" e "Something" e de uma das fotografias mais famosas da história, fez de Abbey Road um dos maiores sucessos dos Beatles, epitáfio memorável numa carreira imaculada.
AS HOMENAGENS
BOOKER T. AND THE MG’s, 1970
RED HOT CHILI PEPPERS, 1988
PAUL McCARTNEY, 1993
VILA SéSAMO, 1993
7. Sex Pistols - Never Mind the Bollocks - Here’s the Sex Pistols
Gravadora - Virgin
Ano - 1977
Design - Jamie Reid
Causar estardalhaço era o maior talento do ex-lojista Malcolm McLaren na condução da carreira de seus empresariados, os Sex Pistols. Principalmente se o alvo fosse a monarquia inglesa. Como se o discurso niilista de "Anarchy in the U.K." não fosse o bastante, ele e o grupo achincalharam a rainha Elizabeth no single "God Save the Queen", com direito a passeio provocativo pelo rio Tâmisa e cartaz de divulgação com um alfinete perfurando o nariz da majestosa senhora.
Quando assinaram com a Virgin, após serem enxotados pela EMI e pela A&M, os Pistols já eram o centro das atenções na Inglaterra e cada passo que davam era seguido com sentimentos de (pouca) admiração e (muito) ódio. Letras sarcásticas, som alto, camisetas ultrajantes e rios de cuspes - valia tudo para expressar a raiva e a frustração de viver num país em crise aguda, com lixo se acumulando nas ruas, programas entediantes na TV, mas que insistia em manter a pompa aristocrática. Uma peça tão fundamental quanto McLaren e Johnny Rotten (ainda que normalmente subestimada) atende pelo nome de Jamie Reid.
Nascido em 1946, Reid estudou na escola de arte londrina Croydon Art College, onde conheceu McLaren no fatídico ano de 1968. Fundador da revista underground Suburban Press, que publicava artigos de anarquistas e situacionistas, desenvolveu o estilo de colagens que utilizaria mais tarde na capa da banda punk. A técnica de colagens não era uma simples questão de influência dadaísta, mas também de orçamento e ritmo de trabalho: Reid tinha de tirar leite de pedra - e rapidamente - para fechar as edições da publicação.
Os ex-colegas da escola de artes se reencontraram anos depois, quando McLaren o convidou para cuidar da imagem impressa dos Pistols. Contudo, segundo o empresário, o logotipo do grupo foi criado antes pela sul-africana Helen Wellington-Lloyd, conhecida na cena punk inglesa como Helen of Troy. A moça também havia estudado com McLaren na Croydon Art e atuou no filme Jubilee (1977), de Derek Jarman. Sem dinheiro para comprar Letraset (os velhos decalques de letras com variadas tipografias, vendidos em papelarias), ela recortou e colou letras do jornal The Times, formando o nome da banda.
Em seus primeiros trabalhos para os Pistols, Reid utilizou imagens que já havia feito nos tempos de Suburban, como a dos ônibus para o single Pretty Vacant. Mas as criações exclusivas tiveram mais impacto, como a campanha de divulgação de "God Save the Queen" - que custou a demissão do grupo pela gravadora A&M.
A Virgin, relativamente nova no final dos anos 70, garantiu que não faria restrições às táticas da dupla, nem mesmo para o título chulo do álbum, que surgiu de supetão. Reid e McLaren tinham algumas idéias em mente e sugeriram várias frases para um desinteressado Steve Jones, o guitarrista da banda. Com sua fina educação suburbana, Jones soltou do nada "never mind the bollocks" ("não ligue para os escrotos") e deu tudo o que era preciso para manter a aura maldita do grupo.
Obrigado, tablóides!
"Para mim, o punk tinha ligação com movimentos artísticos anteriores, como o surrealismo, o dadaísmo e o situacionismo, que possuíam características subversivas", afirmou Reid, que dispensou a força de figuras (anti)carismáticas como Johnny Rotten e Sid Vicious para estampar na capa. "Não era necessário colocar os rostos dos músicos", declarou. "Eles eram muito feios de qualquer maneira." A arte gráfica do álbum lembrava as cartas anônimas de terroristas e também se baseava nas manchetes escandalosas e exageradas dos tablóides ingleses, verdadeira instituição do país que ajudou a promover o grupo de rock como nunca antes.
"O lixo e a fúria", a antológica capa do Daily Mirror pós- aparição desbocada dos Sex Pistols na TV, deu fama nacional a um grupo de jovens oriundos das classes menos privilegiadas. Ainda que soubessem criar frases de efeito (como a emblemática "não estamos interessados em música, mas em caos"), sem as manchetes de letras garrafais os Pistols ficariam restritos aos freqüentadores do circuito alternativo de música. Por sinal, a única aventura no cinema (The Great Rock’n’Roll Swindlle, o Yellow Submarine do punk) não teve a mesma repercussão dos tablóides, não somente pelo fato dos Pistols estarem agonizando na época mas também porque decadência, cinismo e ultraje funcionavam melhor nas mãos da imprensa escrita britânica.
A sintonia entre atitude, moda, discurso e arte visual foi fundamental para que o estrondo dos Sex Pistols no mundo pop tivesse proporção planetária. Como ironizou McLaren, "se as pessoas comprassem os discos pela música, o rock já teria acabado há muito tempo". O principal feito do grupo (mostrar que era possível para qualquer tapado montar a própria banda) também foi refletido por Reid na área das artes gráficas. A técnica de colagem simples, barata, chocante e inteligente de Never Mind The Bollocks - Here’s the Sex Pistols era acessível para quem tivesse tesoura, cola e um jornal de ontem.
6. Nirvana - Nevermind
Gravadora - DCG
Ano - 1991
Design - Robert Fisher
Fotografia - Kirk Weddle
Nada podia ser mais inesperado e proporcionalmente devastador do que Nevermind. O disco que a juventude precisava, num mundo em que mais importante que o conteúdo era a imagem, expelia uma mensagem bem clara: em vez do gel nos cabelos bufantes e das calças apertadas, Nevermind regurgitava os velhos três acordes forjados por Elvis e figurino zero: jeans puídos, camisas de flanelas tipo lenhador e tênis Converse. Nada de solos de guitarra intermináveis e berros ensandecidos de vocalistas que mais pareciam poodles descabelados. Tudo isso seria encoberto por acordes curtos e letras pessoais, sobre o quanto era difícil atravessar incólume a esteira da sociedade de consumo.
A capa do segundo álbum do trio de Seattle deveria acompanhar as letras autodestrutivas de Kurt Cobain. Para refletir toda essa atmosfera foi chamado Robert Fisher, o designer recém-contratado pela David Geffen Company, a gravadora da banda. Fisher nunca havia feito uma capa na vida. Por outro lado, nascido em Los Angeles em 1962, o artista crescera com muito Led Zeppelin, Yes e Pink Floyd na cabeça. Um apaixonado por capas de disco que encontrou o emprego dos sonhos na Geffen, onde permaneceu por dez anos antes de montar o próprio estúdio de design.
Na reunião para definir o que estamparia a capa de Nevermind, as sugestões de Robert foram muito bem compreendidas por toda a banda e pela equipe da gravadora. Kurt, com seu jeitão introspectivo, falava pouco, enquanto Dave Grohl e Chris Novoselic eram mais propensos a palhaçadas.
Fisher sabia que a gravadora não aceitaria uma simples imagem de um bebê submerso n’água. "Kurt sugeriu uma isca para compor a foto. Nela poderiam estar presos uma comida, um CD, brinquedos. Alguém propôs uma nota de 1 dólar, o qual foi aceito de prontidão", contou o designer anos depois. "Apesar de Kurt nunca racionalizar sua idéia da capa, desconfio que ele imaginava que o bebê nu representava sua inocência, a água representava um local estranho e apavorante e o gancho com a nota de dolar, sua vida criativa sendo sugada pelo mundo corporativo do rock."
Estréia na piscina
O fotógrafo Kirk Weddle foi chamado e tirou inúmeras fotos de uma piscina em Pasadena, onde vários pais mergulhavam seus bebês na água pela primeira vez. "Se você reparar bem na foto, pode ver as marcas dos dedos do pai, logo antes de ele soltar o bebê para a mãe", disse. O nome da criança fotografada é Spencer Elden e a foto registra a primeiríssima vez em que ele entrou numa piscina.
Kurt Cobain, sempre tímido, sugeriu uma fotografia de sua autoria - um macaco -, que acabou indo para a contracapa por sugestão de Fisher.
A imagem do pequeno Spencer em seu merulho histórico é uma crítica clara à sociedade de consumo, onde uma inocente criança já é treinada desde cedo para correr atrás de dinheiro. Ao mesmo tempo é a embalagem do disco do anti-herói, do nerd da escola, do moleque que preferia escutar música a sair com as garotas e devolvia seu desprezo em forma de microfonia. Por incrível que pareça, Nevermind teve quase todas as faixas transformadas em sucesso radiofônico - dos acordes de abertura do hino "Smells Like Teen Spirit", passando pela lisérgica "Come As You Are" e chegando à melancolia de "Something in the Way" - e vendeu 2,5 milhões de cópias em pouco mais de um mês. O disco foi parar no topo da parada americana e Cobain agora provava o lado mais sórdido da fama. Dessa contradição, o cantor só conseguiu se livrar ao dar um tiro na cabeça, em 5 de abril de 1994.
Não se trata, porém, do caso comum do mito póstumo. Nevermind está no rol dos álbuns mais importantes da história da música e desde que foi lançado isso era flagrante. Não apenar por quebrar as amarras do underground para si, mas todo o planeta. Atrás dele, Seattle, uma cidade de pouco mais de 500 mil pessoas e 220 quilômetros quadrados de área, emergiu aos holofotes da mídia de todo o mundo e recebeu o impacto da hecatombe artística.
As palavras "grunge" e "alternativo" entraram para o vocabulário de quem ouvisse rock no mundo, o que fez com que gravadoras começassem a explorar cada vez mais o que era produzido nos circuitos independentes. Na semana em que foi lançado, Nevermind deixou para trás na parada o disco Dangerous, de Michael Jackson, e, com ele, toda a superprodução, megalomania e plastificação do universo pop da época. Dali para o mundo - um mundo pequeno para o ruído de três garotos mirrados surgidos na fria e chuvosa Seattle.
5. Beatles - Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band
Gravadora - Parlophone
Ano - 1967
Design - MC Productions & The Apple
Fotografia - Michael Cooper
Em 1967, enquanto os Beatles trancafiaram-se por quatro meses nos estúdios para fazer sabia-lá-Deus-o-que, o mundo girou rapidamente. Hendrix, Pink Floyd, psicodelismo, LSD, rádios piratas. "I Want to Hold Your Hand" já não podia sonorizar o planeta. Por intermédio de Peter Asher (irmão de sua namorada, Jane Asher, e metade do duo Peter & Gordon), Paul McCartney conheceu o mexicano John Dunbar, formado em artes em Cambridge, fanático por jazz radical, Duchamp, Beethoven e literatura beat. Em fevereiro de 1966, Peter Asher e John Dunbar uniram forças com o livreiro Barry Miles e fundaram a Indica Bookshop & Gallery. Foi lá que Lennon comprou o Livro Tibetano dos Mortos, que o inspirou a compor "Tomorrow Never Knows" e, algum tempo depois, conheceu Yoko Ono. E foi lá que Miles apresentou o marchand Robert Fraser a Paul McCartney.
Fraser era gay, heroinômano, aristocrático e rico de nascença - seu pai mexia com o mercado financeiro e era conselheiro da Tate Gallery. Paul o considera até hoje sua "maior influência artística formativa". Com ele, comprou quadros, foi a instalações, viajou para assistir a concertos de música erudita e experimentou drogas variadas. Quando os Beatles começaram a pensar na capa do álbum que gravavam havia quatro longos meses em clima de total mistério, foi inevitável que Fraser estivesse envolvido.
A idéia básica por trás de Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band era a de que os Beatles "interpretassem" a tal banda do sargento Pepper como seu alter ego hippie. Paul chamou Robert Fraser e explicou que, para a imagem de capa, imaginava o tal grupo - os Beatles em uniformes de banda militar coloridos acetinados - em uma sala forrada com fotos de seus ídolos. Outras idéias transportavam os quatro bigodudos de Liverpool para uma imaginária pracinha de cidade do interior, em algum evento com o prefeito adornado com arranjos florais e coisas do tipo. Fraser sugeriu que, pelo tom nostálgico da coisa e pela enormidade de elementos populares, o homem certo para realizá-la seria Peter Blake.
Memória pop
Blake era um inglês de Kent, famoso pelos quadros repletos de colagens que misturavam peças de memorabilia, pin-ups, capas de disco, brinquedos fora de moda, fotografias triviais e molduras insuspeitas. Estudou arte folclórica, lecionou em várias universidades inglesas e morou por algum tempo nos Estados Unidos, quando desenhou para o jornal Sunday Times. Já era um nome de ponta da pop art britânica. A partir da idéia de Paul, imaginou a bandinha de metais entre um grande arranjo de flores em que se lê BEATLES, sendo laureada por uma multidão de celebridades vindas de recordações mais ou menos desconexas dos músicos - James Dean, Dylan Thomas, Karl Marx, Fred Asteire, Aleister Crowley, Edgard Allan Poe, Oscar Wilde, Tony Curtis, Paramahansa Yogananda e outros gurus de George Harrison, entre outros.
O ex-fotógrafo da Vogue Michael Cooper foi indicado por Fraser (seu amigo do circuito gay inglês, com quem abrira um estúdio no bairro de Chelsea) para clicar a instalação de Blake. A idéia original, de uma imagem ao ar livre, acabou substituída pelo maior conforto que o estúdio de Cooper oferecia. Para acomodar tanta informação visual, os Beatles solicitaram à EMI uma capa dupla. Blake cuidou de um encarte com diversas imagens e insígnias para recortar. Era um autêntico projeto de pop art.
Foi também o início de uma era de extravagâncias no rock. Uma capa, geralmente gerida pelo próprio departamento de arte das gravadoras, custava em torno de 25 ou 50 libras. Em Sgt. Pepper, só a direção de arte de Robert Fraser somada ao cachê de Michael Cooper custaram 1,5 mil libras; Peter Blake levou 200, mas entrou com um processo décadas depois pedindo reavaliação do valor. Os direitos de uso das fotografias das celebridades também passaram das mil libras.
O disco foi lançado em 10 de junho de 1967, vendeu 10 milhões de cópias e se tornou imediatamente um marco na cultura ocidental. Se Peter Blake (que transformou-se em sir em 2002) não recebeu nem mais um tostão de diretos, sua obra mais famosa lhe garantiu um belo lugar na história da música e das artes. E isso, como diz o outro, não tem preço.
AS PARÓDIAS
FRANK ZAPPA, 1969
MACABRE, 1993
OS SIMPSONS, 1998
ZÉ RAMALHO, 2000
4. Secos & Molhados - Secos & Molhados
Gravadora - Continental
Ano - 1973
Design - Décio Duarte Ambrósio
Fotografia - Antonio Carlos Rodrigues
Como produto pop, o disco de estréia dos Secos & Molhados sobreviveu intacto à ação do tempo. Passou no teste também como expoente do rock nacional (apesar de o próprio Ney Matogrosso afirmar se espantar quando dizem que o som é rock’n’roll). Mas onde parece mais intacto é como peça gráfica. Há alguns anos, foi eleita a melhor capa de discos brasileiros em enquete organizada pelo jornal Folha de S.Paulo, deixando para trás capas memoráveis de Tom Zé e Gal Costa. Considerando que o S&M dava mesmo grande valor ao aspecto visual e que sua maquiagem serviu de referência para uma série de projetos, é uma vitória merecidíssima.
Antonio Carlos Rodrigues, que clicou a capa, define sua criação como "fantástica", como estilo e como resultado. "Tudo nessa capa é fantástico, o momento em que aconteceu, o fato de o disco ter vendido quase 1 milhão de cópias. Antes disso, os discos mais vendidos no Brasil chegavam a 100 mil exemplares", explica.
O fotógrafo comenta que a idéia da capa já existia antes do disco. Certa vez, ao viajar para o Rio de Janeiro, viu algumas meninas na praia com o rosto pintado. Surgiu-lhe a idéia de produzir um ensaio nesses moldes com sua então esposa, que era modelo. Com a ajuda do maquiador Silvinho, fez uma série de fotos parecidas com a que está na capa do álbum do Secos, com a cabeça dela "servida" em uma espécie de bandeja. As fotos foram recusadas por uma revista, mas acabaram publicadas em outra, a Fotoptica, para a qual cedeu os fotogramas de graça. "Disse ao editor que recusara as fotos que pagariam dez vezes mais por elas depois. Ele não acreditou, claro", lembra.
Rodrigues assistiu a um show dos Secos & Molhados e, em seguida, foi procurado pelo pai do compositor João Ricardo, o jornalista português João Apolinário, que lhe propôs que fizesse a capa do disco. João, que havia visto as fotos que ele clicaria para a Fotoptica, era seu colega no jornal Última Hora. "Ele disse que a gravadora não acreditava muito na banda e tinha liberado pouco dinheiro", lembra. "Talvez a quantia fosse o equivalente a uns 80 reais em moeda de hoje. Quando soube do nome do grupo, montei uma mesa no meu estúdio com vários secos e molhados, coloquei a cabeça deles ali e os maquiei."
Para a preparação, todos ajudaram, serrando mesas de compensado - e, durante as fotos, foi gasto muito tempo até que se chegasse ao resultado perfeito, com todos os S&M passando muito frio durante uma madrugada inteira. Na época, o trio formado por Ney, João e Gerson Conrad contava com Marcelo Frias como baterista. Ele aparece na capa e na contracapa, mas, antes de o disco ser lançado, preferiu continuar como músico contratado a correr riscos de trabalhar como parte de uma banda de potencial comercial incerto. Frias não poderia ter chutado a bola para mais longe do gol.
Antonio Rodrigues repetiu quase que literalmente o trabalho que teve com seu ensaio para a Fotoptica, realizando um dos projetos gráficos mais marcantes do rock nacional (apesar do espanto de Ney) e da música popular brasileira.
Carreira curta
Após a capa do primeiro disco do Secos, Antonio só chegou a clicar a (igualmente bela) capa do segundo álbum, de 1974. Depois disso, nunca mais trabalhou com capas de disco, passando a se dedicar a fotos de animais, do Pantanal e, posteriormente, à música - toca saxofone na noite de Penedo (RJ), onde vive num sítio. Também morou na Europa entre 1965 e 1973 e estudou cinema na Polônia.
O seu sumiço do mercado de capas de LPs ele credita à política das gravadoras. "Elas tiveram força, mas depois se desinteressaram da cultura", acredita. "Passaram apenas a investir em produtos forçados. Se eu tivesse feito essa mesma capa em outro país e ela tivesse vendido dez vezes mais que o maior disco de sua época, como aconteceu aqui, eu teria feito uma seqüência disso. Mas nunca mais fui chamado para nada", lamenta.
Ainda hoje, a capa serve como ponto de referência: em 1995, os Titãs usaram o visual bolado por Rodrigues para criar o clipe de "Eu Não Agüento", em que os integrantes também apareciam com as cabeças "cortadas" sobre bandejas - Charles Gavin, o baterista do grupo, se responsabilizaria em 2000 por reeditar o disco em CD. Curiosamente, a banda americana Black Crowes, durante sua passagem pelo Brasil, reclamaria de semelhanças entre os clipes dos Titãs e o de sua música "A Conspiracy". Pura falta de informação.
Já Ney Matogrosso, durante anos, alardearia que o Kiss roubara do S&M a idéia das maquiagens - em uma turnê do Secos pelo México, um empresário que depois trabalharia com o Kiss teria visitado o trio e feito propostas a eles, sumariamente recusadas. Antonio, que diz ter influenciado a banda a se maquiar, afirma que nem eles nem ninguém do grupo jamais havia escutado falar do Kiss.
Secos & Molhados, o disco, já foi reeditado várias vezes, sempre com alguma mudança na arte da capa - chegou a sair uma edição com uma bandeira mentindo "A volta de..." no lado esquerdo. Na edição mais recente, o disco saiu em formato dois em um, com o segundo álbum do grupo (o último com a formação original), incluindo a capa e o encarte originais, mas desfalcada da foto da contracapa, na qual a banda aparecia sem maquiagem, numa janela.
Para Rodrigues, o fato de uma arte gráfica ter tido tanta influência é sinal de reconhecimento de seu trabalho. "Eu sabia desde o início que aquilo iria fazer sucesso. Todo mundo queria saber quem havia tido aquela idéia. Na época do segundo LP, não havia fotógrafo no Brasil que não quisesse fazer a foto da capa para eles", orgulha-se.
3. Cartola - Verde Que Te Quero Rosa
Gravadora - RCA-Victor, 1977
Design - Ney Tavora
Fotografia - Ivan Klingen
Diz aí: não é qualquer disquinho que pode se gabar de rebolar na vitrola ou no leitor óptico e sair por aí reproduzindo em forma de som os talentos de Cartola, Nelson Cavaquinho e Radamés Gnatalli. Verde Que Te Quero Rosa reúne esses três gigantes e não precisaria de outras glórias póstumas para ser cantado em verso e prosa. Mas quiseram os deuses e os votantes desta 100 Maiores Capas de Discos de Todos os Tempos que o terceiro LP de Angenor de Oliveira (1908-1980) fosse eternizado não somente pela essência musical. Sua sublime portada, com foto de Ivan Klingen e direção de arte de Ney Tavora, foi a capa nacional mais lembrada pelo colégio eleitoral bizziano. À frente dos projetos gráficos maravilhosos do selo Elenco, de obras-primas do design da bossa nova e de outros discos festejados mais pela importância do título do que pelas qualidades estéticas de suas embalagens.
Um dos fundadores da Estação Primeira de Mangueira, Cartola pode se gabar de ter inventado a inusitada combinação de cores adotada pela escola. Quem conviveu com o sambista diz que ele não conhecia os versos do poeta espanhol García Lorca ("verde que te quero verde"). Mas a expressão já tinha sido incorporada inconscientemente ao repertório popular quando foi parodiada na belíssima parceria de Cartola com Dalmo Castelo que dá nome ao disco. Dalmo, parceiro Zona Sul do mangueirense em sua última década de vida, certamente estava bem familiarizado com Lorca, o que, a rigor, não tem importância nenhuma. O importante é constatar: poucas vezes uma capa traduziu tão bem uma frase, com todo o lirismo e subtextos implícitos.
Ney Tavora fez o que tinha de fazer. Jogou no canto direito o nome de Cartola e deixou o lindíssimo retrato do sambista falar por si. O título do disco não precisava aparecer mesmo; já estava totalmente traduzido pela imagem. O cafezinho na xícara verde, o pires rosa, o cigarro entre os dedos, o anel e a aliança, os óculos escuros... E, gloriosamente registrado, o nariz, que a imprensa da época costumava chamar de "irreal", bem naquilo que Roland Barthes chamaria de pictus da imagem...
Por causa de uma doença chamada acne rosácea, Cartola durante muitos anos ostentou um nariz "de couve-flor". Os hábitos alcoólicos da fase lost weekend, nos anos 40 e 50 (até 1956, quando foi "redescoberto" pelo jornalista Sérgio Porto trabalhando como lavador de carros), certamente contribuíram para piorar o aspecto da coisa. Tanto que, em 1964, já alçado à condição de cult, com o Zicartola empanturrando os intelectuais cariocas de samba, cerveja e feijoada, amigos mais abonados pagaram uma cirurgia plástica para Cartola. Pedacinhos do bumbum, como já escreveu Aldir Blanc, foram parar ali, na napa do poeta.
"Quando ele levou a xícara à boca, procurei um ângulo adequado. Peguei por baixo, com a xícara fazendo um pouco de sombra. O tom do nariz se confunde com a sombra que ficou no queixo. A luz bate na parte de cima da cabeça", lembra o fotógrafo Ivan Klingen, de 57 anos.
Em seu portfólio, além de Verde Que Te Quero Rosa, constam capas para discos importantes, como De Pé no Chão, de Beth Carvalho (de 1978, lindamente clicada na quadra da Cacique de Ramos), Modo Livre, de Ivan Lins (1974), e Miúcha e Antônio Carlos Jobim (1977). "Acho que foi o Tom quem me indicou para esse LP do Cartola. Ele tinha gostado das fotos de divulgação que fiz para a Sarah Vaughan, quando ela esteve no Brasil, e me chamou para cuidar da capa do disco dele com a Miúcha."
Ivan lembra bem da foto de Verde Que Te Quero Rosa: foi uma daquelas imagens históricas e "com história". "Parece que não era para ter sido feita. Tive encontros e desencontros com o Cartola naquele dia. A RCA (gravadora) me ligou numa noite dizendo para fazer a foto no dia seguinte, na casa dele, na Mangueira. Falaram que um funcionário da gravadora que morava lá perto iria avisar o Cartola. Nem consegui dormir, preocupado com o que ia fazer, que equipamento levar."
Só para situar: já havia a consciência de que aquele era um artista de absoluta importância, uma lenda viva da cultura nacional. Depois de uma trajetória de altos (poucos) e (prolongados) baixos, Cartola só pôde lançar o primeiro disco aos 66 anos, em 1974 (antes havia participado de Fala Mangueira, de 1968, com Clementina, Nelson Cavaquinho, Odete Amaral e Carlos Cachaça). Seus dois primeiros LPs, editados pela gravadora independente Marcus Pereira Discos, causaram comoção na música popular brasileira. Verde Que Te Quero Rosa, de 1977, marcava a estréia do sambista em uma major, a RCA (hoje BMG), e levava o esquema fundo-de-quintal para possibilidades maiores, ainda que com a produção de Sérgio Cabral, comprometido e totalmente identificado com o lado roots da coisa.
Continua Ivan: "No dia seguinte, quando cheguei, o Cartola estava de pé, em frente da casa, com uma mala, pronto para viajar. Estava esperando um parente que ia levá-lo para a rodoviária. Tentei convencê-lo da urgência que eu tinha, do pedido da gravadora, mas ele me disse para fazer a foto outro dia. Fiquei sem saber o que fazer." Quem salvou a pátria foi Dona Zica. Vendo o desespero do fotógrafo, ofereceu o mínimo que a hospitalidade do morro garante (ou garantia, né?): um cafezinho. Foi a salvação. "Rapaz, a xícara era verde! Me deu um estalo: eu já sabia que o título seria Verde Que Te Quero Rosa." Ivan perguntou à anfitriã se por acaso ela tinha um pires cor-de-rosa. "Safado! Quer tomar café nas cores da Mangueira!?", mandou Dona Zica, sacando as intenções do fotógrafo, antes de voltar da cozinha com o tal pires.
Pronto? Pronto nada! Ivan pediu a Cartola para vestir uma camisa azul, pensando em misturar as cores da Mangueira com as do Brasil. "A camisa foi lavar, ainda não está passada...", resmungou o compositor. Mas, como o tal parente da carona não chegava nunca, deu tempo para Dona Zica salvar novamente a pátria com o ferro. Ivan achou o fundo amarelado (na verdade, ocre) que buscava e botou Cartola para fingir que estava bebendo o cafezinho. O cigarro, companheiro de Cartola até o fim de sua vida, entrou na composição, conforme quis o fotógrafo, como "o branco da bandeira". O ângulo sugere até uma continuação das cinzas na cabeleira prateada do artista. "Eu quis retratar o que ele era: além do fundador da Mangueira, um brasileiro profundamente envolvido com a estética do nosso país. Além disso, tentei mostrar sua elegância, aqueles óculos escuros, que ele não tirava nunca... Eles compunham muito bem com o rosto - você não o reconheceria sem os óculos. Cartola tinha uma noção de estética e elegância incríveis."
Ivan usou filmes de 35 milímetros, que, quando ampliados para o tamanho das capas de LP (31 por 31 centímetros), costumam denunciar eventuais tremidas e distorções. "A foto que virou capa era a que corria mais riscos, porque tive de me aproximar bastante dele. Quando vi o resultado, fiquei muito feliz e pensando com meus botões que, se tivesse preparado algo antes, não teria saído tão bom. Provavelmente teria seguido algum padrão. Mas a situação sem controle impediu que isso acontecesse. E, claro, se a Dona Zica não tivesse servido o cafezinho, a capa não existiria!"
Por Pedro Só
2. Clash - London Calling
Gravadora - Epic
Ano - 1979
Design - Ray Lowry
Fotografia - Pennie Smith
Preocupações políticas e musicais não eram as únicas coisas que importavam para a única banda que importava. O The Clash sempre teve consciência do valor do impacto visual no rock. Afinal de contas, estilo era o motor do punk inglês e, ainda que a banda não fosse espalhafatosa e provocadora como os Sex Pistols, o Clash cuidava de detalhes como signos, bottons, chapéus, cintos e cabelos besuntados com brilhantina desde suas primeiras fotos publicitárias. O "assalto" estético propagado pelo punk era fundamental no plano de dominação que a banda pretendia aplicar nos Estados Unidos.
Antes de London Calling, havia a fúria punk de The Clash (1977), cuja selvageria tratava da recessão econômica e do caos social que atacava Londres. O som de rock clássico de Give’em Enough Rope (1978) tampouco foi suficiente para conquistar o público americano - entrou na modestíssima posição 128 da parada em abril de 1979 - e a CBS franzia a testa preocupada com o poder de alcance de sua aposta, cujo contrato estipulara cifras inéditas para o mundo punk. O primeiro sinal de que as correntes do estilo e a barreira americana poderiam ser rompidas veio em junho de 1978 com o reggae-dub "White Man in Hammersmith Palais". Ao menos os integrantes do Clash acreditavam firmemente em sua internacionalização.
Em sua primeira turnê americana, Pearl Harbor’79, no início daquele ano, o The Clash escolheu nomes como Sam & Dave, Bo Diddley e Screamin’ Jay Hawkins para a abertura de seus shows, tática do tipo "política da boa vizinhança", mas que também revelava o fascínio pelas raízes e pelas legendas do rock’n’roll que apareceria em London Calling. No segundo giro pelos Estados Unidos, no mesmo ano, o The Clash embarcou da Inglaterra ao lado da fotógrafa Pennie Smith e do designer Ray Lowry, para documentar as apresentações e, depois, criar a arte do próximo disco.
Fora de foco
Estudante da Twickenham Art School no fim da década de 60, Smith não gostava particularmente de fotografia ou de rock quando foi chamada para colaborar (de graça) na revista alternativa Frendz. Aliás, era completamente alheia ao rock da época até conhecer o jornalista Nick Kent, que a levou para a publicação New Musical Express. Nesse semanário, fez várias capas, incluindo a da turnê do Led Zeppelin de 1973, e ficou amiga do futuro companheiro de viagem Lowry.
A foto que se tornou uma das capas de disco mais conhecidas da música pop foi tirada durante uma apresentação do The Clash no Palladium Theater, em Nova York, no dia 21 de setembro. O show transcorria bem (na concepção punk do termo), mas o baixista Paul Simonon irritava-se cada vez mais, possivelmente por causa do som de seu instrumento que ouvia pelas caixas de retorno. Smith percebeu a ira do baixista e passou a acompanhar seus movimentos. Foi então que, com fumaça saindo pelas ventas, Simonon ergueu o contrabaixo acima da cabeça e o arremessou para baixo, espatifando-o contra o chão. Próxima da cena, Smith não temeu ser atingida por um naco do instrumento e clicou.
Confiante de que conseguira uma boa foto, ela revelou o filme, mas decepcionou-se em seguida: a imagem de Simonon não tinha foco. Joe Strummer, contudo, afirmou categoricamente que aquela seria a capa do disco, não arredando pé nem mesmo diante dos argumentos técnicos da fotógrafa. Depois de ampliada, Smith percebeu que realmente tinha registrado uma imagem poderosa. A superação da crise de identidade, o rompimento com as limitações sonoras e estéticas, a gana em abrir outras portas para o rock e um novo mercado para si próprio - o Clash tinha nas mãos um instantâneo que espelhava as mudanças detonadas com London Calling.
No departamento de arte da gravadora CBS, em Londres, Ray Lowry utilizou a mesma tipografia do disco de estréia de Elvis Presley, em verde e rosa, com a idéia de que London Calling tornava o rock novamente perigoso, como ele havia sido em meados dos anos 50. Strummer e Mick Jones, os líderes da banda, ganharam espaço somente na contracapa, mas não reclamaram. Quem sempre se lamentava ao ver a arte gráfica do disco era o próprio Paul Simonon. "Devia ter usado um baixo reserva. O que destruí era muito bom!"
London Calling expandia não somente o som do Clash para o reggae, o rockabilly, o jazz e o r&b como também levava "fisicamente" o grupo para a América e seu caos de informações e misturas culturais. O título puxava os holofotes do mundo pop de volta para a capital inglesa, só para ganhar as credênciais e pisar no solo americano. Definitivamente, o Clash não estava mais entediado com os EUA, como cantara no disco de estréia. Apesar de duplo, London Calling foi vendido a preço de LP simples e teve excelente aceitação nos EUA, chegando ao 27º posto da parada no início de 1980. Por pouco não foi intitulado The New Testament, mas presunção tinha limite até para os ingleses.
1. Velvet - Underground - The Velvet Underground & Nico
Gravadora - Verve
Ano - 1967
Design - Andy Warhol
Fotografia - Andy Warhol
Imagine Nova York. Não a Nova York de hoje, gorda, de luxo, donald trump, sex & the city, wall street, ruas limpas, casacos de pele, espresso bars, comédias românticas com meg ryan, festas com bellinis, paris hilton e sean puffy daddy combs.
Imagine Nova York magra, junkie, pobre, livre, ruas sujas, dentes podres, lofts abandonados, squatters, grandes espaços vazios suspensos abertos como bocas para quem quisesse cuspir neles, morar neles, sonhar neles, heroína, opiáceos puros - ecstasy ainda não havia sido inventado, tudo era pó e gim, coisa barata e farta (estranho, quem ganhava com isso?) -, max’s kansas city, ratos, fumaça dos subterrâneos, gente nos subterrâneos, esgoto nos subterrâneos como veludo, espesso, fedorento, liso, escuro.
Imagine 1967. Vinil, vietnã , úlcera roendo por dentro, uma geração contra a outra, lyndon johnson, helicópteros em missões secretas, swinging london, mary quant, maconha, testes de ácido, mundos coloridos, festival de monterey, jimi hendrix, jefferson airplane, beatles, strawberry fields forever, janis joplin, carlos castañeda, caras pintadas. Drop in, drop out, get free.
If you’re going to San Francisco, be sure to wear some flowers in your hair... Mas São Francisco é uma península. Nova York é uma ilha.
Na ilha dos dentes podres, Andy, o filho homossexual de imigrantes tchecos - solitário e talentoso, bolsista, isolado, chacota dos colegas, tardes solitárias no estúdio desenhando futuros prováveis -, chegou para trabalhar em publicidade, encurtou o nome de Warhola para Warhol, ganhou tubos de dinheiro, mandou chamar a mãe e os três gatos dela e se instalou numa peculiar vida dupla. Em casa, com Dona Julia Warhola e caixas de recortes de tudo; nas ruas, como o mestre e senhor de um cavernoso galpão, meio estúdio, meio teatro, meio galeria, chamado The Factory.
Agora você tem de imaginar portas abertas. Portas abertas como arte. Doce, tímido e incrivelmente dominador do jeito como pessoas doces e tímidas são capazes de ser, Andy abria as portas da Factory sem julgar e sem perguntar, sem catalogar e sem querer saber para que serviam os pedaços de humanidade que as marés da ilha empurravam através delas. (Por favor, não esqueça que você está imaginando 1967!).
Artistas, travestis, junkies, vagabundos, atores pornô, modelos, garotos de programa, traficantes, socialites, beatniks. "As pessoas simplesmente eram", diria, muitas décadas depois, um surpreendentemente intacto sobrevivente da experiência. "Elas chegavam à Factory e, de alguma forma, se encontravam. Encontravam um espaço onde podiam ser elas mesmas."
Por essas portas, um dia passou um agregado de gente tão improvável que apenas ali poderia ser seu paradeiro. Lou Reed e Sterling Morrison eram colegas de faculdade nascidos no mesmo lugar - Long Island, Nova York -, do mesmo tipo de família - rica e conservadora. John Cale, nascido no País de Gales, era um músico treinado em conservatório - com especialização em viola - e educado tanto por mestres minimalistas quando pelas exigências de uma gravadora comercial, tipo linha de montagem, onde sua tarefa era produzir canções pop em massa. Maureen Tucker era irmã de um amigo de faculdade de Lou e Sterling. Faziam música juntos com vários nomes até que um, descolado de um romance sadomasô, colou: Velvet Underground. Estavam tocando num bar em Greenwich Village, o Cafe Bizarre, quando Andy os viu.
Aí tudo mudou.
A arte de Andy Warhol era, basicamente, a arte do desejo de Andy Warhol. E Andy desejou o Velvet Underground. Talvez não sexualmente de forma explícita - chegaremos à banana em um minuto. Mas os desejou em sua vida-arte-vida, desejou a coisa rock que eles traziam para dentro da Factory, a trilha sonora que eles proporcionavam a suas outras aventuras no caminho de uma arte de massa/massa como arte.
A trilha era assim: insular e angulosa, um pulsar quieto sobre uma base tribal. Guitarras improváveis e letras (Reed formou-se em literatura) falsamente simples e extremamente eruditas sobre drogas, chicotes, prostituição. Na Costa Oeste, tudo girava multicolorido e harmônico, e em Londres, as notas saltitavam sobre oboés e fitas invertidas, mas o Velvet era uma ilha numa ilha, e Andy era uma ilha numa ilha e foi paixão à primeira vista.
Antes da consumação, houve Nico. Nico era alta, ossuda, imponente, às vezes loura, às vezes ruiva ("pintei o cabelo de ruivo porque me disseram que Jim Morrison só gostava de ruivas, eu era tão louca por ele"). Germânica e rainha do gelo, era a pessoa que ela havia inventado no mundo particular da Factory, para onde fora importada depois de uma carreira como modelo e quase popstar.
Nico cantava como se fosse Morticia Adams com um garrote no pescoço, o que, na visão de Andy, era absolutamente perfeito para o Velvet. Um disco seria feito, estava decidido, e Lou comporia algumas canções especialmente para Nico ("Femme Fatale", "All Tomorrow’s Parties" e "I’ll Be Your Mirror").
O disco foi gravado em um dia, talvez dois, num estúdio caindo aos pedaços - Scepter Records - e bancado inteiramente por Andy e um amigo, ex-executivo de gravadora (custo total da produção: 1,5 mil dólares). Os Velvets vinham ensaiando ferozmente havia semanas - "foi um período extremamente produtivo", Cale recorda. "Mexemos com a afinação, aprendemos a usar instrumentos e efeitos" - e participando dos shows-multimídia da Factory, os Exploding Plastic Inevitable.
A Verve, divisão da MGM Records, comprou o disco, mas teve de esperar pela capa. Andy queria uma banana, mas não qualquer banana - uma banana em camadas que, devidamente descascada, revelasse seu interior. Uma cortadora especial teve de ser providenciada para a execução dessa perfeita metáfora de Nova York em 1966/67, com a Factory e os Velvets no meio - banal e possivelmente passada, bruta e simples e só no espaço branco da capa, pedaço descolado de uma natureza morta não consumida, a banana se abre (ao longo da linha perfurada dizeres mínimos indicam - "descasque devagar e você verá") para revelar um interior rosa fálico, frágil e sensual. Uma ilha dentro de uma ilha, com uma casca grossa por cima. (E a assinatura de Warhol embaixo, honra imerecida pelo próprio título do álbum).
A contracapa tem os Velvets tocando num E.P.I. na frente de um still do filme de Warhol The Chelsea Girls - um still de uma figura complicada do universo warholiano, Eric Emerson, que depois, precisando de grana para pagar fiança e sair da cadeia, processou a gravadora pelo uso não autorizado de sua fotografia.
The Velvet Underground & Nico foi lançado em março de 1967, chegou ao modestíssimo centésimo septuagésimo primeiro lugar das paradas americanas em maio e depois desapareceu. Os tempos não estavam maduros, a banana flutuava entre o que absolutamente era, em seu universo preciso, e o que poderia vir a ser.
A banda se separaria em 1969 e Lou Reed seguiria para uma brilhante carreira-solo. Nico morreria do coração na Espanha justo quando tinha largado as drogas. Andy Warhol faria uma outra capa fálica de muitas camadas - Sticky Fingers, dos Rolling Stones -, se tornaria uma estrela das artes americanas contemporâneas e morreria aos 58 anos entre suas caixas de recortes, depois de uma cirurgia de rotina. Eric Emerson morreria aos 30 anos de overdose e seria homenageado com uma canção do Sonic Youth, uma das centenas de bandas que jamais teriam existido se The Velvet Underground & Nico não tivesse existido antes.
Por Ana Maria Bahiana
WARHOL ERA ASSIM...
KENNY BURRELL, 1956
JOHNNY GRIFFIN, 1957
KENNY BURRELL, 1958
...E FICOU ASSIM
BILLY SQUIER, 1982
ARETHA FRANKLIN, 1986
JOHN LENNON, 1986
Simples, isso não foi. Montamos o maior júri de jornalistas, publicitários, designers, músicos e colecionadores e convidamos esse povo todo a responder a uma questão que atormenta a humanidade há 66 anos. Afinal, quais as melhores capas de discos de todos os tempos?
Para chegar a uma seleção, ãhn, científica, foi preciso apelar à tecnologia. Primeiro, bolamos um software de votação que agrupava mais de 300 capas pré-selecionadas de acordo com o tipo de música, a proposta estética ou a época em que foi lançada. A idéia era que a revista não ficasse nem roqueira demais, nem tropicalista demais, nem anos 60 além da conta ou mais jazzista do que convinha. Essa pré-seleção foi feita com base em diversas listas internacionais, votações mais antigas e palpites vindos de toda parte.
Uma vez dentro do software, nosso time de notáveis precisava escolher e ordenar 50 capas de acordo com os próprios critérios - beleza, relevância histórica etc. E foi assim, tabulando todos os votos, que chegamos à lista que começa na página a seguir.
þ Agora, lista é aquela coisa - sempre vai ter gente sentindo falta de fulano ou inconformada com o beltrano que apareceu na frente do sicrano. Mas (sem querer fazer pouco de toda a trabalheira que deu para chegarmos a ela), cá entre nós, tudo isso não passa de desculpa para a gente contar 100 histórias fabulosas que se escondem por trás dessas obras de arte que estocamos no porta-luvas do carro. Sente-se em uma poltrona confortável e aprecie esta verdadeira exposição musical.
100 - Titãs - Blesq Blom
Gravadora - WEA
Ano - 1989
Design - Silvia Panella
Ilustração - Arnaldo Antunes
O quinto álbum dos Titãs teve a arte gráfica criada por Arnaldo Antunes, que deixaria o grupo algum tempo depois. Numa época em que a computação gráfica engatinhava, o cantor montou todo o título com letras recortadas de jornais e revistas - numa resenha, o Jornal do Brasil chegou a destacar o fato de que a letra "m" da capa fora tirada de sua tipologia. Arnaldo preparou seis versões até chegar ao resultado.
99. Prodigy - The Fat of the Land
Gravadora - XL Recordings
Ano - 1997
Design - Alex Jenkins
Fotografia - Konrad Wothe
A embalagem de The Fat of the Land é cheia de metáforas. Liam Howlett sempre foi zeloso com a estética do grupo: "O caranguejo representa as cores da banda, a energia, e as presas, sua força". O animal, segundo o designer Alex Jenkins, representa o medo das crianças ao pisar na praia pela primeira vez. O logotipo da banda, uma formiga, é criação do faz-tudo Howlett. "Ela é pequena e poderosa, como o Prodigy", filosofou.
98. Grace Jones - Island Life
Gravadora - Island
Ano - 1986
Design - Greg Porto
Fotografia - Jean-Paul Goude
Jean-Paul Goude, responsável também pelas capas de Nightclubbing (1981) e Slave to the Rhythm (1985), tem grande participação na construção de um dos maiores ícones dos anos 80. Alheia a gêneros e raças, Jones sempre projetou uma imagem andrógina e sobre-humana. Talvez por isso, a cantora tenha sido "adotada" por grupos gays e movimentos negros como modelo de força e sucesso.
97. Adoniran Barbosa - Adoniran Barbosa
Gravadora - EMI-Odeon
Ano - 1980
Design - Não creditado
A capa prateada de Adoniran, em forma de convite, embala um dos primeiros "discos de projeto" de uma gravadora, com convidados - Djavan, Elis Regina, Roberto Ribeiro etc. Não há créditos para o designer. "Acho difícil o Adoniran ter participado da confecção da capa", conta Maria Helena Rubinato, filha do grande sambista. "Pode, se tanto, ter aprovado. As gravadoras não davam essa folga para os seus contratados."
96. Raimundos - Só no Forévis
Gravadora - WEA
Ano - 1999
Design - Luiz Stein
Fotografia - Adriana Pittigliani
A idéia aqui foi flagrar os Raimundos numa caricatura dos pagodeiros de butique, que dominavam as rádios na época. Os "rivais" também são satirizados na faixa "A Mais Pedida": "Meu cabelo é ruim/ mas meu terno é de linho/ vou ser seu Salgadinho/ você vai gostar de mim". A traquinagem ajudou que Só no Forévis se tornasse o disco mais popular da carreira do barulhento grupo brasiliense.
95. Debbie Harry - Kookoo
Gravadora - Chrysalis
Ano - 1981
Design - Peter Wagg
Ilustração - H.R. Giger
É H.R. Giger, o pai do monstrengo de Alien, quem assina a arte do primeiro disco da carreira-solo da ex-vocalista do Blondie. Segundo o artista, a idéia de transpassar o rosto de Debbie com agulhas surgiu após a primeira sessão de acupuntura a que ele se submeteu. É de Giger também capas como Brain Salad Surgery (1973), do trio Emerson Lake & Palmer, e Danzig III- How the Gods Kill (1992), do baixinho Danzig.
94. Simon & Garfunkel - Bookends
Gravadora - Columbia
Ano - 1968
Fotografia - Richard Avedon
Paul Simon e Art Garfunkel eram os garotos-propaganda do pop sensível dos anos 60. Por isso, a capa de Bookends, lançado em 1968, até parece coisa de grupo indie dos anos 80 e 90. O evocativo retrato em preto e branco foi tirado num estúdio de Nova York por Richard Avedon, um dos fotógrafos mais famosos (e caros) dos anos 60. Simon, que circulava pelo circuito de arte de Manhattan, conseguiu que ele topasse a proposta na hora.
AS HOMENAGENS
KRUDER & DORFMEISTER, 1996
JAZZYFATNASTEES, 2002
93. Björk - Homogenic
Gravadora - Elektra
Ano - 1997
Design - Alexander McQueen
Fotógrafo - Nick Knight
Estamos diante de uma espécie de gueixa futurista, criação do estilista britânico Alexander McQueen "incorporada" pela própria Björk. Nick Knight é especialista em desafiar as noções tradicionais de beleza. Não à toa, fez carreira em editoriais de moda de revistas como Vogue, Dazed and Confused e outras publicações com um pé na vanguarda estética.
92. João Gilberto - João Gilberto
Gravadora - Odeon
Ano - 1961
Fotografia - Francisco Pereira
Hoje, João Gilberto é conhecido pelo humor instável. Mas, há longínquos 40 anos, chegava até a despertar suspiros dos corações femininos. Aquela mistura de intelectualidade e suavidade capturava a imaginação do público. Com isso em mente, o fotógrafo Francisco Pereira extraiu um dos retratos mais significativos dele. De perfil, pensativo e com a mão no queixo, quem sabe não passasse por ídolo para o público adolescente?
91. Prince - Lovesexy
Gravadora - Paisley Park
Ano - 1988
Fotografia - Jean-Baptiste Mondino
Depois de uma fase introspectiva, Prince voltava a exalar sexualidade nas canções de Lovesexy. O título era a única pista que o fotógrafo francês Jean-Baptiste Mondino tinha para criar o conceito da capa. O artista - que ainda não era conhecido como "O Artista" - não sabia como seriam as fotos, mas aceitou quando Mondino sugeriu o nu. Repare bem na flor em formato fálico, à esquerda do cantor...
90. Planet Hemp - Os Cães Ladram mas a Caravana Não Pára
Gravadora - Chaos/ Sony
Ano - 1997
Design - Muti Randolph
A perseguição que o Planet Hemp sofreu por cantar a legalização da maconha está estampada na capa do segundo disco. O vocalista BNegão diz que a carranca (digitalmente construída) "representa a truculência e o pensamento obtuso das autoridades do país em relação ao tema abordado pela banda".
89. Caetano Veloso - Jóia
Gravadora - Philips
Ano - 1975
design - Caetano Veloso e Aldo Luiz
Fotógrafo - João Castrioto
Por causa da capa de Jóia, Caetano Veloso foi indiciado por atentado à moral e um juiz chegou ao cúmulo de sugerir a cassação do pátrio poder do cantor - que aparecia com a então esposa Dedé e o filhinho Moreno, todos nus. A capa foi reeditada só com o pássaro que cobria o púbis de Caetano, desenho feito por Aldo Luiz justamente para evitar dores de cabeça com a Justiça. A ilustração original só seria resgatada anos depois, nas edições lançadas em vinil e em compact disc.
88. Martinho da Vila - Rosa do Povo
Gravadora - RCA
Ano - 1976
Design - Não creditado
Ilustração - Elifas Andreato
O disco é uma homenagem ao poeta Carlos Drummond de Andrade, que, em 1945, lançara o livro homônimo, denunciando a opressão social que a ascensão do nazifascismo trouxera. Da mesma forma, na ilustração de Elifas Andreato, os pés descalços sobre o chão, presos por uma rosa com espinhos, remetem claramente àqueles tempos em que a ditadura militar sufocava a liberdade da arte popular.
87. Stan Getz e João Gilberto - Getz/Gilberto
Gravadora - Verve
Ano - 1963
Design - Lili Picou
Ilustração - Olga Albizu
Nascida em Porto Rico em 1924, Olga Albizu foi uma importante pintora abstrata dos anos 50 e 60. Suas obras eram exibidas em galerias de arte do mundo todo, mas ela nunca deve ter imaginado que um de seus trabalhos enfeitaria a capa de um LP. A contracapa também é célebre: traz uma foto de Stan Getz, João Gilberto e Tom Jobim em plena ação. O clique foi do americano/brasileiro David Drew Zingg.
86. Caetano Veloso - Caetano Veloso
Gravadora - Philips
Ano - 1968
Ilustração - Rogério Duarte
Fotografia - David Drew ZingG
O artista gráfico e poeta Rogério Duarte, autor da capa de Caetano Veloso, também trabalhou com Gilberto Gil (Gilberto Gil, de 1969) na sua fase tropicalista. Depois de anos afastado da função e meio esquecido, voltou à ativa chamado pelos Titãs (Como Estão Vocês?, de 2003), confirmando que seu estilo atravessou o tempo e os diferentes estilos musicais. David Drew Zingg, que fez a fotografia de Caetano Veloso mostrada no "porta-retratos", foi uma figura lendária e querida no meio cultural do país. É o mesmo profissional que clicaria a célebre e polêmica imagem da atriz Leila Diniz grávida e nua. Na contracapa do álbum, ao final de um texto escrito à mão (e feito às pressas), Caetano estreava em público sua famosa assinatura, que apareceria de novo, e em destaque, na capa de seu "álbum branco", lançado em 1969.
85. Gilberto Gil - Expresso 2222
Gravadora - Phonogram
Ano - 1972
Design - Edinízio Primo e Aldo Luiz
Fotografia - Edson Santos e Eduardo Clark
O primeiro disco de Gilberto Gil após voltar do exílio - cuja arte original foi mutilada nas reedições em vinil e posteriormente "adaptada" para CD - trazia, na capa, duas folhas redondas dobráveis, que se abriam como um porta-retratos (veja boxe na pág. 25). Na frente, o filho do cantor, Pedro Gil (morto num acidente de automóvel em 1990), e, na contracapa, fotos dos membros de sua banda.
84. Walter Wanderley - O Toque Inconfundível de Walter Wanderley
Gravadora - Philips
Ano - 1964
Design - Paulo Brèves
Na capa, de Paulo Brèves, a impressão das mãos do organista imortaliza a habilidade daquele que foi um dos maiores instrumentistas do Brasil. As palmas simbolizam a trajetória do músico pernambucano, que veio para São Paulo no final dos anos 50 para tocar em bares e casas noturnas e acabou acompanhando renomados artistas, como João Gilberto e Doris Monteiro, e se tornou cult em todo o mundo.
83. Akira S & As Garotas Que Erraram - Akira S & As Garotas Que Erraram
Gravadora - Baratos Afins
Ano - 1987
Design - Fernando Zarif, P. Antunes, Akira S
Fotografia - Rui Mendes
Fernando Zarif e a banda decidiram inovar na capa, desde a inédita numeração das 2 mil cópias, uma a uma, até a forma de concepção. Num período de escassez de papel, a Baratos Afins bancou a embalagem em que apenas uma lâmina de papel foi usada, sobreposta por um plástico, o que dobrou o custo. A polaroid da capa foi riscada com a unha durante a revelação, dando o efeito de derretimento.
82. BJÖRK - Vespertine
Gravadora - Elektra
Ano - 2001
Fotografia - Inez Van Lamsweerde e Vinoodh Matadin
Vespertine foi gravado durante um outono na Islândia - terra natal de Björk - e traz à tona o lado mais introspectivo da cantora. A foto de capa captura um pouco dessa intimidade. O casal holandês responsável por ela também é conhecido por seus trabalhos com imagens sobrepostas exibidos em outdoors e revistas. Apesar do aspecto glacial-freek, as fotos foram tiradas na calorenta Los Angeles (EUA), em abril de 2001.
81. Led Zeppelin - Houses of the Holy
Gravadora - Atlantic
Ano - 1973
Design - Hipgnosis
Fotografia - Hipgnosis
Aubrey Powell e Storm Thorgerson, parceiros do estúdio Hipgnosis, apresentaram duas idéias para a capa de Houses of the Holy. A primeira deveria mostrar uma colina no Peru. A segunda foi inspirada no livro Childhood’s End. Com os custos bancados pelo empresário da banda, a equipe preferiu levar duas crianças para Giant’s Causeway, uma formação rochosa na visinha Irlanda. Elas acabaram se "multiplicando" para as diversas poses exibidas na capa. Por causa da chuva, tudo foi fotografado em preto e branco. Depois, as fotos foram pintadas à mão pelos designers e um (feliz) erro dos artistas deu às crianças aquela sinistra coloração esbranquiçada. É a capa mais "setentista" do Zep, também famosa pela censura que sofreu.
80. Doors - Strange Days
Gravadora - Elektra
Ano - 1967
Design - William S. Harvey
Fotografia - Joel Brodsky
Jim Morrison simplesmente odiou a capa do primeiro LP do Doors. De maneira nenhuma gostaria de ver seu rosto estampado novamente em um álbum. Os anos 60 comiam solto e a psicodelia ditava a moda nas artes gráficas. Mas não era isso que a banda queria como tema de sua próxima arte. Numa reunião com o departamento de criação da Elektra, o grupo exigiu que a capa passasse uma atmosfera onírica, dando como referência os filmes do cineasta italiano Federico Fellini. O título Strange Days incorporava o cotidiano que viviam os integrantes do Doors e a indefinição estética e sonora que os acometia. Para identificar o grupo e o título do álbum, por exigência da gravadora, foram utilizados apenas dois pôsteres, no estilo dos lambe-lambes, no fundo da enigmática imagem.
79. Paulinho da Viola - Nervos de Aço
Gravadora - EMI-Odeon
Ano - 1973
Ilustração - Elifas Andreato
Nas palavras do artista gráfico Elifas Andreato: "A partir de Nervos de Aço, as capas de disco se tornaram espaço de arte no Brasil". A angustiante imagem do músico aos prantos com um buquê nas mãos foi criada após uma noite em que ele e o pintor se encontraram - e Paulinho da Viola tocou a canção de Lupicínio Rodrigues que dá nome ao álbum. O violonista vivia um drama pessoal - estava se separando da esposa - e Elifas decidiu representar esse momento doloroso na capa do disco. "Depois que ele me falou do disco, notei que estava com os olhos vermelhos e mareados", conta o ilustrador. Agumas críticas apareceram, reclamando da exposição desnecessária da intimidade do artista. Mas Paulinho e Elifas continuaram trabalhando juntos, numa das mais duradouras parcerias entre músico e artista gráfico do Brasil.
78. Elvis Presley - 50,000,000 Elvis Fans Can’t be Wrong
Gravadora - RCA-Victor
Ano - 1960
Design - Colonel Tom Parker
Fotografia - Robertson e Fresh
Você já viu esta capa antes. Ela foi tão parodiada e imitada que se tornou um marco pop involuntário. Em 1957, Elvis Presley tinha mandado fazer um terno dourado sob medida. Mas, depois de se apresentar com ele algumas vezes, o Rei o colocou de vez no armário, já que era muito pesado e incômodo. Antes disso, tirou algumas fotos promocionais, que a princípio não deveriam ser utilizadas. Quando Golden Records saiu, Elvis estava no Exército e a RCA, sem nada novo para usar, "inventou" a capa, multiplicando a mesma pose de Elvis para ocupar espaço.
77. Led Zeppelin - (Sem título)
Gravadora - Atlantic
Ano - 1969
Design - George Hardie
Foi com seu quarto álbum, totalmente sem identificação (mas chamado de Led Zeppelin IV e apelidado de Zo-So), que o quarteto chegou ao auge de sua fase mística. A enigmática capa mostra um velhinho carregando vários galhos amontoados. Na verdade, a imagem é uma pintura que está pendurada na parede de uma casa que está desmoronando. Para descobrir, você tem que olhar o encarte e a capa interna. E o disco ficou lembrado por seus quatro símbolos, que são runas nórdicas. A pena do centro é o símbolo de Robert Plant e foi retirada da civilização Mu, que existiu há cerca de 15 mil anos. O símbolo de John Bonham são três círculos que se entrelaçam. O de John Paul Jones são três objetos ovais ligados a um círculo. A tal palavra Zo-So, marca de Jimmy Page, até hoje é objeto de debate. Mas provavelmente ninguém vai saber a verdade, já que ele não abre o jogo.
76. A Tribe Called Quest - The Low End Theory
Gravadora - Jive
Ano - 1991
Design - Zombart JK
Fotografia - Joe Grant
The Low End Theory é considerado pela crítica dos Estados Unidos um dos melhores e mais inteligentes álbuns de hip-hop de todos os tempos. Destacou-se por misturar uma pegada "jazzy" e inaugurar o gênero que passou a ser conhecido como rap alternativo. Este é o segundo álbum do trio americano A Tribe Called Quest, que inovou ao abandonar a postura agressiva típica dos rappers do início dos anos 90 e ao se preocupar mais com as letras e a melodia de suas músicas. Quem assina a arte da capa é o design Zombart JK, que no mesmo ano trabalhou em mais um lançamento da gravadora Jive, Homebase, de DJ Jazzy Jeff & the Fresh Prince (o ator Will Smith). Já o fotógrafo Joe Grant é responsável também pela capa de Daddy´s Little Girl (1991), de Nikki D, entre outros trabalhos menos conhecidos.
75. 13th Floor Elevators - The Psychedelic Sounds of The 13th Floor Elevators
Gravadora - International Artists
Ano - 1967
Ilustração - John Cleveland
Com um vocalista que (dizem) ingeriu mais de 300 pastilhas de LSD, o 13th Floor Elevators só podia mesmo querer os prazeres da vida e da obra lisérgica. Formado em Austin (Texas), o grupo do cantor Roky Erickson estava a milhas da capital do flower power, mas, surgido antes do Grateful Dead, foi adotado pelos hippies que fritavam o cérebro em São Francisco. Para a capa do álbum de estréia, de 1966, a banda queria algo ousado, no estilo dos cartazes de shows que artistas como Wes Wilson e Rick Griffin produziam. Foi então que Clementine, esposa do percussionista Tommy Hall, lembrou de John Cleveland, seu colega na Universidade do Texas. O designer optou por uma capa cheia de signos, cores contrastantes para corresponder ao nome esperto do grupo: por superstição, o décimo terceiro andar não existe em diversos prédios dos EUA.
74. Novos Baianos - Acabou Chorare
Gravadora - Som Livre
Ano - 1972
Design e fotográfia - Antônio Luís Martins
Quando o grupo estava para soltar Acabou Chorare, eles queriam mostrar um pouco de sua vida comunitária. Assim, a capa destacava os dejetos de uma espartana refeição, exibindo copos, pratos, talheres ao lado de alguns mantimentos. A montagem concebida e executada por Antônio Luís Martins captura o espírito de ingenuidade de 30 anos atrás. A Som Livre não economizou na parte gráfica de seu primeiro grande lançamento. A primeira edição vinha com um livro de oito páginas, com fotos feitas por Joel Cocchiaro. Nelas, Baby, Pepeu, Paulinho Boca de Cantor, Luiz Galvão e (muitos) agregados são os próprios hippies made in Brazil, barbudos, cabeludos e carnavalescos.
73. Howlin’ Wolf - The London Sessions
Gravadora - Chess
Ano - 1971
Ilustração - Don Wilson
Howlin’ Wolf foi um dos maiores - literalmente - blueseiros americanos. Com mais de 1,80 metro e cerca de 150 quilos, preenchia os palcos como nenhum outro. O disco The London Howlin’ Wolf Sessions faz parte de uma série criada pela Chess Records cuja característica era gravar ícones do blues acompanhados por grandes músicos britânicos - Wolf toca com fãs como Charlie Watts e Bill Wyman (dos Rolling Stones), Eric Clapton e Steve Winwood. As ilustrações de todas as capas são assinadas por Don Wilson e trazem cenas dos músicos americanos na capital inglesa. Vartan, que trabalhou também com a gravadora Motown, cuidou da direção de arte no relançamento do disco em CD. Ele foi responsável ainda pela criação de capas de grandes nomes do blues, do rock’n’roll e do R&B, como B.B. King, James Brown, Marvin Gaye, The Who, Alice Cooper, The Police e outros.
72. Robert Johnson - The King of the Delta Blues Singers
Gravadora - Columbia
Ano - 1966
Ilustração - Burt Goldblatt
O bluesman Robert Johnson é uma figura um tanto misteriosa - conhecem-se poucas fotos dele, a maioria já utilizada largamente pela imprensa. O álbum The King of the Delta Blues Singers, compilação dos 78 rpm lançados por Johnson entre 1936 e 1937, já ganhou diversas capas - numa das mais conhecidas, uma pintura mostra o bluesman gravando e, em outra sala, dois técnicos registrando a sessão com um gravador de rolo. A edição original, de 1966, foi desenhada por Burt Goldblatt, que fizera quase 3 mil capas de discos de jazz (entre eles álbuns de Billie Holiday e Duke Ellington) e fora diretor de arte do selo Bethlehem Records. A capa de Johnson seguia o estilo habitual de Goldblatt, que buscava sempre perspectivas originais ao retratar artistas e costumava eliminar excessos comuns aos discos da época - como a presença dos nomes das músicas na capa.
71. U2 - War
Gravadora - Island
Ano - 1983
Design - Steve Averill
Fotografia - Ian Finlay
O terceiro álbum do quarteto de Dublin arrombava a porta que separa os meninos dos adultos. O mesmo garoto fotografado no primeiro disco da banda (Boy), Peter Rowen, estava de volta três anos depois. Era como se a banda retratasse a perda da inocência e a evolução musical e temática de Bono e cia. em canções como "Sunday Bloody Sunday" e "New Year’s Day". Com War, o U2 foi lançado para as paradas americanas e abriu sua trincheira na história do rock. O lábio rasgado de Rowen suscitou rumores de que alguém o teria socado para tornar a capa mais real. Bobagem. O garoto estamparia a capa da coletânea The Best of 1980-1990, 15 anos depois, com foto tirada da mesma sessão de War. No encarte, as imagens da banda foram clicadas por Anton Corbijn, que colaboraria em outras capas clássicas, como Joshua Tree.
O ANTES E O DEPOIS
BOY, 1980
THE BEST OF, 1998
70. Dorival Caymmi - Canções Praieiras
Gravadora - Odeon
Ano - 1954
Ilustração - Dorival Caymmi
As músicas de Caymmi ajudaram a construir a imagem da tranquilidade baiana. Contam as histórias de gente com trajetórias, ainda que sofridas, cheias de poesia. Se de um lado o músico retrata isso em palavras e sons, de outro conta com a pintura para se expressar. Caymmi arrisca-se no pincel desde os 11 anos de idade e exibe em seus quadros a óleo um fino sentido plástico. Hoje, tornou-se um "pintor de domingo", mas além de Canções Praieiras, pintou a capa de Caymmi (1972) e a tela que inspirou a caixa Caymmi Amor e o Mar (2001). A neta Stella Caymmi (autora da biografia O Mar e o Tempo) lembra-se de ver o avô pintando na casa em Rio das Ostras (RJ). Mas apesar de pincéis e tintas estarem presente na vida do músico, a pintura nunca foi vista como atividade profissional, ainda que ele tenha realizado uma exposição durante a década de 70.
69. Red Hot Chili Peppers - Blood Sugar Sex Magic
Gravadora - Warner
Ano - 1991
Fotografia - Gus Van sant
Ilustração - Henky Penky
O cineasta americano Gus Van Sant, bastante conhecido no circuito underground, é responsável pelas fotos do álbum que levou o funk-metal às rádios do planeta. Mas a parceria entre Gus e o Red Hot Chili Peppers vai além de Blood Sugar Sex Magic. Ele cuidou também da direção de fotografia do DVD Funky Monks, lançado em 1991. A relação entre a os Chili Peppers e o cinema foi em muito criada pelo baixista Flea, que, além da música, tem na sétima arte outra de suas paixões. Participou das partes 2 e 3 de De Volta Para o Futuro e, em 1991, atuou com River Phoenix em Garotos de Programa, do próprio Van Sant. A ilustração das rosas e das línguas dos integrantes do grupo, com desenhos tribais, foi criada por Henky Penky, responsável pela maioria das tatuagens de Anthony Kiedis, incluindo o famoso símbolo da banda em seu pulso, que aparece na contracapa.
68. João Donato & Seu Trio - Muito à Vontade
Gravadora - Polydor
Ano - 1963
Design - Paulo BrÈves
Gravado na época em que João Donato já era um artista internacional (morava desde 1959 entre os EUA e o México), Muito à Vontade foi finalizado quase ao mesmo tempo que seu subseqüente, A Bossa Muito Moderna de Donato & Seu Trio (1963), para aproveitar a passagem do músico pelo Brasil. Justamente por estar aqui de passagem, ele não teve muita participação na concepção da capa, feita pelo desenhista Paulo Brèves. "Esse disco vendeu bem por causa da capa, que é bem bonita. Mas isso de me colocarem de perna cruzadas, tocando piano... Sei lá. Foi uma visão que o desenhista teve de mim", esquiva-se João Donato. E ele ainda brinca: "Esse negócio de capa bonita funciona mesmo! Já teve disco que eu comprei só por causa da arte da capa, nem conhecia o artista". E ele nunca se arrependeu: "Se a música fosse ruim, pelo menos podia pendurar a capa na parede!".
67. Thelonious Monk Septet - Monk’s Music
Gravadora - Riverside
Ano - 1957
Design - Paul Bacon
Fotografia - Paul Weller
Nos anos 40 e 50, como hoje, não era comum que artistas de jazz aparecessem na televisão - justamente por isso, as capas dos álbuns tinham de mostrar um pouco do que o consumidor iria presenciar caso fosse a um show do artista. Quem visse o pianista Thelonious Monk na capa de seu Monk’s Music, montado num carrinho, já sabia o que encontraria em uma das apresentações do jazzista, considerado tão excêntrico quanto inovador. O designer da capa, Paul Bacon, fez vários trabalhos para gravadoras como Riverside e Blue Note e também teve, ele mesmo, uma carreira de jazzista nos anos 40. A foto foi clicada por um xará do vocalista do Jam, Paul Weller. No recheio do álbum, Monk manda bala em um de seus melhores momentos acompanhado por músicos como John Coltrane e Ray Copeland.
66. PIL - Metal Box
Gravadora - Virgin
Ano - 1979
Design - Charles Dimont
Para seu segundo álbum, o Public Image Limited queria algo bem distinto. John Lydon a princípio considerou em vender o disco numa embalagem parecida com uma lata de sardinha - só que sem a chave. Ou então uma capa-lixa que estragasse os outros álbuns da coleção dos seus pobres fãs. No final, acabaram fechando com uma lata redonda, semelhantes às que são fabricadas para guardar rolos de filme. O produto, chamado Metal Box, teve o design de Charles Dimont. Dentro da lata, três discos de 12 polegadas, que tocavam em 45 rotações para dar mais ganho ao baixo e bateria. Para confundir ainda mais, não havia relação de faixas. Obviamente, o custo de fabricação foi enorme. Uma dor de cabeça para a Virgin. Mas, segundo o guitarrista Keith Levene, toda a confusão valeu a pena. "Demos boas gargalhadas às custas da gravadora." Nos Estados Unidos, o bom senso falou mais alto e o disco saiu como um álbum duplo normal.
65. Clash - Give’em Enough Rope
Gravadora - Epic
Ano - 1978
Ilustração - Gene Grief
A capa deste álbum tem duas versões: a original, inglesa, com letras imitando ideogramas chineses, e a americana, com grafia convencional. A ilustração é a mesma: um espectador (de traços asiáticos) monta seu cavalo, apático, enquanto corvos devoram pedaços de um cadáver. É, claro, uma referência ao regime ditatorial da China comunista, à repressão e ao fim das liberdades individuais. Atrás, um Exército marchando. Obviamente, causou polêmica quando chegou às lojas. Antes mesmo de criar a capa de Give’ em Enough Rope, o idealizador, Gene Grief, já era respeitado por suas ilustrações e colagens em discos lançados pela CBS, onde trabalhou de 1977 a 1980. Mas foi após a parceria com o The Clash que ganhou o respeito de bandas punks e ajudou a instituir um design mais agressivo nas ilustrações de capas de LPs do estilo.
64. Beatles - The Beatles
Gravadora - Apple
Ano - 1968
Design - Richard Hamilton
Depois da revolução causada pela capa do Sgt. Pepper (que contou até com um marchand, Robert Fraser), em 1967, os Beatles gostaram da idéia de transformar seus discos em objetos de arte. Para o álbum seguinte, um álbum duplo sem nome, Fraser sugeriu o inventor da pop art, Richard Hamilton. Na primeira reunião, o pintor defendeu que o ideal seria inverter a expectativa criada pela profusão de informações de Sgt. Pepper com uma arte clean. Totalmente clean. Numa idéia genuinamente pop, Hamilton queria revestir o disco da sensação de que aquilo era um trabalho em tiragem limitada, com direito até a numeração. Com sua capa dupla completamente branca, com o nome da banda em alto-relevo em tipologia banal e uma numeração tímida ao lado, o disco acabou conhecido como Álbum Branco e se tornou um dos mais radicais (e, paradoxalmente, populares) experimentos da pop art desde sempre.
63. Sepultura - Roots
Gravadora - Roadrunner
Ano - 1996
Design - Laura Michaels e Bryan Thatcher
Ilustração - Michael R. Whelan
A partir da ilustração de uma velha nota de 1000 cruzeiros, a capa de Roots retrata a incursão da banda nas raízes de seu país. Mais uma vez, o ilustrador Michael R. Whelan - que a banda nunca conheceu pessoalmente - foi chamado. Ele já havia concebido as capas de Beneath the Remains, Arise e Chaos A.D. "Michael respeitou a ilustração, incorporando as raízes e a cor urucum, ligada aos xavantes", conta o guitarrista Andreas Kisser. A mistura de metal e ritmos brasileiros firmou definitivamente o nome do Sepultura. Roots, a última participação do vocalista Max Cavalera com o grupo, seria também a última contribuição de Whelan com os bangers mineiros.
62. Dead Kennedys - Frankenchrist
Gravadora - Alternative Tentacles
Ano - 1985
Design - Jello Biafra
Fotografia - Lester Sloan (Newsweek)
Certo dia, o vocalista Jello Biafra recebeu um cartão-postal mostrando a cabeça do falecido presidente John Kennedy explodindo. Junto, a mensagem: "Se você quiser mais, dê um retorno". Era assinado por Winston Smith. Assim começou o relacionamento profissional entre o líder do Dead Kennedys e o bizarro artista, que havia se especializado em colagens e montagens anticonformistas. Em 1981, ele causou controvérsia com a capa de In God We Trust Inc., que tinha um crucifixo envolto em notas de dólares. Depois de um hiato de três anos, o Dead Kennedys voltou em 1985 com Frankenchrist, uma poderosa diatribe contra a classe média americana, atacando machistas, caipiras, políticos e toda sorte de conservadores. O fiel mentor visual Smith estava por perto quando Biafra comissionou a capa. E que diabos é aquilo? A foto original é de Lester Sloan, da revista Newsweek. O fato de ter sido feita a sério só a torna mais ridícula. Vários típicos cidadãos de classe média desfilam em carrinhos de miniatura, em uma das inacreditáveis paradas americanas. Prato cheio para Winston satirizar a vida americana. Contudo, o que incomodou as autoridades do país foi o pôster do encarte, assinado por H.R. Giger, de Alien. Intitulada Landscape XX, a ilustração de uma bizarra engrenagem feita de diversos pênis e anus rendeu um processo contra a banda, que foi acusada de vender pornografia para menores de idade. Os músicos nunca se recuperaram completamente do baque e resolveram dissolver os Dead Kennedys logo depois.
61. Jesus & Mary Chain - Psychocandy
Gravadora - Blanco Y Negro
Ano - 1985
Fotografia - Stuart Cassidy e Rona McIntosh, entre outros
O álbum de estréia do Jesus & Mary Chain saíra depois do lançamento de quatro singles com alguma repercussão - entre eles, o da balada ruidosa "Just Like Honey". O cenário do clipe dessa faixa, dirigido por Tim Broad, acabou servindo de base para a arte da capa de Psychocandy, na qual figurava apenas a metade mais criativa da banda, os irmãos Jim e William Reid. Não há créditos para o criador da capa. Há apenas os nomes de seis fotógrafos - entre eles Chris Clunn, que clicou vários artistas para o semanário New Musical Express e responsabilizou-se por capas do selo de jazz Blue Note. No encarte, ao lado de várias fotos da banda, aparecia uma prática que se tornaria comum entre bandas alternativas e que, anos mais tarde, seria adotada pelo Pearl Jam: as letras das músicas apareciam rascunhadas à mão e escritas pela metade, na mais completa desordem. Ah, o desleixo indie...
60. John Lennon e Yoko Ono - Two Virgins: Unfinished Music Vol. 1
Gravadora - Apple
Ano - 1968
Design - John Lennon e Yoko Ono
Fotografia - John Lennon
Depois de curtir um amor platônico, John e Yoko finalmente tiveram chance para uma noitada quando Cynthia, então esposa do Beatle, foi viajar. Segundo John, os dois imediatamente tiraram a roupa e transaram furiosamente. Em seguida, John pegou a guitarra e um gravador e os dois improvisaram um monte de coisas sem sentido. O Beatle ajeitou sua câmara automática, clicou ele e Yoko ainda nus, frente e verso, e ainda achou que aquela noite deveria ser compartilhada com o público. Two Virgins... já era bastante difícil de ouvir, mas a capa então era, digamos... inusitada. A EMI rejeitou os nudistas. Sir Joseph Lockwood, chefão da gravadora, pelo menos teve presença de espírito: "Se alguém tem de aparecer nu, por que não o Paul? Ele é mais bonito". O disco acabou sendo distribuído pela Island, numa embalagem marrom que só exibia os rostos de John e Yoko.
59. New Order - Power, Corruption and Lies
Gravadora - Factory
Ano - 983
Design - Peter Saville
Ilustração - Henri Fanti-Latour
É o disco que flagra o New Order conseguindo, de finitivamente, varrer as cinzas do Joy Division e de seu líder Ian Curtis. Novamente, os dotes de Peter Saville foram requisitados. O artista, que assinou capas de gente como Roxy Music, Suede e Paul McCartney, novamente mostrava sua genialidade. Uma pintura de Henry Fanti-Latour do século 19 foi escolhida por meio de um cartão-postal e resgatada da Galeria Nacional em Londres. Como disse o baixista Peter Hook "é uma mistura de romantismo e nostalgia com uma dose de novidade". No canto superior, vê-se um código de cores que representa o nome da banda e do disco. Saville, que já havia usado a senha no single de "Blue Monday", pensou que ninguém conseguiria quebrar o código, mas logo após o lançamento cartas foram enviadas para o jornal New Musical Express desvendando o segredo.
58. Johnny Alf - Eu e a Brisa
Gravadora - Mocambo
Ano - 1965
Fotografia - Roberto Corte Real
Há quem considere Chega de Saudade (1958), de João Gilberto, como o disco que lançou a bossa nova, mas há controvérsias. Johnny Alf, de três anos antes, também é cotado como o pai do estilo que veio "modernizar" a música nacional, quando já não havia mais espaço para viola, bandolim e cavaquinho em tudo. A música de Johnny Alf veio para dar as novas diretrizes. Com o fim da Segunda Guerra, o mundo todo vivia em clima de euforia e pedia uma música mais calma, que evocasse paz e amor. Eu e a Brisa foi lançado originalmente sem título e publicado anos depois com o clássico dando nome ao álbum. A foto de capa foi tirada por Roberto Corte Real, irmão do humorista Renato. A rua feita de paralelepípedos com clima interiorano é a hoje pavimentada - e movimentada - Cardeal Arcoverde, no bairro boêmio de Vila Madalena, em São Paulo.
57. Blitz - As Aventuras da Blitz
Gravadora - EMI-Odeon
Ano - 1982
Design - Luiz Stein, Gringo Cardia e Cafi
O projeto gráfico do disco de estréia da Blitz era inovador. O layout frontal lembrava uma capa de revista em quadrinhos. A contracapa e o encarte eram repletos de pequenas imagens, retiradas de gibis antigos. A primeira tiragem (300 mil cópias) veio com um vale-revista que seria trocado algum tempo depois pela quadrinização do hit "Você Não Soube Me Amar". "Nunca tínhamos feito capa de disco, mas era um trabalho em cima das HQs", lembra o designer Luiz Stein, que realizou tudo ao lado do também designer Gringo Cardia, com quem mantinha o estúdio A Bela Arte, e do fotógrafo Cafi. "Tiramos as imagens do encarte de revistas antigas e ampliamos em fotocópias para poder retocar. Na época, não havia os recursos de hoje. Foram seis meses fazendo essa capa, até porque a gravadora queria que o single "Você Não Soube Me Amar’ continuasse vendendo".
56. Caetano Veloso - Transa
Gravadora - Famous
Ano - 1971
Design - Álvaro Guimarães e Aldo Luiz
Fotografia - Deca, r. Lisboa e JucA Gonçalves
O segundo disco londrino de Caetano, nas palavras de Aldo Luiz, então diretor de arte da Philips (hoje Universal), "é fruto de uma época em que a arte da capa de disco estava muito valorizada". O trabalho, que ficou simplificado nas reedições em vinil e em CD, era magistral na primeira edição do álbum (veja boxe na pág. ao lado) com várias aberturas que formavam um triângulo "interativo". O criador do projeto foi o cineasta Álvaro Guimarães, velho amigo de Caetano que, nos anos 60, deu o tiro inicial para que o baiano iniciasse sua carreira de músico. Já a falta de créditos na contracapa, que Caetano atribuiu ao próprio Álvaro ("como é que ele bota essa bobagem de dobra e desdobra e não bota a ficha técnica?", reclamou), criou uma rusga entre tropicalistas: Jards Macalé, que dirigia a banda do cantor e fez os arranjos, está rompido até hoje com Caetano por causa disso.
55. Rolling Stones - Tattoo You
Gravadora - Rolling Stones Records
Ano - 1981
Design - Peter Corriston
Assim como os dois antecessores (Some Girls, de 1978, e Emotional Rescue, de 1980), Tattoo You teve a capa cuidada pelo inglês Peter Corriston, conhecido por sua pop art inovadora do final dos anos 70. Mas, diferentemente de Some Girls, que foi criticada por trazer colagens de fotos de algumas celebridades em anúncios de lingeries - muitas tiveram de ser retiradas sob protestos porque se sentiram ofendidas ou lesadas por não receberem pelo uso de imagem -, Tattoo You foi aclamada e recebeu o Grammy de Melhor Capa de Disco de 1982. A contracapa segue a idéia e exibe o rosto de Keith Richards completamente tatuado. Corriston também é autor da arte de Undercover, lançado em 1983. Sua arte pode ser vista ainda nos álbuns Physical Graffiti (1975), do Led Zeppelin, e The Leprechaun (1975) e My Spanish Heart (1976), de Chick Corea.
54. Mutantes - A Divina Comédia ou Ando Meio Desligado
Gravadora - Polydor
Ano - 1970
Design - Mutantes e Cláudio César Baptista
Fotografia - Cenyra Arruda
Produção caprichada: para a capa do terceiro disco, Rita Lee, Arnaldo Baptista e Sérgio Dias cavaram um buraco de 2 metros no quintal da casa da família dos rapazes, o iluminaram com uma fogueira e fizeram uma "lápide" de isopor para que Arnaldo parecesse realmente estar saindo de uma sepultura - Rita e Sérgio, que o observavam, "vestiam" colchas de chenile. A foto reproduzia uma gravura de Gustavo Doré para o livro A Divina Comédia, de Dante Alighieri. Já a contracapa, clicada no quarto dos pais de Arnaldo e Sérgio, deu problemas: dona Clarisse, mãe dos moços, ligou furiosa para a família de Rita quando viu o trio seminu em sua cama. Ambas as fotos foram tiradas por Cenyra Arruda, conhecida fotógrafa pop da época que depois se tornaria famosa como a jurada "rouquinha" do Troféu Imprensa, de Silvio Santos.
53. Bezerra da Silva - Eu Não Sou Santo
Gravadora - BMG
Ano - 1990
Design - André Teixeira e Wilton Montenegro
Fotografia - Wilton Montenegro
O layout deste disco foi fruto de longas conversas entre Bezerra da Silva, o designer André Teixeira (também diretor de arte) e o fotógrafo Wilton Montenegro. A figura do Bezerra pendurada na cruz, segurando duas armas, fora inspirada numa notícia tirada das páginas policiais: um rapaz, suspeito de um crime, havia sido crucificado por populares na avenida Brasil, no Rio de Janeiro. "Na época, fazia sentido essa coisa do bandido como o Robin Hood, algo que não existe mais hoje em dia, com tanto poder das drogas e da violência", acredita Wilton. "O Bezerra tinha essa preocupação social em seu trabalho e procuramos respeitar o universo dele." A foto do sambista, que gerou bastante controvérsia na época, foi feita em estúdio e montada sobre outra imagem, também de Montenegro, que mostrava um panorama da Favela do Escondidinho, no bairro carioca de São Cristóvão.
52. Echo & The Bunnymen - Heaven Up Here
Gravadora - Sire
Ano - 1981
Design - Martyn Atkins
Fotografia - Brian Griffin
A arte bolada pelo inglês Brian Griffin para Heaven Up Here não poderia ser mais literal. Além do céu sobre a cabeça de Ian McCulloch (abaixo) e seus comparsas de Liverpool, o cair da noite fria no litoral evoca a mesma atmosfera das canções do disco, considerado o mais obscuro e experimental da carreira do Echo & The Bunnymen. Brian Griffin está entre os mais populares fotógrafos britânicos da década de 80. Além de trabalhar com o Echo em sua estréia, Crocodiles (1980), e acompanhar a banda nos discos posteriores (Porcupine, 1983, e Ocean Rain, 1984), Griffin assinou capas do Depeche Mode (Speak and Spell, 1981; A Broken Frame, 1982; Construction Time Again, 1983; Some Great Reward, 1984; e Black Celebration, 1986), Dire Straits (Making Movies, 1980), Billy Idol (Rebel Yell, 1983) e outros. Não menos popular na música inglesa, o diretor de arte Martyn Atkins também trabalhou com o Echo nos discos Porcupine e Ocean Rain, além de dirigir DVDs para os Eagles, Hole in the World, e Tom Petty, Live at the Olympic: The Last DJ and More, em 2003.
51. Stevie Wonder - Songs in the Key of Life
Gravadora - Motown
Ano - 1976
Design - Mathieu Biton
Ilustração - Tony Warren
Songs in the Key of Life representou um momento de libertação artística para Stevie Wonder, que aproveitou a carta branca da Motown para fazer o que bem entendesse. Ainda que fosse um álbum duplo autoproduzido, trazia um livreto de 24 páginas, músicas de sete, oito minutos (algumas abordando temas sociais sem rodeios) e ainda continha um EP de brinde. Acabou se tornando um dos maiores sucessos de Wonder, cumprindo com folga a enorme expectativa que criou pelo lançamento do álbum - ele chegou a andar com uma camiseta onde se lia "estou quase terminando o disco". Tanto o trabalho gráfico (as ilustrações foram feitas por Tony Warren) quanto as músicas e o formato inovador do álbum foram marcantes para o cantor e seu público - e para a história do pop, num período em que discos com design grandiloqüente eram o padrão.
50. Miles Davis - Birth of Cool
Gravadora - Capitol
Ano - 1950
Design - Micaela Boland
Fotografia - Aram Avakian
Embora quase esquecido hoje em dia, o nova-iorquino Aram Avakiam foi um verdadeiro homem da renascença em sua época. Fotógrafo, escritor, cineasta, editor, produtor de discos, Avakiam deixou sua marca de excelência em tudo o que fez. Ele estudou em Sorbonne durante 1947/52, quando o jazz era mais popular na França do que em sua terra natal. Fanático pelo estilo, escreveu em várias revistas especializadas e se aproximou de vários músicos. Seu irmão era George Avakiam, um dos maiores produtores de jazz desde sempre. A amizade com Davis vinha desde os tempos franceses. Para ilustrar o disco resultante das sessões feitas no fim dos anos 40 e começo dos 50, foi usada uma expressiva foto em preto e branco com Miles tocando seu trompete. A capa enfatiza o nascimento de um novo estilo, realçando a palavra cool com uma tonalidade vermelha.
49. Alice Cooper - *School’s Out
Gravadora - Warner
Ano - 1972
Design - Wilkes & Braun, Inc.
Para fixar de vez a imagem de Alice Cooper no imaginário da juventude libertária da década de 70, nada mais cativante que uma carteira escolar para estampar a capa de seu terceiro álbum pela gravadora Warner. Um móvel real foi utilizado para a sessão de fotos e nele cada integrante da banda cravou com canivete sua mensagem. As primeiras cópias de School’s Out vinham com uma calcinha de papel (nas cores rosa, branco e azul) no lugar do invólucro de plástico tradicional. Alice teve problema com a censura americana, que encasquetou com o formato do pacote. School’s Out ficou entre os finalistas de melhor capa no Grammy, em 1972. A Wilkes & Braun, Inc. acabou aguardando mais um ano para ganhar o prêmio com a capa do álbum Tommy. A carteira original da sessão de fotos da capa do disco está em exposição no Hard Rock Café de Berlim.
48. Strokes - Is This It
Gravadora - RCA
Ano - 2001
Fotografia - Colin Lane
O primeiro álbum dos Strokes acabou tendo duas versões de capa. A da edição inglesa trazia a foto de uma namorada do fotógrafo Colin Lane, despida, tocando o próprio dorso com a mão coberta por uma luva. Não era uma foto exatamente explícita, mas mesmo assim várias cadeias de lojas americanas, alegando seguir valores familiares, recusaram-se a vender o CD. A foto foi associada ao estilo do fotógrafo alemão Helmut Newton, que clicava modelos glamourosas em poses sadomasoquistas - o New Musical Express aventou a hipótese de a foto ser uma referência ao grupo-piada Spinal Tap, que no filme This is Spinal Tap cogitava uma capa parecida. O fato é que nos EUA o álbum saiu com uma pintura psicodélica repleta de volutas, e sem a faixa "New York City Cops".
47. Aracy de Almeida - Noel Rosa
Gravadora - Continental
Ano - 1955
Ilustração - Di Cavalcanti
O disco Noel Rosa era uma homenagem ao compositor carioca, que havia falecido em 1937, trazendo um bom painel de sua obra numa época em que pouco se falava dele. A capa do álbum foi ilustrada por Di Cavalcanti, que havia sido amigo de Noel, e, de fato, chegou a determinar um pedaço da história da música brasileira. Pouco antes de morrer, Noel pensou em levar em conta a hipótese de largar a música e se tornar desenhista, mas foi aconselhado por Di Cavalcanti a permanecer em sua antiga profissão. Aracy de Almeida, que se tornou a maior intérprete de Noel, também era bastante próxima do pintor, tendo vários de seus quadros em casa. Idealizador e organizador da Semana de Arte Moderna de 1922, Di Cavalcanti chegou a trabalhar também com capas de revistas, além de ter feito cenários para o balé Carnaval das Crianças Brasileiras, de Heitor Villa-Lobos.
46. Ray Charles - What’d I Say
Gravadora - Atlantic
Ano - 1959
Design - Marvin Israel
Fotografia - Lee Friedlander
O fotógrafo que assina a capa deste álbum é um dos mais famosos retratistas da cena musical americana. Lee Friedlander nasceu em 1934 e já aos 14 anos mostrava-se interessado em fotografia. A música era outra de suas paixões. Quando viveu em Los Angeles, no início dos anos 50, passou a retratar artistas de jazz nos clubes da cidade até ser descoberto por um olheiro da Atlantic Record, que procurava um profissional para ilustrar suas capas de disco. Em What’d I Say, existe grande harmonia entre a música e a foto. Ambas mostram um Ray Charles desnudo, imortalizado atrás de seu microfone, suando e parecendo real. Outras fotos de Ray são encontradas no livro de Lee, American Musicians, que traz mais de 500 imagens de músicos americanos, como Aretha Franklin e John Coltrane, tiradas durante os mais de dez anos em que o fotógrafo trabalhou para a Atlantic.
45. Vários Artistas - Tropicália ou Panis et Circensis
Gravadora - Philips
Ano - 1968
Fotografia - Olivier Perroy
Talvez a reação mais chocante quando se olha hoje para a capa de Tropicália seja: "Puxa, esse pessoal já foi jovem um dia..." Já se falou muito sobre o que o movimento significou para a música e a cultura brasileira - e a capa era um cartão-postal do tal "manifesto tropicalista". Talvez a concepção tenha sido parodiar uma típica foto de família classe média, mas com tanta gente reunida e com jeito de boneco de cera parece mais uma imitação do Sgt. Pepper, dos Beatles. Estão lá Tom Zé, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Rogério Duprat, Gal Costa, Mutantes e Torquato Neto. A foto foi feita em São Paulo, em 1968, na casa do fotógrafo Olivier Perroy, que trabalhava para a Editora Abril. Foi uma criação coletiva em que cada um trouxe seus apetrechos: penico, valise etc. Ao redor da foto, a tipografia em matizes de verde e amarelo. No verso, mais um indecifrável texto de Caetano.
44. Funkadelic - Maggot Brain
Gravadora - Westbound
Ano - 1971
Design - Não creditado
Fotógrafia - Não creditado
O terceiro álbum do Funkadelic, lançado em 1971, era um salada sonora completa e interminável. E ninguém entendeu o que significava aquela capa. Quem era aquela criatura de cabelo black power com a boca aberta, saindo do meio de um monte de terra, sujeira, ou sabe-se lá de quê? Para os que ficaram boiando, isso não passa de uma visualização da frase que abre o disco. Depois de uma explosão de feedback que passeia pelos alto-falantes, uma voz entoa: "A Mãe Terra está grávida pela terceira vez, vocês todos acabam de acertá-la... Vou ter que me levantar ou afogar na própria merda". O tal sujeito na capa é Eddie Hazel (1950-1992), um dos grandes heróis da guitarra funk e a verdadeira inspiração do álbum. Um dos fãs de Maggot Brain era o ilustrador Pedro Bell. Depois de ouvir o álbum, ele contatou George Clinton e começou a trabalhar nas capas futuristas da turma do P-Funk.
43. Joy Division - Closer
Gravadora - Factory
Ano - 1980
Design - Peter Saville e Martyn Atkins
Fotografia - Bernard Pierre Wolff
Assim como o som soturno do Joy Division - e principalmente do seu vocalista Ian Curtis -, suas capas sempre reproduziram a atmosfera da banda. Closer foi o segundo disco lançado pelo selo Factory. O designer Peter Saville teve total liberdade para interpretar o som da banda - mesmo sem ter escutado uma única música do disco. A capa aparenta a mudança estética nascida no final da década de 70 com o surgimento do punk. O layout é simples, a tipografia reverbera o título e a foto de Bernard Pierre Wolff ressalta o tom lúgubre. Sem propaganda e sem ter veiculação nas rádios, as vendas de Closer superaram todas as expectativas. Os lucros foram divididos entre banda e gravadora, que com o dinheiro construiu o célebre clube Hacienda, em Manchester. Ian Curtis se matou quatro semanas antes de o disco ser lançado.
42. Vinicius de Moraes e Odette Lara - Vinicius & Odette Lara
Gravadora - Elenco
Ano - 1963
Design - Cesar Villela
Fotografia - Francisco Pereira
Tímido, Vinicius de Moraes foi levado pela mão pela atriz e cantora Odette Lara para dar voz às suas composiçoes pela primeira vez. As músicas do disco, lançado pela Elenco, foram arranjadas e regidas por Moacir Santos. Baden Powell, que dedilha o violão e é co-autor de todas as músicas, logo firmaria uma célebre e prolífica parceira com Vinicius cujo fruto mais conhecido foram os afro-sambas ("Canto de Ossanha"), estilo decalcado da bossa nova que os aproximou em 1962. A capa de Vinicius & Odette Lara é mais uma criação de César G. Villela sobre foto de Francisco Pereira. Como a maioria dos discos da Elenco, utiliza apenas duas cores. De acordo com Villela, Vinícius de Moraes e Odette Lara não participaram da mesma sessão de fotos - ele fez uma montagem para unir os dois na capa do disco.
41. B.B. King - Indianola Mississippi Seeds
Gravadora - MCA
Ano - 1970
Design - Robert Lockart
Fotografia - Ivan Nagy
Considerado o momento mais brilhante e roqueiro de B.B. King, o álbum traz no título uma homenagem à cidade natal do bluesman, Indianola, no Mississippi. A capa foi desenhada por Robert Lockart - que assinou também o layout de um conhecido disco do Steely Dan, Can’t Buy a Thrill - e foi fotografada por Ivan Nagy, responsável pelo visual de discos de Buffallo Springfield e Lamont Dozier. Ilustrando o álbum, no lugar da conhecida guitarra Lucille, adotada por B.B. King, havia uma guitarra em forma de melancia - fruta bastante popular na região do Mississippi. A idéia de Robert e Ivan conquistou o Grammy de 1970 na categoria de melhor capa de disco e se tornou popular entre músicos ingleses, que veneravam o blues americano. Era muito comum, por exemplo, flagrar David Gilmour, do Pink Floyd, posando para fotos ostentando uma camiseta com a capa do disco.
40. Mutantes - Os Mutantes
Gravadora - Polydor
Ano - 1968
Fotografia - Pebroy
Apesar de graduados na escola "terninho e sorriso" da Jovem Guarda, os Mutantes sabiam uma coisa ou outra quando o assunto era causar impacto visual instantâneo. Roupas de bruxo, capas, chapéus exóticos, apetrechos medievais, valia tudo para Sérgio Dias, Arnaldo Baptista e Rita Lee. Para a capa do primeiro disco, o trio foi fotografado usando vestimentas que pareciam ter saído de algum país europeu de tempos passados. Nada de sorrisos simpáticos. Eles pareciam ter visto um fantasma, com expressões assustadas e enigmáticas. O tom esverdeado ajudava a criar um clima ainda mais surrealista. Coube ao fotógrafo Pebroy capturaro momento. Mas o LP foi apenas um ensaio para futuras esquisitices. A capa do segundo álbum, por exemplo, flagrava Rita Lee vestida de noiva entre dois "pretendentes".
39. WHO - The Who Sell Out
Gravadora - DECCA
Ano - 1967
Design - David King e Roger Law
Fotografia - David Montgomery
O Who foi um dos grupos que mais defenderam as rádios piratas. Sell Out foi a homenagem do quarteto a essas "instituições" banidas pelo governo inglês. No álbum, Pete Townshend e amigos criaram uma série de falsos jingles que se intrometiam entre as canções, dando a ilusão de uma transmissão radiofônica. A capa, criada por David King e Roger Law e fotografada por David Montgomery, seria uma tradução visual desses anúncios. A idéia era fazer pop art, com resultado mais exagerado e grotesco do que o planejado. O pobre Roger Daltrey foi quem mais sofreu, ao passar uma manhã inteira dentro de uma banheira cheia de feijões frios. No verso, Keith Moon anunciava um creme contra espinhas e John Entwistle louvava as qualidades da academia Charles Atlas.
38. Beatles - Revolver
Gravadora - Parlophone
Ano - 1966
Ilustração - Klaus Voormann
Klaus Voormann foi um dos amigos que os Beatles fizeram na Alemanha, onde se apresentavam no início de carreira. Quando a banda se estabeleceu em Londres, em 1962, o berlinense foi tentar a sorte na cidade e John Lennon o convidou para cuidar da arte de Revolver. Voormann desenvolveu sua idéia a partir do rebuliço que os cabelos dos Beatles causavam. Desenhou os amigos em delicadas linhas de nanquim, uniu-os pelos cabelos e coalhou aquela floresta capilar de fotos da banda. Manteve tudo em p&b, destacando-se dos grafismos lisérgicos, e levou o Grammy de melhor capa de 1966. Depois, criou uma tira de quadrinhos sobre tudo (ao lado), que vende no site www.voormann.com.
37. Milton Nascimento e Lô Borges - Clube da Esquina
Gravadora - EMI-Odeon
Ano - 1972
Design - Cafi
Fotografia - Cafi
Foi Ronaldo Bastos (agregado ao Clube da Esquina pelas letras que fazia com Milton) quem apresentou o recifense Cafi aos mineiros que ensaiavam um tal "álbum duplo conceitual" em um casarão na praia de Piratininga. A idéia era que o rapaz fotografasse Milton e seus amigos para a coleção História da Música Popular Brasileira, lançada pela Editora Abril no início dos anos 70. Milton adorou o resultado, Cafi acabou integrado ao coletivo e viajou para Três Pontas para a festa de bodas de prata dos pais do cantor. Foi nas margens de uma estrada de terra que ele fez a foto de dois garotos - um branco e um negro. Cafi diagramou sua foto "sangrando", sem texto nem identificação, mas foi obrigado pela EMI a usar os nomes de Milton e Lô em letras garrafais, sobre foto dos músicos, na contracapa. Era um truque: a gravadora orientava os lojistas a exibirem o disco com o verso para a frente.
36. Sonic Youth - Goo
Gravadora - DGC
Ano - 1990
Design - Kevin Reagan
Ilustração - Raymond PettiboN
Goo foi o primeiro álbum do Sonic Youth por uma grande gravadora. Apesar de trazer um som mais focado e trabalhado, não abandonou por completo a estética suja e ruidosa da banda. A capa do disco é do californiano Raymond Pettibon, conhecido por retratar a juventude americana marginalizada em suas obras. Seu estilo minimalista, que em muito lembra o da arte em quadrinhos, tornou-se popular no cenário punk - embora o artista preferisse negar o rótulo. Antes de entrar no mercado musical, Pettibon ilustrava fanzines e livros fotocopiados que distribuía nas ruas. Sua assinatura aparece em diversas capas do Black Flag (entre elas Family Man, Slipe it In, My War, In My Head e Loose Nut) e seu trabalho é intrinsecamente ligado à imagem dessa banda até hoje. Já no começo dos anos 2000, ilustrou a capa de One By One, lançado pelo Foo Fighters em 2002.
35. Beastie Boys - Licence to Ill
Gravadora - Def Jam
Ano - 1986
Design - Stephen Byram
Ilustração - World B. Omés
Com o senso de humor incontrolável do início de carreira, os Beastie Boys se inspiraram na grandiosidade do Led Zeppelin para tirar um sarro em seu disco de estréia. Em vez de imitar as célebres capas do Hipgnosis, o produtor Rick Rubin e os rappers decidiram parodiar o luxuoso jato particular do Zep. Nada mais natural para quem sampleava riffs de Jimmy Page e batidas de John Bonham na cara-de-pau. Steve Byram, diretor de arte da CBS (distribuidora da Def Jam), anotou a idéia e instruiu o desenhista David Gamboli. Com pequenas variações de ângulo, ele fotografou um Boeing e reproduziu o efeito de colisão desenhando em cima. Para um trio de brancos, fazer rap nos anos 80 não havia muita opção. Era melhor chegar detonando do que pedindo licença.
34. Dorival Caymmi - Eu Vou P’ra Maracangalha
Gravadora - Odeon
Ano - 1957
Ilustração - Lan
Em comum, Lan e Caymmi têm a paixão pelo Rio de Janeiro, que elegeram como "segundo lar". O músico baiano chegou na década de 30 para estudar direito e, quem sabe, virar cantor. O caricaturista italiano chegou em 1952 e nunca mais foi embora, atraído pela beleza da cidade e das mulatas. Começou a trabalhar no jornal Última Hora e lá, criou uma de suas mais famosas caricaturas, a do político Carlos Lacerda. Eles foram "apresentados" antes, em Buenos Aires, quando Lan morava lá. "Ouvi ‘Dora’ e ‘Marina’ e me apaixonei." Depois de alguns anos, já trabalhando no Brasil, Lan foi encarregado da capa de Eu Vou P’ra Maracangalha. "Ouvi a canção de mesmo nome, usei a intuição e desenhei Dorival rumo ao seu paraíso, de violão nas costas. Pouco depois, pude conhece-lo e atestar que aquela doçura toda, presente na caricatura, era mesmo parte de sua personalidade."
33. Led Zeppelin - Physical Graffiti
Gravadora - Swan Song
Ano - 1975
Design - Mike Doud e Peter Corriston
Fotografia - Elliot Erwitt
Depois de se celebrizar como a maior e mais bombástica banda do mundo, o Led Zeppelin queria se impor artisticamente, a exemplo do que os Beatles conseguiram com Sgt. Pepper e o Who com Tommy. Para Physical Graffiti, convinha superar a concorrência também na parte gráfica do álbum. Os artistas Peter Corriston e Mike Doud imaginaram um prédio cujas janelas seriam vazadas, inspirados na capa de Compartments (1973), de José Feliciano. O fotógrafo Elliot Erwitt clicou um pequeno edifício situado no número 97 da St. Marks Place, em Nova York. Nos envolepes do álbum duplo, foram estampadas imagens de personalidades, entre elas Elizabeth Taylor, Lee Oswald e King Kong (!), que apareciam nas janelas - podia-se trocar os "moradores" de cada apê. Três anos depois, Corriston reaproveitou a idéia em Some Girls, dos Rolling Stones.
32. Lupicínio Rodrigues - Dor de Cotovelo
Gravadora - Rosicler/chantecler
Ano - 1973
Fotografia - Não creditado
O título do disco era uma grande homenagem ao estilo que consagrou o compositor gaúcho: canções relatando traições, fins de caso, amores fracassados. Em 1973, quando o disco foi lançado, ocorria uma revival de Lupicínio, por intermédio de regravações de Paulinho da Viola ("Nervos de Aço"), Gal Costa ("Volta") e alguns outros. O discosaiu pelo selo Rosicler, da Chantecler, apareceu quando o público jovem começava a redescobrir essa obra e, ao mesmo tempo, suas músicas voltavam a atingir as classes populares, por intermédio do sambista Jamelão, que gravara dois discos com músicas do gaúcho. Na capa do álbum, uma imagem muito comum no imaginário boêmio de Lupicínio: o compositor em frente a uma garrafa de bebida. Na época de Dor de Cotovelo, o cantor foi homenageado com um show no teatro Opinião, no Rio de Janeiro. Faleceria um ano depois.
31. Jorge Ben - Força Bruta
Gravadora - Philips
Ano - 1970
Design - Lincoln Nogueira
Fotografia - Ricardo de Cumptich
Curioso. Se você pedir, de bate-pronto, para que alguém descreva alguma capa de algum disco do bom e velho Jorge Ben, o pessoal vai responder: "Ah, tem aquela desenhada com o símbolo do Flamengo (Jorge Ben, 1969), mas tem também aquela em que ele está tocando violão sem ter nada apoiado em baixo (Samba Esquema Novo)". E o Força Bruta? Da mesma forma que seu repertório, radical e subestimado, também sua capa raramente costuma ser lembrada. Mas sua expressividade não encontra par em quase nada do que era produzido na época. O trabalho foi feito pelo fotógrafo Ricardo De Vicq de Cumptich, dono de um estilo refinado que atua em publicidade há mais de 30 anos. Sua especialidade é light painting, ou seja, ele trabalha com iluminação discreta. Para a capa de Força Bruta, Ricardo clicou Jorge Ben no estúdio, com o rosto perto de um microfone típico dos anos 60.
30. Roxy Music - Country Life
Gravadora - Island
Ano - 1974
Design - Nicholas Deville
Fotografia - Eric Bowman
O Roxy Music já tinha uma tradição de capas sexy quando Bryan Ferry e Eric Bowman viajaram até Portugal. Entre passeios de barco e outras elegâncias, conheceram Eveline Grunwald e Constanze Karoli, que posaram de lingerie sem o menor pudor. As fotos foram feitas num jardim e Bowman usou como luz os faróis de um carro. Nos Estados Unidos a capa teve duas versões: uma com o close do rosto de Eveline (à esquerda) e outra só com os arbustos: cismaram que Eveline estava tocando as partes íntimas e que Constanze, pobrezinha, era um transexual.
OUTRAS MUSAS
KARI ANN MULLEN, 1972
MARILYN COLE, 1973
JERRY HALL, 1975
29. Tom Jobim - Wave
Gravadora - A&M
Ano - 1967
Design - Sam Antupit
Fotografia - Pete Turner
Sam Antupit, autor da capa de Wave, era um conhecido designer e diretor de arte americano. Em 1967, começou a colaborar com o recém-criado selo CTI, uma subsidiária da gravadora A&M concebida por Creed Taylor, que havia trabalhado na Verve. Antupit, na nova gravadora, estabeleceu uma forte marca, que depois seria imitada por vários designers e músicos. As capas da CTI eram uniformizadas com belas fotos e com o nome do artista e do álbum no alto sempre com a mesma tipologia - num espelho endinheirado da "marca gráfica" criada no Brasil pelo selo Elenco. A foto da capa de Wave, tirada por Pete Turner, mostra uma girafa fotografada no Quênia em 1964, e saiu em duas versões, uma verde e uma magenta.
28. Roberto Carlos - Roberto Carlos
Gravadora - CBS
Ano - 1971
Ilustração - Carlos Henrique Lacerda
O LP de 1971 de Roberto marcou vários fãs por causa da presença de um de seus maiores clássicos, "Detalhes", além da cultuada "Todos Estão Surdos", que anos depois seria resgatada por ele em seu Acústico MTV. A ilustração da capa, entretanto, não passou despercebida pelo público comprador. Pela primeira (e única) vez em sua carreira, Roberto substituía a tradicional foto em close por um desenho. "Na época, houve uma divisão entre os fâs", explica Vera Marchisiello, pesquisadora da obra de Roberto e presidente do grupo Um Milhão de Amigos. Na mídia, a capa provocou várias lendas: alguns até compararam o desenho com o rosto de Cristo. "A capa utiliza preto e dourado sobre branco, o que fez com que muita gente dissesse que aquilo era uma forma de o Roberto assumir que era o Rei, como ele já estava sendo chamado na época", lembra.
27. Isaac Hayes - Hot Buttered Soul
Gravadora - Stax
Ano - 1969
Design - Christopher Whorf
Fotografia - Bob Smith
Mesmo sem o mesmo impacto de Black Moses, lançado dois anos depois, sendo considerado o auge da carreira de Hayes, Hot Buttered Soul foi fundamental para definir os caminhos da soul music na década de 70. Com apenas quatro faixas e mais de 50 minutos de duração, traz experimentos e arranjos refinados que fundariam todo o som da blaxploitation da década de 1970. A capa não é menos controversa. Há uma conotação sexual explícita no ângulo de sua cabeça, raspada, deixando entrever seu torso nu. Ao mesmo tempo, pode retratar a humilhação, porque é a imagem de um negro cabisbaixo, num nível inferior a quem o olha. A corrente (ouro?) no pescoço é a profecia do visual de rappers ou reminiscências da escravidão? De qualquer forma, o clique de Bob Smith é de uma beleza plástica que vai além de qualquer polêmica que pudesse surgir.
26. David Bowie - Aladdin Sane
Gravadora - RCA
Ano - 1973
Design - Duffy Philo e Celia Philo
Fotografia - Sukita
Quando este álbum foi lançado em abril de 1973, David Bowie aparentemente vivia o auge de seu período glam. Mas, depois do fenômeno Ziggy Stardust, o que mais ele poderia criar para um bis? Aladdin Sane reflete um período de transição musical para o artista. A tour americana deixara Bowie dividido. O público adorava a persona glitter do cantor. Assim a capa do álbum teria que ser a mais exagerada possível. Bowie também passava por momentos delicados por causa das drogas. Anos depois, ele comentou: "naquela época minha vida estava fora de controle. Eu estava magro como um esqueleto. Aquele raio no meio do rosto significa isso". Bowie se apresentava com uma aparência cada vez mais estranha. O cabelo tinha sido tingido com uma tonalidade cenoura e as sobrancelhas simplesmente desapareceram.
25. Walter Franco - Ou Não
Gravadora - Continental
Ano - 1973
Design - Lígia Goulart
Fotografia - Lívio Rangan e Liscínio de Almeida
"Essa mosca da capa é uma síntese do momento histórico em que vivíamos na época, no Brasil, no mundo e na cabeça da gente. Não fazia sentido o artista mostrar a cara", refletiu Walter Franco. Ou Não, primeiro disco do cantor, era desafiador e enigmático em todos os sentidos. O disco foi mandado para as lojas sem uma única menção ao nome do artista na capa. Havia apenas uma solitária mosca, clicada num lixão em São Paulo pelos fotógrafos Lívio Rangan e Liscínio de Almeida. Na contracapa, Ou Não fazia as vezes de título, embora o álbum, na verdade, fosse epônimo. Na arte interna, três folhas de papel datilografadas, colocadas dentro de um envelope. "Essa capa foi todo um trabalho de equipe, lembro que ela não chegou pronta para mim", afirma o cantor, na época tão incensado que até Caetano se inspirou nesse para fazer o polêmico Araçá Azul no mesmo ano.
24. Lô Borges - Lô Borges
Gravadora - EMI-Odeon
Ano - 1972
Design - Tadeu Valério
Fotografia - Cafi
A galera do Clube da Esquina não vendia muitos discos e costumava dificultar as coisas para a gravadora - Clube da Esquina, álbum duplo dividido por Milton e Lô, trazia apenas a foto de duas crianças na capa, sem os nomes dos artistas. Da mesma forma, o primeiro solo do então adolescente Lô Borges passou a ser conhecido como Disco do Tênis por causa de sua arte. A idéia da foto chegou de um estalo: vendo que o irmão não se decidia por nenhum tipo de ilustração e ainda se recusava a estampar seu rosto na capa, o letrista Márcio Borges brincou: "Se não quer mostrar a cara, mostra o pé!" A imagem do tênis tornou-se perfeita para um disco "de estrada", repleto de canções contemplativas e sensíveis. Antes disso, Lô participara de exaustivas sessões de fotos e chegara a levar em conta a hipótese de usar como ilustração seu nome rabiscado com pincel atômico num papel pardo.
23. Gal Costa - Índia
Gravadora - Philips
Ano - 1973
Design - Edinízio Ribeiro
Fotografia - Antonio Guerreiro
Após o exílio de Gil e Caetano, Gal Costa tornou-se, ao mesmo tempo, a chama viva do tropicalismo e um símbolo sexual. A prova definitiva disso estava no trabalho gráfico e nas fotos de divulgação de seu sexto álbum, Índia. Poucas vezes a sensualidade de uma cantora foi tão (bem) explorada na capa de um álbum. As fotos de Gal vestida de índia foram clicadas numa casa no Recreio dos Bandeirantes, Rio, por Antonio Guerreiro, fotógrafo famoso por seus nus artísticos femininos. "A idéia da capa partiu de um consenso entre eu, Gal e Guilherme Araújo (empresário da cantora na época). Não ia ter nu, mas, aos poucos, as fotos foram evoluindo, até que ela aceitou ficar nua", conta o fotógrafo. "No começo, ela estava de calcinha e com um bustiê cor de carne sobre os seios. O bustiê ela tirou, mas não quis tirar a calcinha, aí foi feita a foto da capa, que mostra uma índia mesclando as duas civilizações." A censura não deixou escapar essa: o álbum teve de ser vendido com a capa coberta por um saco plástico escuro, semelhante ao utilizado em revistas pornográficas.
22. Dave Brubeck - Time Out
Gravadora - Columbia
Ano - 1959
Design - Neil Fujita
Ilustração - Neil Fujita
Time Out é considerado uma revolução na história do jazz. Foi a primeira obra do estilo a quebrar a rigidez dos compassos quatro por quatro e utilizar elementos da música oriental. A ilustração da capa, criada por Neil Fujita, é tão abstrata e chamativa quanto o conteúdo do disco. Nas décadas de 40 e 50, as capas de disco tornaram-se instrumentos de venda e grande atrativo nas prateleiras das lojas. Naquela época, com o volume crescente de lançamentos, os compradores já remexiam entre os LPs para escolher o que lhes parecesse mais interessante em vez de entregar uma lista do que procuravam ao vendedor. A Columbia, para qual Fujita trabalhou de 1954 a 1960 como diretor de arte, a RCA e a Blue Note foram as primeiras gravadoras a entender isso. A partir daí, álbuns de jazz se tornaram referência no quesito arte gráfica, influenciando inclusive a produção nacional, como no caso da Elenco.
OUTROS DELÍRIOS DE MATI KLARWEIN
SANTANA, 1970
LAST POETS - 1993
21. Miles Davis - Bitches Brew
Gravadora - Columbia
Ano - 1970
Design - John Berg
Ilustração - Mati Klarwein
Harmonizando jazz e rock psicodélico, Miles Davis (que já atravessara os 40 e se reinventava com uma jovem e formidável banda) alcançou uma gama infinita de novos ouvintes. Bitches Brew é, até hoje, o disco de jazz mais vendido da história. Revolucionária como o som, a capa do álbum é uma pintura com inspirações africanas idealizada por Mati Klarwein, um alemão nascido em 1932 que emigrou para a Palestina em 1934. Hoje, ele mantém exposições em galerias de Paris, Washington, Madri, Barcelona e Nova York.
20. King Crimson - In the Court of The Crimson King
Gravadora - E.G. Records
Ano - 1969
Ilustração - Barry Godber
A bizarra pintura que aparece na capa de In the Court of the Crimson King tem um nome. Ela se chama 21st Century Schizoid Man. Como muitos devem saber, também é o título da música que abre o álbum - o primeiro da carreira de um dos mais importantes grupos de rock progressivo. Composta coletivamente por Robert Fripp (guitarra), Michael Giles (bateria), Greg Lake (baixo e voz), Ian McDonald (teclados) e pelo letrista e iluminador Peter Sinfield, a faixa é um heavy psicodélico que fechava a tampa do paraíso hippie com uma visão do futuro repleta de repressão, paranóia, medo e pavor. Era exatamente o que a capa transmitia. Poderosa e assustadora, a capa dupla ainda causa reações, mesmo quase 40 anos depois.
Um verdadeiro clássico, que já prepara o que vai ser encontrado no vinil, um belo exemplo de rock de vanguarda, intelectual e arisco. É um trabalho do artista e programador de computador inglês Barry Godber. Foi a única capa de disco que ele pintou. Em fevereiro de 1970, um pouco depois de o disco ter chegado às lojas, Godber faleceria, com apenas 24 anos de idade. Ele teve um derrame cerebral e sua história torna ainda mais angustiante os traços que deixou no papel.
Godber estudou na Chelsea Art School e, ainda bem jovem, começou a se envolver com arte psicodélica. Conheceu muita gente da cena roqueira londrina, mas, para pagar as contas, decidiu mexer com o nascente ramo da computação. O letrista Peter Sinfield, que estava trabalhando com o pessoal do King Crimson, era um dos antigos amigos de Godber e achou que poderia usar o seu trabalho. Há alguns anos, comentou: "Eu toquei algumas faixas para o Barry e por algum motivo eu sentia que ele poderia criar algo... e foi o que aconteceu! Então, logo depois que sua obra inundou as vitrines das lojas de discos, ele simplesmente morreu".
Segundo Sinfield, o desenho da capa seria o rosto do próprio Godber refletido em um espelho. O líder e guitarrista Robert Fripp também refletiu a respeito: "A capa é o Schizoid Man do século 21. O que mais podemos dizer? Ela reflete a música". O impacto de sua pintura foi tão grande que o pessoal do grupo já queria que Godber pensasse em algum esboço para o segundo disco. Só então descobriram que ele já estava em outra dimensão...
Alguns fanáticos pelo King Crimson diziam que Godber ainda estava vivo nos anos 70 e morando na Califórnia. Outros afirmam que encontraram um homem maluco com a mesma expressão da capa do disco jurando ser Godber. Ironicamente, a pintura original, uma aquarela, fugiu das mãos do amigo Sinfield. Hoje em dia, ela se encontra com o guitarrista Robert Fripp, que continua liderando o King Crimson. E, como tudo relacionado a Barry Godber, isso também tem uma história curiosa. Por anos, a pintura ficou esquecida numa parede de um escritório ligado aos empresários do Crimson, estragando com os raios de sol que batiam diretamente nela. Durante uma mudança, Fripp apareceu como quem fazia uma visita, foi mais esperto e passou a mão na obra.
19. Bob Dylan - The Freewheelin’ Bob Dylan
Gravadora - Columbia
Ano - 1963
Fotografia - Don HuNstein
Se você tem algum interesse por música ou cultura pop, então com certeza já se deparou com o trabalho de Don Hunstein. O fotógrafo que se baseia em Nova York é responsável por mais de 200 capas de disco e fotografou gente como Leonard Bernstein, Billie Holiday e outros notáveis. Hustein era fotógrafo contratado da Columbia e gostava particularmente de trabalhar com artistas de jazz - ele fez capas para Milt Jackson, Ramsey Lewis, Miles Davis, Duke Ellington etc... Em 1962, ele foi convocado para criar o retrato do primeiro disco de um jovem cantor folk de Minnesota, chamado Bob Dylan. Nessa época, Dylan ainda imitava seu ídolo Woody Guthrie, lenda do folk dos anos 40. Hunstein preparou algo básico e poético para a capa (poderia passar por algo feito três décadas antes se não fosse colorido).
Esse disco de estréia de Dylan, que levava apenas seu nome como título, não vendeu nada, mas de alguma forma o compositor acabou permanecendo na Columbia, onde ganhou outra chance.
Antes de iniciar os trabalhos de seu segundo LP, contudo, Dylan ouviu uma série de conselhos. Primeiro, deveria deixar de ser um imitador de Guthrie. Depois, precisava deixar transparecer sua personalidade. Confiando mais no próprio taco, dessa vez ele vinha com poderosas composições da própria lavra. E, para a capa, nada de parecer com um retirante da época da Grande Depressão. Ele era um jovem - do circuito folk universitário de Nova York, com pretensões intelectuais, mas ainda assim um jovem de seu tempo.
Naquela época, Bob Dylan havia começado a namorar Suzy Rotolo, com quem iria permanecer por algum tempo. Hunstein aplicou sua experiência adquirida em diversos discos de jazz e sugeriu algo espontâneo para a foto da capa, um flagrante da rua. Assim, numa manhã friorenta de fevereiro de 1963, ele sugeriu que Dylan e Suzy caminhassem pela região de 161 West Fourth Street, no centro de Manhattan, perto de onde moravam. Por coincidência, o estúdio de Hunstein e os da CBS Television ficavam lá perto. De braços dados e sorrindo discretamente, Bob e Suzy parecem estar no sétimo céu, aparentemente indiferentes aos carros que passam ao lado e à confusão de Manhattan.
Se, no vinil, Bob Dylan falava de guerra, racismo e temor nuclear, a capa de Hunstein mostrava que ele era um cara normal, acessível e jovial. Essa aparente contradição seria um dos trunfos de Dylan para erigir uma das personas mais valiosas da história. Depois de um falso começo, The Freewheelin’ Bob Dylan exibia ao mundo quem era o verdadeiro Bob Dylan, que escreveria algumas das mais importantes canções do rosário pop - muitas delas lançadas no disco, como "Blowin’ in the Wind", "Masters of War" ou "Don’t Think Twice, It’s All Right".
A HOMENAGEM
MARK ARM, 1991
18. John Coltrane - Blue Train
Gravadora - Blue Note
Ano - 1957
Design - Reid Miles
Fotografia - Francis Wolff
Coltrane lançou Blue Train no mesmo ano em que estreara no selo Prestige. Até então conhecido como um sideman, Coltrane começou a traçar o próprio caminho à força, após ser despedido da banda de Miles Davis por causa de seu vício em heroína. Ainda que continuasse contratado da Prestige, Coltrane era fã da Blue Note e sonhava em gravar um disco por lá. Segundo o jornalista e historiador Richard Cook, autor do livro Blue Note Records - The Biography, o tal álbum só não havia saído antes por um motivo bastante prosaico: no dia em que o futuro autor de álbuns como Giant Steps e A Love Supreme visitou a sede da Blue Note, o gato dos donos do selo, que vivia no escritório, fugiu pela janela e a visita teve de ser adiada. Mas Blue Train aconteceu e se tornou um marco nas carreiras tanto do músico como da gravadora. Curiosamente, o músico nunca chegou a assinar um contrato com o selo - e Blue Train acabou sendo o único registro de sua discografia pela companhia de Alfred Lion e Francis Wolff.
O fato é que em 1957 Coltrane estava em franca ascensão, tocando com o popular quinteto de Miles Davis e, nas horas vagas, improvisando com Thelonious Monk. No começo do ano, lançou seu disco de estréia como líder e, pouco depois, este seu primeiro álbum cinco estrelas, onde surgia acompanhado dos melhores músicos da Blue Note: Lee Morgan no trompete, Curtis Fuller no trombone, Kenny Drew no piano, Paul Chambers no baixo e Philly Joe Jones na bateria. Com cinco músicas (quatro delas novas composições), todas entre sete e dez minutos, o saxofonista tenor alternava sua genialidade entre o suingue do hard bop e a sensibilidade de suas baladas. E, além dos músicos estelares e do fato inspirador de estar na melhor gravadora de jazz do mundo, a Blue Note trazia outro aspecto irresistível: as capas, sempre antológicas.
Para a foto de Blue Train, Francis Wolff providenciou uma sessão com Coltrane com ar pensativo, aparentando o momento em que alguma bela idéia aportava em sua mente. A foto era tão boa e captava tão bem o espírito do disco que o designer Reid Miles não teve de fazer muito: apenas aplicou um tom azul à foto e distribuiu harmoniosamente a tipografia com o nome do músico (verde, em minúsculas), o título do disco (branco, em maiúsculas) e o nome da gravadora seguido do número de catálogo (cinza, minúsculo, menor). Tudo aparentemente simples e exatamente em seu lugar, mas, de alguma forma, apresentando uma nova maneira de ver o que achávamos que já sabíamos. Exatamente como a música que embalava.
A HOMENAGEM
SCOTt WEILAND, 1998
17. Jimi Hendrix Experience - Axis: Bold as Love
Gravadora - Reprise
Ano - 1968
Design - Ed Thrasher
Ilustração - David King e Roger Law
Depois da excelente repercussão da capa de The Who Sell Out, do Who, a dupla David King e Roger Law passou a ser requisitada para mais trabalhos pela rapaziada do rock. Na época, o Who e o Experience de Jimi Hendrix faziam parte da mesma gravadora inglesa, a Track Records. Assim, foi só questão de tempo para que os designers produzissem algo para o deus da guitarra. E eles tinham na cabeça justamente o conceito de divindade quando foram apresentar o projeto ao músico. Hendrix tocava como se fosse sobre-humano. Então, que tal transformá-lo em algo do gênero?
Para Axis: Bold as Love, lançado em 1968 pelo Jimi Hendrix Experience, Roger Law teve a idéia de usar uma ilustração com tema hindu, muito em voga no final da década de 60. Hendrix, então, transformou-se numa espécie de Shiva. Ao seu lado estavam os músicos Noel Redding e Mitch Mitchell. E no fundo, um panteão de multicoloridas figuras hindus. Aparentemente, Hendrix, quando tomou conhecimento do conceito, confundiu indianistas com indianos. Ele comentou: "Quando vi o design, até achei legal. Mas falei, não seria bom ter aqui também um índio americano? Nós três não temos nada a ver com aquela capa". Mas a arte acabou sendo lançada sem alterações, imortalizando o Criador Hendrix. O mais engraçado é que teve gente comprando o disco na ilusão de ouvir a sua guitarra misturada a cítaras, tambouras ou outros instrumentos da terra de Gandhi! Na verdade, Hendrix achava que não dava muita sorte com a capa de seus álbuns. O caso mais clássico de um processo que quase sempre passava ao largo de sua opinião foi a capa da versão inglesa de seu disco seguinte, Electric Ladyland, repleta de mulheres nuas. O guitarrista detestou aquilo. Depois das experiências com a indústria fonográfica, Roger Law e David King seguiram caminhos separados. Mas Law continuou com um pé na cultura pop. Nos anos 80, criou ao lado de Peter Fluck o programa de TV Splitting Images, em que utilizavam bonecos para satirizar a família real inglesa. É deles também a concepção do clipe "Land Of Confusion", do Genesis, muito popular uns 20 anos atrás.
16. Nara Leão - Nara
Gravadora - Elenco
Ano - 1964
Design - César Villela
Fotografia - Francisco Pereira
A foto de Nara em alto-contraste na capa do disco já revela muito. Com um olhar que transmite muito mais experiência do que se esperaria de uma moça de 22 anos, ela exibe ainda seu moderníssimo corte de cabelo chanel e de franja - coisa de mulher independente, que lê clássicos franceses e discute política com os rapazes. Escândalo. Seu nome vem ainda escrito de maneira ousada: com as quatro letras interligadas, juntas, e com duas setas saindos dos As, sobre um fundo branco minimalista, com quatro bolas vermelhas (contando a do logotipo da gravadora) espalhadas pela capa. Não era um disco qualquer.
Desde pelo menos fins dos anos 50, Nara já era figura essencial da bossa nova, oferecendo seu apartamento na avenida Atlântica, em Copacabana, para as reuniões informais do movimento. Todos passaram por lá, levando seus violões, dedilhando o piano de seu pai ou simplesmente cantando algumas daquelas novas canções que estavam sendo compostas. Mas, quando chegou a hora de entrar em estúdio e gravar o próprio disco, ela já estava cansada daquela frivolidade. Queria cantar sobre o povo, sobre as raízes do Brasil, sobre a pobreza e a terra. Para tanto, escalou antigos sambistas então quase esquecidos, como Cartola, Nelson Cavaquinho e Zé Keti, e novos compositores que fugiam da simples bossa, como Carlos Lyra, Edu Lobo e Baden Powell. Com sua voz doce, cantou canções sobre o morro, sobre a censura, sobre a reforma agrária. Nada de barquinhos, banquinhos, beijinhos e peixinhos, nem sol, sal ou sul.
Ainda assim, Nara mantinha sonoridade com aquela bossa nova, fazendo uma versão mais sofisticada do samba. Convinha, então, na capa, mostrar a ousadia, a modernidade e a delicadeza daquela garota, com toda a sua personalidade. A contracapa a chama de "musa" da bossa nova, mas também comenta que as músicas que escolheu cantar fogem de sua "personalidade de menina mansa" e "provocam um estranho e agradável contraste". Contraste esse captado muito bem pelo retrato estilizado feito por Chico Pereira e pelo inventivo layout de César Villela, em uma de suas primeiras capas para o histórico selo Elenco.
15. Baden Powell - À Vontade
Gravadora - Elenco
Ano - 1963
Design - César Villela
Ilustração - César Villela
O terceiro disco do violonista Baden Powell foi seu primeiro trabalho para a Elenco, de Aloysio de Oliveira, e é considerado por muitos o seu melhor momento, a cristalização de seu estilo pessoal. A capa do LP mostra o desenho de um rapaz tocando violão descalço - bem "à vontade", como diz o título e como mandava a informalidade da bossa nova, em que os músicos costumavam tirar os sapatos para tocar nas reuniões em apartamentos. Como todas as capas da Elenco, esta também foi assinada pelo genial César Villela, responsável pelo projeto gráfico que passou para a história como sendo "da bossa nova". Em À Vontade, ele também desenhou.
O artista esclarece que não chegou a se inspirar nem na figura de Baden nem nas músicas do LP para desenhar. "Quando fiz essa capa, Baden Powell era bom moço, era um rapaz forte, mas não era grotesco como eu desenhei ali. Quis fazer apenas um violonista", conta Villela. "Eu tinha um conjunto de capas para realizar e tinha de criar para elas um formato que identificasse a Elenco, de ponta a ponta. As capas deviam ser impressas antes mesmo de o diretor artístico da gravadora, Aloysio de Oliveira, saber o que iria ser gravado, porque, naquela época, demorava-se muito para se fazer uma capa. Não havia esses computadores que fazem tudo. A capa ainda tinha de ir para a gráfica, para a cartonagem, e esse processo era demorado. Somente depois do disco pronto é que fazíamos as contracapas." Seguindo esse esquema, geralmente as capas se inspiravam mais no próprio autor do disco do que nas músicas contidas nele.
O estilo desenvolvido por Villela havia sido anteriormente lapidado na gravadora Odeon (hoje EMI), na qual criara capas para a parte bossanovista do cast - João Gilberto e Sylvia Telles entre eles - sempre buscando a simplificação. "Antes disso, tudo era muito colorido, berrante." Ao ir para a Elenco, o designer continuaria trabalhando da mesma forma, não só por questões financeiras (capas em preto e branco eram mais baratas) como também pela necessidade de criar uma "cara" para a gravadora, para que os discos do selo chamassem a atenção do público nas lojas. "Na época, não havia os esquemas atuais de divulgação. O disco vendia quando o público via a capa na vitrine, e a Elenco precisava se destacar. Além disso, a gravadora era pequena, com poucos recursos. Todo mundo trabalhava lá por amor ao projeto", garante o desenhista.
14. Tom Zé - Todos os Olhos
Gravadora - Continental
Ano - 1973
Design - Décio Pignatari, Francisco Eduardo de Andrade e Marcos Pedro Ferreira
Fotografia - Reinaldo de Morais
Foi um dos atos de provocação mais sutis em pleno apogeu da ditadura militar. Todos Os Olhos diz respeito especialmente àquele olho em que você - mente suja - está pensando. A idéia de fazer algo chocante, na verdade partiu do intelectual Décio Pignatari, de quem o artista baiano era fã. O livro Informação, Linguagem e Comunicação foi um divisor de águas para o tropicalista. Só que na hora de criar a controvertida capa para o disco Tom Zé até pensou em desistir, já que achava tudo muito perigoso naquele momento. A questão não era apenas como a gravadora Continental iria encarar uma foto daquelas. O governo militar poderia intervir de uma maneira imprevisível.
Antes disso, Pignatari ligou para Tom Zé convidando-o para ver algumas fotos. O envergonhado Tom Zé estava com esperança de que Pignatari tivesse se esquecido da coisa toda. As primeiras fotos mostravam alguns closes do corpo de uma moça, como pernas, traseiro e órgãos genitais. Tom Zé não se segurava de vergonha, mas tinha de manter a pose e ainda tentava discutir ângulos, luz, enquadramento. O impasse foi resolvido por Pignatari, Marcos Pedro Ferreira e Francisco Eduardo de Andrade. O trio veio com uma solução simples e barata. Para posar, foi convidada uma modelo, cuja identidade parece estar perdida na névoa do tempo e do respeito. Uma bolinha de gude foi pousada sobre seu ânus. O fotógrafo Reinaldo de Moraes deu o clique e pronto, estava terminada a agonia estética do pobre Tom Zé. Quando o disco chegou às lojas, em 1973, algumas pessoas ficaram se perguntando o que era exatamente aquela imagem (um olho, mesmo?), mas ninguém tinha certeza de nada. Mesmo sendo muito elogiado pela crítica, Todos os Olhos vendeu pouco e sumiu da vista do grande público. Com isso, imediatamente virou um álbum cultuado. Mas é uma injustiça as pessoas se lembrarem dele apenas por causa do pequeno detalhe da capa. A edição original em LP também tinha um poema visual do concretista Augusto de Campos. E a música, claro, é puro Tom Zé no auge de sua inventividade, o que, convenhamos, não é pouca coisa.
13. Rolling Stones - Sticky Fingers
Gravadora - Rolling Stones Records
Ano - 1971
Design - Craig Braun
Fotografia - Andy Warhol
Até chegar a Sticky Fingers, os Rolling Stones investiram muito tempo alimentando a fama de feios, sujos e malvados que os diferenciava dos Beatles. O banheiro imundo de Beggar’s Banquet (1968) e a provocação mal-educada de Let It Bleed (1969) enlamearam as barras de suas calças jeans. Capas "transadas" já era um terreno invadido desde a tridimensional Their Satanic Majesties Request (1967). O primeiro álbum pela própria gravadora, a Rolling Stones Records, contudo, era o sinal de liberdade para que o quinteto inglês fosse ainda mais fundo na arte de provocar os conservadores.
Nas festas descoladas de Nova York, Mick Jagger e Andy Warhol disputavam atenção com seus gênios implacáveis. Aparentemente, Warhol havia dado uma sugestão para a capa da coletânea Through the Past, Darkly, em que a banda apareceria toda gelatinosa com os rostos prensados contra um vidro - Jagger teria achado a idéia genial e passado para outro designer mais em conta. Mas, apesar dessa pequena "traição", eles continuaram a se falar. Warhol comentou um dia como seria bárbaro colocar um zíper de verdade numa capa de disco. Jagger achou formidável, mas somente se o artista pop fizesse tudo pessoalmente. A Atlantic, que distribuiria o disco mesmo receosa com o que poderia vir de mentes tão diabólicas (e com o alto custo do projeto), queria causar impacto e bancou a idéia. E lá se foram Jagger e Warhol para os estúdios da Factory, em Nova York.
Glenn O’Brian e Jed Johnson, dois rapazotes que estagiavam lá, foram chamados pelo patrão. Ele lhes deu as instruções e clicou pessoalmente a sessão. De posse das fotos, era a hora de Craig Braun pensar na embalagem.
Para que o zíper não danificasse o vinil, ele introduziu uma luva/encarte com a imagem de um torso vestindo cuecas brancas. Mesmo assim, houve relatos de casos em que a faixa "Sister Morphine" saiu arranhada. Braun, então, reposicionou o zíper mais abaixo, na altura exata do rótulo do vinil, para evitar problemas futuros. Sticky Fingers foi a adequação perfeita dos malvados Stones à era das supercapas.
Em 1994, quando a Rolling Stones Records passou a ser distribuída pela Virgin, a banda colocou na rua uma edição em CD remasterizada que reproduz exatamente a arte do lançamento original, miniaturizada, com zíper e tudo. Era uma tiragem limitada e (claro) já se tornou mais um ítem de colecionador no mundo pop.
12. Pink Floyd - Dark Side of the Moon
Gravadora - Harvest
Ano - 1973
Design - Hipgnosis
Ilustração - George Hardie
O prisma na capa de Dark Side of the Moon talvez seja a imagem mais associada à banda em toda sua história. Um ícone na própria história das capas de rock. Mais uma vez, a criação e o conceito dela foram idealizados pelo coletivo Hipgnosis e seus designers, Storm Thorgerson, Audrey "Po" Powell e Peter Christopherson. Thorgerson foi colega de classe de Roger Waters e Powell morou com o líder maluco do Floyd, Syd Barrett.
Em Dark Side of the Moon, o prisma limpo representava a força conceitual das letras e a clareza do som. Da mesma maneira, traduzia a gama de luzes que a banda utilizava em seus shows ao vivo. Uma pequena consideração científica: quando a luz passa por um prisma ou uma gota d’agua, ela se divide em sete cores (vermelho, laranja, amarelo, verde, azul, azul-escuro e violeta). Em vez das sete cores, o azul-escuro foi excluído da arte da capa, contabilizando apenas seis delas, por força estética. "Arte antes da ciência!", foi o discurso. Dois pôsteres acompanhavam o álbum sem custo adicional no preço. Foi exigência da banda, que preferiu baixar sua porcentagem nas vendas a deixar os fãs sem maiores informações.
Imagens de pirâmides foram coladas estrategicamente neles, além de espalhadas por toda a arte do álbum. Elas representam ambição, ganância e megalomania, predicados presentes nas letras de Dark Side. Duas edições foram lançadas em comemoração aos 20 e 30 anos do álbum. A capa das duas décadas, um triângulo chapado, foi fotografada por Tony May. A dos 30 anos, foi pintada como um vitral. As duas edições foram remasterizadas, sendo que a dos 30 anos levou acabamento em superáudio digital. David Gilmour falou anos depois que "Dark Side foi um pacote completo. A música, o conceito, a capa. Foi a primeira vez que tivemos grandes letras". Nenhuma palavra foi escrita - para manter a arte imaculada.
AS EDIÇÕES COMEMORATIVAS
20 ANOS, 1993
30 ANOS, 2003
11. Beatles - With the Beatles
Gravadora - Parlophone
Ano - 1963
Fotografia - Robert Freeman
A EMI e o empresário dos Beatles, Brian Epstein, quase surtaram com aquela foto em preto e branco escura e serissima. Um "gênio" de marketing da gravadora bradou em uma reunião: "Por que eles parecem tão pra baixo? Queremos uma banda feliz para fãs felizes!!". With the Beatles, lançado no final de 1963, é o álbum mais roqueiro da primeira fase dos Beatles e sua capa reflete essa aspereza.
A banda queria uma imagem que reproduzisse o clima dos monocromos em alto contraste que sua amiga alemã Astrid Kirchherr tirara dos quatro quando eles ainda se apresentavam em inferninhos de Hamburgo. O fotógrafo Robert Freeman respondeu com um portfólio que incluía fotos de jazzistas como John Coltrane. A banda adorou. Em agosto de 1963, Freeman visitou o grupo em um hotel, posicionou quatro cadeiras no corredor que dava para a cozinha, deixou um único foco de luz natural incidindo pela direita, fez diversos takes durante uma hora e pronto. Depois, em seu laboratório, ampliou os originais em cópias tão grandes que os grãos se destacaram formidavelmente.
Ainda que a Parlophone tenha considerado a capa "assustadoramente sem graça", o mundo todo a abraçou. A mesma foto foi usada pela Capitol americana em seu primeiro lançamento, Meet the Beatles!; a Odeon brasileira também introduziu o grupo no mercado nacional com o álbum Beatlemania se valendo da mesma imagem; a Odeon da França, por sua vez, adaptou a capa sob o título de Les Beatles. E tudo foi feito num simples corredor de hotel...
AS HOMENAGENS
ROBERTO CARLOS, 1966
GENESIS, 1987
VAN HALEN, 1988
OS MUPPETS, 1994
10. Ramones - Ramones
Gravadora - Sire
Ano - 1976
Design - Greg Allen, Sevie Bates
Fotografia - Roberta Bayley
Desde que surgiu, há mais de 25 anos, o punk pode ter se transformado, mas sempre esteve ao nosso lado. E, mais do que pela música, especialmente pela atitude e pelo visual. Olhe para a capa do primeiro álbum dos Ramones. Assim como a música do quarteto de Nova York, o trabalho de arte do disco não tem nada de sofisticado ou elaborado. Quatro caras desajeitados com as costas na parede tentando parecer cool. Qualquer mané que está começando e tem uma banda de garagem imita essa pose clássica. Os tijolos irregulares, a parede pichada, tudo virou clichê, mas começou aqui, em meados de 1975 - sim, meu amigo, há três décadas, e os caras eram Joey, Dee Dee, Johnny e Tommy Ramone. Foi uma foto simples, tirada em preto e branco e que não levou muito tempo para ser feita. Anos depois, o empresário Danny Fields comentou esse momento histórico: "A gente já tinha tudo pronto, então o disco era como uma declaração de intenções. A foto da capa foi a mesma coisa. Foi só colocá-los no beco atrás do CBGB e certificar-se de que estavam no foco. Eles já tinham inventado a si próprios".
Foi fácil mesmo, já que a banda e a pessoa que a clicou eram bastante amigas. Eles tinham se conhecido no clube CBGB, onde os Ramones haviam descolado um espaço como uma das "bandas da casa". Com isso, veio um contrato com a Sire. A história dos bastidores do primeiro álbum dos Ramones é também a improvável saga da fotógrafa Roberta Bayley. Ela foi uma das mais importantes figuras a forjar a estética punk. Durante os anos 70, Roberta e sua câmera estiveram presentes em momentos emblemáticos da música daquela década. Ela trabalhou na Inglaterra com Malcolm Mclaren, tomou conta da portaria do CBGB e colaborou no antológico fanzine Punk, de John Holmstrom. Em frente de suas lentes também passaram Blondie, New York Dolls, Iggy Pop, Heartbreakers, Television, Sex Pistols, Richard Hell (com quem morou por algum tempo) e muitos outros.
Mais do que ninguém, Roberta teve chance de observar os Ramones em seu habitat e no apogeu de sua criatividade. Ela sabe de muita coisa que se escondia por trás das jaquetas de couro e dos óculos escuros. Ainda assim, a resolução da capa foi coisa dela. Alguns arranjos foram feitos. Apesar de Joey ser o vocalista e líder não declarado, ninguém queria que ele se sobressaísse muito em relação aos outros, tarefa um tanto difícil se levarmos em conta a altura do cara. Aos poucos, Roberta foi posicionando os amigos como peças de xadrez que tinham que se encaixar de maneira impecável. Da esquerda para direita a coisa ficou assim: Johnny, como sempre desafiador e confiante, coloca a mão no bolso e encara a lente. Preste atenção na pose do baixinho Tommy. Para que ele não ficasse muito abaixo dos outros, Roberta pediu que ele subisse na muretinha da parede. Joey, por outro lado, está ligeiramente inclinado para não parecer gigantesco em relação aos colegas. À direita, Dee Dee, tenso, com ar de que não vê a hora de acabar com aquilo.
Banda de cartoon
A sessão de Roberta gerou mais frutos. Um outtake da foto foi usado pela gravadora Sire com o intuito de promover o grupo nas revistas especializadas. O anúncio dizia: "Os Ramones são tão punky (sic) que vocês vão ter de reagir". A pose era mais engraçada do que a oficial. Johnny faz cara de bobo, Tommy tenta segurar o riso, Joey cinicamente mostra os dentes e Dee Dee continua querendo dar no pé. Embaixo da foto, opiniões de publicações como o New Musical Express, Village Voice, Circus Magazine e Hit Parader. No pé da página, a frase: "A música deles varreu o beco... agora vai varrer o país!" A opinião de Charles Shaar Murray, do NME, acerta na mosca: "Eles são tão engraçados que parecem ter saído de alguma história em quadrinhos. São tão coesos e poderosos que vão encantar aqueles que se apaixonam pelo verdadeiro rock’n’roll."
O tempo passou, os Ramones viraram ícones pop e ficaram grandes demais para a vizinhança do CBGB. Foi natural um certo distanciamento. Mas o carinho permaneceu. Quando Dee Dee Ramone morreu de overdose, em junho de 2002, Roberta relembrou o velho amigo. Segundo a fotógrafa, ele era ao mesmo tempo charmoso e enervante. Um indivíduo único e criativo, que parecia uma criança em seu desejo de chocar e agradar ao mesmo tempo. Obviamente, Roberta ficou mais chegada do sempre simpático e acessível Joey Ramone. Em um tributo ao falecido cantor, ela lembrou que uma vez levou o sobrinho menor de idade ao CBGB, prometendo ao gerente que deixaria o moleque longe do álcool. Quando o conduziu para conhecer Joey, a primeira coisa que o Ramone fez foi levar o garoto ao banheiro e arranjar-lhe uma cerveja.
Outro nome importante na saga do quarteto aparece nesse primeiro disco: Arturo Vega. O artista foi responsável pelo desenvolvimento visual da banda. Na contracapa, havia uma imagem de uma típica águia americana, segurando um taco de beisebol como um porrete - e aquilo virou o distintivo Ramone por excelência. Vega era amigão dos caras e sua casa foi o "ponto Ramones". Era um mistura de armazém e quartel-general e muitas entrevistas e sessões de fotos foram realizadas lá.
Quando o álbum saiu, no começo de 1976, não dá para dizer realmente que o mundo virou de pernas para o ar. Ramones chegou à modesta 111ª posição da Billboard. Mas muita gente se inspirou naquelas canções curtas e incendiárias criadas por aqueles quatro personagens do subúrbio nova-iorquino. Incluindo todo mundo que se disse punk nos anos seguintes.
OUTROS ANTOPLÁGIOS
ROCKET TO RUSSIA, 1977
ANTHOLOGY, 1999
9. Elvis Presley - Elvis Presley
Gravadora - RCA
Ano - 1956
Design - "Colonel" Tom Parker
Fotografia - Popsie
Talvez seja impossível encapsular uma bomba atômica explodindo. Da mesma forma, nem sempre é possível saber o momento exato em que uma lenda nasce. Mas foi justamente isso o que aconteceu quando todos viram a capa do primeiro LP de Elvis Presley, lançado em 1956. Mas, antes de chegar a esse momento supremo, vamos voltar um pouco para ver como tudo realmente aconteceu.
O rosto de Elvis Presley foi a segunda figura mais reproduzida do século 20 - só perde para Mickey Mouse. Mas, lá no início, ele até era confundido com um artista negro. Para saber que ele era realmente um tímido rapaz branco, era necessário olhar suas fotos. Elvis começou a gravar na pequena Sun Records, em 1954, e logo foi descoberto por um ladino empresário de música country chamado "Colonel" Tom Parker. Ele sabia que tinha ouro nas mãos e, aos poucos, passou a explorar a imagem do rapaz. Mas o futuro Rei do Rock não estava muito preocupado com nenhuma revolução estética eminente. Com o cabelo engordurado pela indefectível brilhantina, Presley também não gastava muito dinheiro com roupa. Tocava basicamente no circuito country do sul dos Estados Unidos e não tinha a menor afeição pelas roupas de caubói. Seu uniforme era formado por paletós ligeiramente largos, surrados e básicos. Dessa forma, ele fez seu nome no sul da América, tocando em feiras, ginásios e onde mais tivesse gente disposta a pagar.
Mesmo com um orçamento reduzido, o Colonel fazia o possível para que esses shows fossem fotografados. Em julho de 1955, Elvis estava se apresentando na Flórida quando foi fotografado em plena ação. O material foi guardado, mas teria uso certo alguns meses depois do show. Quando Parker conseguiu negociar o passe de Elvis com a multinacional RCA-Victor (pagando à Sun a bagatela de 35 mil dólares), era a hora de multiplicar a histeria das garotas sulistas por toda a América. A RCA era muito poderosa na área country e tinha em seu cast artistas na linha mais popular, sem o refinamento de uma Capitol, que gravava Frank Sinatra, Nat "King" Cole e outros. No dia 10 de janeiro de 1956, Elvis entrou no estúdio da RCA de Nashville para gravar "Heartbreak Hotel", seu primeiro single. Ao seu lado, Steve Sholes, o homem responsável por sua contratação. Em seguida, Elvis fez suas primeiras aparições na TV e o magnetismo de sua imagem falou por si. Finalmente, em abril, a canção chegou ao primeiro lugar. Sholes respirou aliviado, mas ainda tinha muito trabalho pela frente. Ele queria ver um LP com o nome de Elvis sem muita perda de tempo.
Energia primal
O rock estava dando seus primeiros passos e não existia essa coisa chamada "LP de rock and roll". Astros de música country e R&B às vezes lançavam álbuns, mas as vendas eram geralmente fracas. Muitos permaneciam em um selo sem nunca ver seu trabalho compilados em um disco de 12 polegadas. Os LPs eram veículos para artistas do pop branco e romântico, trilhas sonoras e grandes orquestras. E, na RCA, singles e álbuns eram organismos totalmente separados. Departamentos que não interagiam tomavam conta dos produtos. O single não era um "trailer" do álbum, era um produto em si. Assim, "Heartbreak Hotel" não entrou no LP - àquela altura sem nome nem repertório.
Elvis tinha acabado de participar de algumas sessões na RCA, mas elas não eram suficientes. Para "encher" o LP, Steve Sholes usou gravações feitas na Sun Records que permaneciam inéditas. Bem, o público não precisava saber! E também não precisava saber que a foto da capa fora tirada alguns meses antes, naquele show na Flórida. O Colonel não perdeu tempo em trazer o material arquivado para ilustrar o disco. A foto em preto e branco feita por William S. Randolph, conhecido como Popsie, mostrava Elvis de olhos fechados, com a bocarra aberta, exibindo as amígdalas. Magérrimo e vestido com um daqueles ternos vagabundos, parecia dar cabo do pobre violão. Pura energia primal.
A foto foi ampliada ao máximo para que nenhum efeito fosse perdido. No canto esquerdo, "Elvis" escrito em rosa e, embaixo, "Presley" em verde. Com sua singular mistura de rosa, branco, preto, verde e violência musical pura, não à toa a imagem foi homenageada duas décadas depois na obra-prima do punk London Calling, do The Clash (veja matéria na pág. 72). Tudo começou ali.
A contracapa da estréia do Rei trazia um pequeno texto dizendo que Elvis se tornaria a maior sensação dos próximos tempos. E mais algumas fotos tiradas nos estúdios da RCA no começo daquele ano. No dia 5 de maio de 1956, o disco com a capa berrante ocupava a primeira posição nos Estados Unidos. A história tinha sido feita. Um disco 100% roqueiro dava um chega pra lá em álbuns de crooners e orquestras. O impacto visual da capa foi imediato e a RCA reproduziu a foto em dois EPs que saíram em seguida.
Porém, para o segundo disco, a gravadora mudou tudo. Elvis foi fotografado em cores, de lado, dedilhando oniricamente um violão. A capa não era nem um pouco roqueira. A RCA passou a apostar na boa-pinta do garoto de Tupelo, exibindo-o como um típico galã de Hollywood.
No Brasil, Elvis Presley teve capa e repertório totalmente diferentes. O álbum (disputado a tapa pelos colecionadores do mundo todo) reproduzia a capa de um EP americano que destacava Elvis, Bill Black (baixista) e Scotty Moore (guitarrista). Mas logo a RCA tupi lançaria os EPs com a capa americana da estréia de Elvis. Foi desse jeito que os brasileiros conheceram esta lendária foto.
8. Beatles - Abbey Road
Gravadora - Apple
Ano - 1969
Fotografia - Ian MacMillan
O produtor George Martin quase não acreditou quando Paul McCartney o convidou para comandar as sessões de gravação de um novo álbum dos Beatles. Nos últimos meses, aqueles quatro garotos que vira crescer haviam feito um telefilme unanimemente odiado, montaram uma gravadora que estava às portas da falência, tentaram voltar às raízes com um disco-filme abortado, viviam às turras envoltos em questões administrativas. Eram como quatro estranhos, mas, quem diria, lá estavam eles propondo um disco mais uma vez. Para tentar aliviar o clima, Martin colocou como condição que tudo fosse feito "como antigamente". E foi atendido. As gravações, que começariam em fevereiro de 1969, foram agendadas para o mesmo estúdio onde se conheceram, havia sete anos. O estúdio da EMI no bairro de St. John’s Wood, na Abbey Road.
O estúdio da rua Abbey era uma mansão de 16 cômodos comprada pela Electric Music Industry em 1929 sob o pretexto de construir ali o primeiro complexo de gravações totalmente concebido por uma companhia de discos. Dois anos depois, estava aberta a casa de três estúdios. O Studio 1, de 400 m2, era usado para gravações com orquestras sinfônicas. O Studio 2, de 190 m2, com capacidade para até 55 músicos, foi onde os Beatles registraram a maioria de seus clássicos. O "pequeno" Studio 3 era usado para mixagens e gravações mais rápidas (e baratas). Durante décadas, Abbey Road atraiu músicos de todo o mundo, como Fred Astaire, Gertrude Lawrence, Shirley Bassey e Fats Waller. Quando os Beatles pisaram naquele território sagrado pela primeira vez, em junho de 1962, foi na condição de grupo semiprofissional, sendo testado pelo produtor George Martin, chefe do selo Parlophone, pertencente à EMI.
Mas ali estava um bando de milionários tentando puxar paciência de lugares inimagináveis, juntar as forças, esquecer as picuinhas e gravar um disco. O álbum foi gravado em menos de dois meses e, embora na maior parte das vezes os quatro não estivessem ao mesmo tempo no estúdio, as testemunhas dizem que as gravações foram as mais tranqüilas em anos. Havia várias idéias para o título do LP - Everest e Billy’s Left Foot, entre elas -, até que Paul surgiu com a homenagem ao estúdio com o qual estariam associados eternamente: Abbey Road.
Paul está morto
O próprio baixista chegou com um esboço para a capa do disco, com a banda atravessando a faixa de pedestres no início da rua, e mostrou-o ao fotógrafo inglês Ian Macmillan. Era um dia quente, e Paul chegou à sessão com suas tradicionais sandálias de dedos. Macmillan fez algumas tomadas (que precisavam ser interrompidas a toda hora por causa do tráfego), e Paul resolveu prosseguir descalço. Era preciso agir rápido: uma pequena multidão de curiosos já se ajuntava ao redor. Macmillan fez suas fotos e em menos de meia hora estavam todos dispensados.
O estúdio de Abbey Road já era um ponto de confluência de beatlemaníacos havia muito tempo, mas, com o lançamento do disco, tornou-se parte do roteiro de "lugares santos" do rock tanto quanto a Graceland de Elvis Presley ou o túmulo de Jim Morrison em Paris. Todos os anos, cerca de 120 mil pessoas aparecem por lá para tirar uma foto atravessando a faixa de pedestres e deixando beatle-mensagens no muro. Há diversas agências de turismo que incluem a rua Abbey Road no roteiro e, de quando em quando, o próprio estúdio abre as portas para visitas em eventos especiais.
A mitologia em torno da capa de Abbey Road, entretanto, foi ampliada imensamente quando o DJ americano Russell Gibb encontrou "pistas" que comprovariam que Paul McCartney havia morrido em um acidente de carro como o descrito em "A Day in the Life" ("ele estourou seus miolos batendo em um automóvel") e que a banda o substituíra por um clone destro (donde eles não se apresentavam mais ao vivo, desde 1966). As "pistas" estavam todas lá: o falso Paul descalço (como muitos são enterrados em algumas culturas), segurando o cigarro com a mão direita (ahá!!); Ringo está bem à sua frente, de preto, como um agente funerário; o Fusca atrás da banda tem a placa 28 IF - pois Paul teria 28 (anos) SE (estivesse vivo)... Tudo muito lógico, evidentemente. A banda nem ligou: "Fazia parte do rock’n’roll, ajudava a manter a loucura", lembrou o baterista Ringo no livro Anthology. "Era uma questão de rotina, o nonsense típico com que tínhamos de lidar", disse o assessor de imprensa Derek Taylor no mesmo livro.
De qualquer forma, tudo isso - além de mega hits como "Come Togheter" e "Something" e de uma das fotografias mais famosas da história, fez de Abbey Road um dos maiores sucessos dos Beatles, epitáfio memorável numa carreira imaculada.
AS HOMENAGENS
BOOKER T. AND THE MG’s, 1970
RED HOT CHILI PEPPERS, 1988
PAUL McCARTNEY, 1993
VILA SéSAMO, 1993
7. Sex Pistols - Never Mind the Bollocks - Here’s the Sex Pistols
Gravadora - Virgin
Ano - 1977
Design - Jamie Reid
Causar estardalhaço era o maior talento do ex-lojista Malcolm McLaren na condução da carreira de seus empresariados, os Sex Pistols. Principalmente se o alvo fosse a monarquia inglesa. Como se o discurso niilista de "Anarchy in the U.K." não fosse o bastante, ele e o grupo achincalharam a rainha Elizabeth no single "God Save the Queen", com direito a passeio provocativo pelo rio Tâmisa e cartaz de divulgação com um alfinete perfurando o nariz da majestosa senhora.
Quando assinaram com a Virgin, após serem enxotados pela EMI e pela A&M, os Pistols já eram o centro das atenções na Inglaterra e cada passo que davam era seguido com sentimentos de (pouca) admiração e (muito) ódio. Letras sarcásticas, som alto, camisetas ultrajantes e rios de cuspes - valia tudo para expressar a raiva e a frustração de viver num país em crise aguda, com lixo se acumulando nas ruas, programas entediantes na TV, mas que insistia em manter a pompa aristocrática. Uma peça tão fundamental quanto McLaren e Johnny Rotten (ainda que normalmente subestimada) atende pelo nome de Jamie Reid.
Nascido em 1946, Reid estudou na escola de arte londrina Croydon Art College, onde conheceu McLaren no fatídico ano de 1968. Fundador da revista underground Suburban Press, que publicava artigos de anarquistas e situacionistas, desenvolveu o estilo de colagens que utilizaria mais tarde na capa da banda punk. A técnica de colagens não era uma simples questão de influência dadaísta, mas também de orçamento e ritmo de trabalho: Reid tinha de tirar leite de pedra - e rapidamente - para fechar as edições da publicação.
Os ex-colegas da escola de artes se reencontraram anos depois, quando McLaren o convidou para cuidar da imagem impressa dos Pistols. Contudo, segundo o empresário, o logotipo do grupo foi criado antes pela sul-africana Helen Wellington-Lloyd, conhecida na cena punk inglesa como Helen of Troy. A moça também havia estudado com McLaren na Croydon Art e atuou no filme Jubilee (1977), de Derek Jarman. Sem dinheiro para comprar Letraset (os velhos decalques de letras com variadas tipografias, vendidos em papelarias), ela recortou e colou letras do jornal The Times, formando o nome da banda.
Em seus primeiros trabalhos para os Pistols, Reid utilizou imagens que já havia feito nos tempos de Suburban, como a dos ônibus para o single Pretty Vacant. Mas as criações exclusivas tiveram mais impacto, como a campanha de divulgação de "God Save the Queen" - que custou a demissão do grupo pela gravadora A&M.
A Virgin, relativamente nova no final dos anos 70, garantiu que não faria restrições às táticas da dupla, nem mesmo para o título chulo do álbum, que surgiu de supetão. Reid e McLaren tinham algumas idéias em mente e sugeriram várias frases para um desinteressado Steve Jones, o guitarrista da banda. Com sua fina educação suburbana, Jones soltou do nada "never mind the bollocks" ("não ligue para os escrotos") e deu tudo o que era preciso para manter a aura maldita do grupo.
Obrigado, tablóides!
"Para mim, o punk tinha ligação com movimentos artísticos anteriores, como o surrealismo, o dadaísmo e o situacionismo, que possuíam características subversivas", afirmou Reid, que dispensou a força de figuras (anti)carismáticas como Johnny Rotten e Sid Vicious para estampar na capa. "Não era necessário colocar os rostos dos músicos", declarou. "Eles eram muito feios de qualquer maneira." A arte gráfica do álbum lembrava as cartas anônimas de terroristas e também se baseava nas manchetes escandalosas e exageradas dos tablóides ingleses, verdadeira instituição do país que ajudou a promover o grupo de rock como nunca antes.
"O lixo e a fúria", a antológica capa do Daily Mirror pós- aparição desbocada dos Sex Pistols na TV, deu fama nacional a um grupo de jovens oriundos das classes menos privilegiadas. Ainda que soubessem criar frases de efeito (como a emblemática "não estamos interessados em música, mas em caos"), sem as manchetes de letras garrafais os Pistols ficariam restritos aos freqüentadores do circuito alternativo de música. Por sinal, a única aventura no cinema (The Great Rock’n’Roll Swindlle, o Yellow Submarine do punk) não teve a mesma repercussão dos tablóides, não somente pelo fato dos Pistols estarem agonizando na época mas também porque decadência, cinismo e ultraje funcionavam melhor nas mãos da imprensa escrita britânica.
A sintonia entre atitude, moda, discurso e arte visual foi fundamental para que o estrondo dos Sex Pistols no mundo pop tivesse proporção planetária. Como ironizou McLaren, "se as pessoas comprassem os discos pela música, o rock já teria acabado há muito tempo". O principal feito do grupo (mostrar que era possível para qualquer tapado montar a própria banda) também foi refletido por Reid na área das artes gráficas. A técnica de colagem simples, barata, chocante e inteligente de Never Mind The Bollocks - Here’s the Sex Pistols era acessível para quem tivesse tesoura, cola e um jornal de ontem.
6. Nirvana - Nevermind
Gravadora - DCG
Ano - 1991
Design - Robert Fisher
Fotografia - Kirk Weddle
Nada podia ser mais inesperado e proporcionalmente devastador do que Nevermind. O disco que a juventude precisava, num mundo em que mais importante que o conteúdo era a imagem, expelia uma mensagem bem clara: em vez do gel nos cabelos bufantes e das calças apertadas, Nevermind regurgitava os velhos três acordes forjados por Elvis e figurino zero: jeans puídos, camisas de flanelas tipo lenhador e tênis Converse. Nada de solos de guitarra intermináveis e berros ensandecidos de vocalistas que mais pareciam poodles descabelados. Tudo isso seria encoberto por acordes curtos e letras pessoais, sobre o quanto era difícil atravessar incólume a esteira da sociedade de consumo.
A capa do segundo álbum do trio de Seattle deveria acompanhar as letras autodestrutivas de Kurt Cobain. Para refletir toda essa atmosfera foi chamado Robert Fisher, o designer recém-contratado pela David Geffen Company, a gravadora da banda. Fisher nunca havia feito uma capa na vida. Por outro lado, nascido em Los Angeles em 1962, o artista crescera com muito Led Zeppelin, Yes e Pink Floyd na cabeça. Um apaixonado por capas de disco que encontrou o emprego dos sonhos na Geffen, onde permaneceu por dez anos antes de montar o próprio estúdio de design.
Na reunião para definir o que estamparia a capa de Nevermind, as sugestões de Robert foram muito bem compreendidas por toda a banda e pela equipe da gravadora. Kurt, com seu jeitão introspectivo, falava pouco, enquanto Dave Grohl e Chris Novoselic eram mais propensos a palhaçadas.
Fisher sabia que a gravadora não aceitaria uma simples imagem de um bebê submerso n’água. "Kurt sugeriu uma isca para compor a foto. Nela poderiam estar presos uma comida, um CD, brinquedos. Alguém propôs uma nota de 1 dólar, o qual foi aceito de prontidão", contou o designer anos depois. "Apesar de Kurt nunca racionalizar sua idéia da capa, desconfio que ele imaginava que o bebê nu representava sua inocência, a água representava um local estranho e apavorante e o gancho com a nota de dolar, sua vida criativa sendo sugada pelo mundo corporativo do rock."
Estréia na piscina
O fotógrafo Kirk Weddle foi chamado e tirou inúmeras fotos de uma piscina em Pasadena, onde vários pais mergulhavam seus bebês na água pela primeira vez. "Se você reparar bem na foto, pode ver as marcas dos dedos do pai, logo antes de ele soltar o bebê para a mãe", disse. O nome da criança fotografada é Spencer Elden e a foto registra a primeiríssima vez em que ele entrou numa piscina.
Kurt Cobain, sempre tímido, sugeriu uma fotografia de sua autoria - um macaco -, que acabou indo para a contracapa por sugestão de Fisher.
A imagem do pequeno Spencer em seu merulho histórico é uma crítica clara à sociedade de consumo, onde uma inocente criança já é treinada desde cedo para correr atrás de dinheiro. Ao mesmo tempo é a embalagem do disco do anti-herói, do nerd da escola, do moleque que preferia escutar música a sair com as garotas e devolvia seu desprezo em forma de microfonia. Por incrível que pareça, Nevermind teve quase todas as faixas transformadas em sucesso radiofônico - dos acordes de abertura do hino "Smells Like Teen Spirit", passando pela lisérgica "Come As You Are" e chegando à melancolia de "Something in the Way" - e vendeu 2,5 milhões de cópias em pouco mais de um mês. O disco foi parar no topo da parada americana e Cobain agora provava o lado mais sórdido da fama. Dessa contradição, o cantor só conseguiu se livrar ao dar um tiro na cabeça, em 5 de abril de 1994.
Não se trata, porém, do caso comum do mito póstumo. Nevermind está no rol dos álbuns mais importantes da história da música e desde que foi lançado isso era flagrante. Não apenar por quebrar as amarras do underground para si, mas todo o planeta. Atrás dele, Seattle, uma cidade de pouco mais de 500 mil pessoas e 220 quilômetros quadrados de área, emergiu aos holofotes da mídia de todo o mundo e recebeu o impacto da hecatombe artística.
As palavras "grunge" e "alternativo" entraram para o vocabulário de quem ouvisse rock no mundo, o que fez com que gravadoras começassem a explorar cada vez mais o que era produzido nos circuitos independentes. Na semana em que foi lançado, Nevermind deixou para trás na parada o disco Dangerous, de Michael Jackson, e, com ele, toda a superprodução, megalomania e plastificação do universo pop da época. Dali para o mundo - um mundo pequeno para o ruído de três garotos mirrados surgidos na fria e chuvosa Seattle.
5. Beatles - Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band
Gravadora - Parlophone
Ano - 1967
Design - MC Productions & The Apple
Fotografia - Michael Cooper
Em 1967, enquanto os Beatles trancafiaram-se por quatro meses nos estúdios para fazer sabia-lá-Deus-o-que, o mundo girou rapidamente. Hendrix, Pink Floyd, psicodelismo, LSD, rádios piratas. "I Want to Hold Your Hand" já não podia sonorizar o planeta. Por intermédio de Peter Asher (irmão de sua namorada, Jane Asher, e metade do duo Peter & Gordon), Paul McCartney conheceu o mexicano John Dunbar, formado em artes em Cambridge, fanático por jazz radical, Duchamp, Beethoven e literatura beat. Em fevereiro de 1966, Peter Asher e John Dunbar uniram forças com o livreiro Barry Miles e fundaram a Indica Bookshop & Gallery. Foi lá que Lennon comprou o Livro Tibetano dos Mortos, que o inspirou a compor "Tomorrow Never Knows" e, algum tempo depois, conheceu Yoko Ono. E foi lá que Miles apresentou o marchand Robert Fraser a Paul McCartney.
Fraser era gay, heroinômano, aristocrático e rico de nascença - seu pai mexia com o mercado financeiro e era conselheiro da Tate Gallery. Paul o considera até hoje sua "maior influência artística formativa". Com ele, comprou quadros, foi a instalações, viajou para assistir a concertos de música erudita e experimentou drogas variadas. Quando os Beatles começaram a pensar na capa do álbum que gravavam havia quatro longos meses em clima de total mistério, foi inevitável que Fraser estivesse envolvido.
A idéia básica por trás de Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band era a de que os Beatles "interpretassem" a tal banda do sargento Pepper como seu alter ego hippie. Paul chamou Robert Fraser e explicou que, para a imagem de capa, imaginava o tal grupo - os Beatles em uniformes de banda militar coloridos acetinados - em uma sala forrada com fotos de seus ídolos. Outras idéias transportavam os quatro bigodudos de Liverpool para uma imaginária pracinha de cidade do interior, em algum evento com o prefeito adornado com arranjos florais e coisas do tipo. Fraser sugeriu que, pelo tom nostálgico da coisa e pela enormidade de elementos populares, o homem certo para realizá-la seria Peter Blake.
Memória pop
Blake era um inglês de Kent, famoso pelos quadros repletos de colagens que misturavam peças de memorabilia, pin-ups, capas de disco, brinquedos fora de moda, fotografias triviais e molduras insuspeitas. Estudou arte folclórica, lecionou em várias universidades inglesas e morou por algum tempo nos Estados Unidos, quando desenhou para o jornal Sunday Times. Já era um nome de ponta da pop art britânica. A partir da idéia de Paul, imaginou a bandinha de metais entre um grande arranjo de flores em que se lê BEATLES, sendo laureada por uma multidão de celebridades vindas de recordações mais ou menos desconexas dos músicos - James Dean, Dylan Thomas, Karl Marx, Fred Asteire, Aleister Crowley, Edgard Allan Poe, Oscar Wilde, Tony Curtis, Paramahansa Yogananda e outros gurus de George Harrison, entre outros.
O ex-fotógrafo da Vogue Michael Cooper foi indicado por Fraser (seu amigo do circuito gay inglês, com quem abrira um estúdio no bairro de Chelsea) para clicar a instalação de Blake. A idéia original, de uma imagem ao ar livre, acabou substituída pelo maior conforto que o estúdio de Cooper oferecia. Para acomodar tanta informação visual, os Beatles solicitaram à EMI uma capa dupla. Blake cuidou de um encarte com diversas imagens e insígnias para recortar. Era um autêntico projeto de pop art.
Foi também o início de uma era de extravagâncias no rock. Uma capa, geralmente gerida pelo próprio departamento de arte das gravadoras, custava em torno de 25 ou 50 libras. Em Sgt. Pepper, só a direção de arte de Robert Fraser somada ao cachê de Michael Cooper custaram 1,5 mil libras; Peter Blake levou 200, mas entrou com um processo décadas depois pedindo reavaliação do valor. Os direitos de uso das fotografias das celebridades também passaram das mil libras.
O disco foi lançado em 10 de junho de 1967, vendeu 10 milhões de cópias e se tornou imediatamente um marco na cultura ocidental. Se Peter Blake (que transformou-se em sir em 2002) não recebeu nem mais um tostão de diretos, sua obra mais famosa lhe garantiu um belo lugar na história da música e das artes. E isso, como diz o outro, não tem preço.
AS PARÓDIAS
FRANK ZAPPA, 1969
MACABRE, 1993
OS SIMPSONS, 1998
ZÉ RAMALHO, 2000
4. Secos & Molhados - Secos & Molhados
Gravadora - Continental
Ano - 1973
Design - Décio Duarte Ambrósio
Fotografia - Antonio Carlos Rodrigues
Como produto pop, o disco de estréia dos Secos & Molhados sobreviveu intacto à ação do tempo. Passou no teste também como expoente do rock nacional (apesar de o próprio Ney Matogrosso afirmar se espantar quando dizem que o som é rock’n’roll). Mas onde parece mais intacto é como peça gráfica. Há alguns anos, foi eleita a melhor capa de discos brasileiros em enquete organizada pelo jornal Folha de S.Paulo, deixando para trás capas memoráveis de Tom Zé e Gal Costa. Considerando que o S&M dava mesmo grande valor ao aspecto visual e que sua maquiagem serviu de referência para uma série de projetos, é uma vitória merecidíssima.
Antonio Carlos Rodrigues, que clicou a capa, define sua criação como "fantástica", como estilo e como resultado. "Tudo nessa capa é fantástico, o momento em que aconteceu, o fato de o disco ter vendido quase 1 milhão de cópias. Antes disso, os discos mais vendidos no Brasil chegavam a 100 mil exemplares", explica.
O fotógrafo comenta que a idéia da capa já existia antes do disco. Certa vez, ao viajar para o Rio de Janeiro, viu algumas meninas na praia com o rosto pintado. Surgiu-lhe a idéia de produzir um ensaio nesses moldes com sua então esposa, que era modelo. Com a ajuda do maquiador Silvinho, fez uma série de fotos parecidas com a que está na capa do álbum do Secos, com a cabeça dela "servida" em uma espécie de bandeja. As fotos foram recusadas por uma revista, mas acabaram publicadas em outra, a Fotoptica, para a qual cedeu os fotogramas de graça. "Disse ao editor que recusara as fotos que pagariam dez vezes mais por elas depois. Ele não acreditou, claro", lembra.
Rodrigues assistiu a um show dos Secos & Molhados e, em seguida, foi procurado pelo pai do compositor João Ricardo, o jornalista português João Apolinário, que lhe propôs que fizesse a capa do disco. João, que havia visto as fotos que ele clicaria para a Fotoptica, era seu colega no jornal Última Hora. "Ele disse que a gravadora não acreditava muito na banda e tinha liberado pouco dinheiro", lembra. "Talvez a quantia fosse o equivalente a uns 80 reais em moeda de hoje. Quando soube do nome do grupo, montei uma mesa no meu estúdio com vários secos e molhados, coloquei a cabeça deles ali e os maquiei."
Para a preparação, todos ajudaram, serrando mesas de compensado - e, durante as fotos, foi gasto muito tempo até que se chegasse ao resultado perfeito, com todos os S&M passando muito frio durante uma madrugada inteira. Na época, o trio formado por Ney, João e Gerson Conrad contava com Marcelo Frias como baterista. Ele aparece na capa e na contracapa, mas, antes de o disco ser lançado, preferiu continuar como músico contratado a correr riscos de trabalhar como parte de uma banda de potencial comercial incerto. Frias não poderia ter chutado a bola para mais longe do gol.
Antonio Rodrigues repetiu quase que literalmente o trabalho que teve com seu ensaio para a Fotoptica, realizando um dos projetos gráficos mais marcantes do rock nacional (apesar do espanto de Ney) e da música popular brasileira.
Carreira curta
Após a capa do primeiro disco do Secos, Antonio só chegou a clicar a (igualmente bela) capa do segundo álbum, de 1974. Depois disso, nunca mais trabalhou com capas de disco, passando a se dedicar a fotos de animais, do Pantanal e, posteriormente, à música - toca saxofone na noite de Penedo (RJ), onde vive num sítio. Também morou na Europa entre 1965 e 1973 e estudou cinema na Polônia.
O seu sumiço do mercado de capas de LPs ele credita à política das gravadoras. "Elas tiveram força, mas depois se desinteressaram da cultura", acredita. "Passaram apenas a investir em produtos forçados. Se eu tivesse feito essa mesma capa em outro país e ela tivesse vendido dez vezes mais que o maior disco de sua época, como aconteceu aqui, eu teria feito uma seqüência disso. Mas nunca mais fui chamado para nada", lamenta.
Ainda hoje, a capa serve como ponto de referência: em 1995, os Titãs usaram o visual bolado por Rodrigues para criar o clipe de "Eu Não Agüento", em que os integrantes também apareciam com as cabeças "cortadas" sobre bandejas - Charles Gavin, o baterista do grupo, se responsabilizaria em 2000 por reeditar o disco em CD. Curiosamente, a banda americana Black Crowes, durante sua passagem pelo Brasil, reclamaria de semelhanças entre os clipes dos Titãs e o de sua música "A Conspiracy". Pura falta de informação.
Já Ney Matogrosso, durante anos, alardearia que o Kiss roubara do S&M a idéia das maquiagens - em uma turnê do Secos pelo México, um empresário que depois trabalharia com o Kiss teria visitado o trio e feito propostas a eles, sumariamente recusadas. Antonio, que diz ter influenciado a banda a se maquiar, afirma que nem eles nem ninguém do grupo jamais havia escutado falar do Kiss.
Secos & Molhados, o disco, já foi reeditado várias vezes, sempre com alguma mudança na arte da capa - chegou a sair uma edição com uma bandeira mentindo "A volta de..." no lado esquerdo. Na edição mais recente, o disco saiu em formato dois em um, com o segundo álbum do grupo (o último com a formação original), incluindo a capa e o encarte originais, mas desfalcada da foto da contracapa, na qual a banda aparecia sem maquiagem, numa janela.
Para Rodrigues, o fato de uma arte gráfica ter tido tanta influência é sinal de reconhecimento de seu trabalho. "Eu sabia desde o início que aquilo iria fazer sucesso. Todo mundo queria saber quem havia tido aquela idéia. Na época do segundo LP, não havia fotógrafo no Brasil que não quisesse fazer a foto da capa para eles", orgulha-se.
3. Cartola - Verde Que Te Quero Rosa
Gravadora - RCA-Victor, 1977
Design - Ney Tavora
Fotografia - Ivan Klingen
Diz aí: não é qualquer disquinho que pode se gabar de rebolar na vitrola ou no leitor óptico e sair por aí reproduzindo em forma de som os talentos de Cartola, Nelson Cavaquinho e Radamés Gnatalli. Verde Que Te Quero Rosa reúne esses três gigantes e não precisaria de outras glórias póstumas para ser cantado em verso e prosa. Mas quiseram os deuses e os votantes desta 100 Maiores Capas de Discos de Todos os Tempos que o terceiro LP de Angenor de Oliveira (1908-1980) fosse eternizado não somente pela essência musical. Sua sublime portada, com foto de Ivan Klingen e direção de arte de Ney Tavora, foi a capa nacional mais lembrada pelo colégio eleitoral bizziano. À frente dos projetos gráficos maravilhosos do selo Elenco, de obras-primas do design da bossa nova e de outros discos festejados mais pela importância do título do que pelas qualidades estéticas de suas embalagens.
Um dos fundadores da Estação Primeira de Mangueira, Cartola pode se gabar de ter inventado a inusitada combinação de cores adotada pela escola. Quem conviveu com o sambista diz que ele não conhecia os versos do poeta espanhol García Lorca ("verde que te quero verde"). Mas a expressão já tinha sido incorporada inconscientemente ao repertório popular quando foi parodiada na belíssima parceria de Cartola com Dalmo Castelo que dá nome ao disco. Dalmo, parceiro Zona Sul do mangueirense em sua última década de vida, certamente estava bem familiarizado com Lorca, o que, a rigor, não tem importância nenhuma. O importante é constatar: poucas vezes uma capa traduziu tão bem uma frase, com todo o lirismo e subtextos implícitos.
Ney Tavora fez o que tinha de fazer. Jogou no canto direito o nome de Cartola e deixou o lindíssimo retrato do sambista falar por si. O título do disco não precisava aparecer mesmo; já estava totalmente traduzido pela imagem. O cafezinho na xícara verde, o pires rosa, o cigarro entre os dedos, o anel e a aliança, os óculos escuros... E, gloriosamente registrado, o nariz, que a imprensa da época costumava chamar de "irreal", bem naquilo que Roland Barthes chamaria de pictus da imagem...
Por causa de uma doença chamada acne rosácea, Cartola durante muitos anos ostentou um nariz "de couve-flor". Os hábitos alcoólicos da fase lost weekend, nos anos 40 e 50 (até 1956, quando foi "redescoberto" pelo jornalista Sérgio Porto trabalhando como lavador de carros), certamente contribuíram para piorar o aspecto da coisa. Tanto que, em 1964, já alçado à condição de cult, com o Zicartola empanturrando os intelectuais cariocas de samba, cerveja e feijoada, amigos mais abonados pagaram uma cirurgia plástica para Cartola. Pedacinhos do bumbum, como já escreveu Aldir Blanc, foram parar ali, na napa do poeta.
"Quando ele levou a xícara à boca, procurei um ângulo adequado. Peguei por baixo, com a xícara fazendo um pouco de sombra. O tom do nariz se confunde com a sombra que ficou no queixo. A luz bate na parte de cima da cabeça", lembra o fotógrafo Ivan Klingen, de 57 anos.
Em seu portfólio, além de Verde Que Te Quero Rosa, constam capas para discos importantes, como De Pé no Chão, de Beth Carvalho (de 1978, lindamente clicada na quadra da Cacique de Ramos), Modo Livre, de Ivan Lins (1974), e Miúcha e Antônio Carlos Jobim (1977). "Acho que foi o Tom quem me indicou para esse LP do Cartola. Ele tinha gostado das fotos de divulgação que fiz para a Sarah Vaughan, quando ela esteve no Brasil, e me chamou para cuidar da capa do disco dele com a Miúcha."
Ivan lembra bem da foto de Verde Que Te Quero Rosa: foi uma daquelas imagens históricas e "com história". "Parece que não era para ter sido feita. Tive encontros e desencontros com o Cartola naquele dia. A RCA (gravadora) me ligou numa noite dizendo para fazer a foto no dia seguinte, na casa dele, na Mangueira. Falaram que um funcionário da gravadora que morava lá perto iria avisar o Cartola. Nem consegui dormir, preocupado com o que ia fazer, que equipamento levar."
Só para situar: já havia a consciência de que aquele era um artista de absoluta importância, uma lenda viva da cultura nacional. Depois de uma trajetória de altos (poucos) e (prolongados) baixos, Cartola só pôde lançar o primeiro disco aos 66 anos, em 1974 (antes havia participado de Fala Mangueira, de 1968, com Clementina, Nelson Cavaquinho, Odete Amaral e Carlos Cachaça). Seus dois primeiros LPs, editados pela gravadora independente Marcus Pereira Discos, causaram comoção na música popular brasileira. Verde Que Te Quero Rosa, de 1977, marcava a estréia do sambista em uma major, a RCA (hoje BMG), e levava o esquema fundo-de-quintal para possibilidades maiores, ainda que com a produção de Sérgio Cabral, comprometido e totalmente identificado com o lado roots da coisa.
Continua Ivan: "No dia seguinte, quando cheguei, o Cartola estava de pé, em frente da casa, com uma mala, pronto para viajar. Estava esperando um parente que ia levá-lo para a rodoviária. Tentei convencê-lo da urgência que eu tinha, do pedido da gravadora, mas ele me disse para fazer a foto outro dia. Fiquei sem saber o que fazer." Quem salvou a pátria foi Dona Zica. Vendo o desespero do fotógrafo, ofereceu o mínimo que a hospitalidade do morro garante (ou garantia, né?): um cafezinho. Foi a salvação. "Rapaz, a xícara era verde! Me deu um estalo: eu já sabia que o título seria Verde Que Te Quero Rosa." Ivan perguntou à anfitriã se por acaso ela tinha um pires cor-de-rosa. "Safado! Quer tomar café nas cores da Mangueira!?", mandou Dona Zica, sacando as intenções do fotógrafo, antes de voltar da cozinha com o tal pires.
Pronto? Pronto nada! Ivan pediu a Cartola para vestir uma camisa azul, pensando em misturar as cores da Mangueira com as do Brasil. "A camisa foi lavar, ainda não está passada...", resmungou o compositor. Mas, como o tal parente da carona não chegava nunca, deu tempo para Dona Zica salvar novamente a pátria com o ferro. Ivan achou o fundo amarelado (na verdade, ocre) que buscava e botou Cartola para fingir que estava bebendo o cafezinho. O cigarro, companheiro de Cartola até o fim de sua vida, entrou na composição, conforme quis o fotógrafo, como "o branco da bandeira". O ângulo sugere até uma continuação das cinzas na cabeleira prateada do artista. "Eu quis retratar o que ele era: além do fundador da Mangueira, um brasileiro profundamente envolvido com a estética do nosso país. Além disso, tentei mostrar sua elegância, aqueles óculos escuros, que ele não tirava nunca... Eles compunham muito bem com o rosto - você não o reconheceria sem os óculos. Cartola tinha uma noção de estética e elegância incríveis."
Ivan usou filmes de 35 milímetros, que, quando ampliados para o tamanho das capas de LP (31 por 31 centímetros), costumam denunciar eventuais tremidas e distorções. "A foto que virou capa era a que corria mais riscos, porque tive de me aproximar bastante dele. Quando vi o resultado, fiquei muito feliz e pensando com meus botões que, se tivesse preparado algo antes, não teria saído tão bom. Provavelmente teria seguido algum padrão. Mas a situação sem controle impediu que isso acontecesse. E, claro, se a Dona Zica não tivesse servido o cafezinho, a capa não existiria!"
Por Pedro Só
2. Clash - London Calling
Gravadora - Epic
Ano - 1979
Design - Ray Lowry
Fotografia - Pennie Smith
Preocupações políticas e musicais não eram as únicas coisas que importavam para a única banda que importava. O The Clash sempre teve consciência do valor do impacto visual no rock. Afinal de contas, estilo era o motor do punk inglês e, ainda que a banda não fosse espalhafatosa e provocadora como os Sex Pistols, o Clash cuidava de detalhes como signos, bottons, chapéus, cintos e cabelos besuntados com brilhantina desde suas primeiras fotos publicitárias. O "assalto" estético propagado pelo punk era fundamental no plano de dominação que a banda pretendia aplicar nos Estados Unidos.
Antes de London Calling, havia a fúria punk de The Clash (1977), cuja selvageria tratava da recessão econômica e do caos social que atacava Londres. O som de rock clássico de Give’em Enough Rope (1978) tampouco foi suficiente para conquistar o público americano - entrou na modestíssima posição 128 da parada em abril de 1979 - e a CBS franzia a testa preocupada com o poder de alcance de sua aposta, cujo contrato estipulara cifras inéditas para o mundo punk. O primeiro sinal de que as correntes do estilo e a barreira americana poderiam ser rompidas veio em junho de 1978 com o reggae-dub "White Man in Hammersmith Palais". Ao menos os integrantes do Clash acreditavam firmemente em sua internacionalização.
Em sua primeira turnê americana, Pearl Harbor’79, no início daquele ano, o The Clash escolheu nomes como Sam & Dave, Bo Diddley e Screamin’ Jay Hawkins para a abertura de seus shows, tática do tipo "política da boa vizinhança", mas que também revelava o fascínio pelas raízes e pelas legendas do rock’n’roll que apareceria em London Calling. No segundo giro pelos Estados Unidos, no mesmo ano, o The Clash embarcou da Inglaterra ao lado da fotógrafa Pennie Smith e do designer Ray Lowry, para documentar as apresentações e, depois, criar a arte do próximo disco.
Fora de foco
Estudante da Twickenham Art School no fim da década de 60, Smith não gostava particularmente de fotografia ou de rock quando foi chamada para colaborar (de graça) na revista alternativa Frendz. Aliás, era completamente alheia ao rock da época até conhecer o jornalista Nick Kent, que a levou para a publicação New Musical Express. Nesse semanário, fez várias capas, incluindo a da turnê do Led Zeppelin de 1973, e ficou amiga do futuro companheiro de viagem Lowry.
A foto que se tornou uma das capas de disco mais conhecidas da música pop foi tirada durante uma apresentação do The Clash no Palladium Theater, em Nova York, no dia 21 de setembro. O show transcorria bem (na concepção punk do termo), mas o baixista Paul Simonon irritava-se cada vez mais, possivelmente por causa do som de seu instrumento que ouvia pelas caixas de retorno. Smith percebeu a ira do baixista e passou a acompanhar seus movimentos. Foi então que, com fumaça saindo pelas ventas, Simonon ergueu o contrabaixo acima da cabeça e o arremessou para baixo, espatifando-o contra o chão. Próxima da cena, Smith não temeu ser atingida por um naco do instrumento e clicou.
Confiante de que conseguira uma boa foto, ela revelou o filme, mas decepcionou-se em seguida: a imagem de Simonon não tinha foco. Joe Strummer, contudo, afirmou categoricamente que aquela seria a capa do disco, não arredando pé nem mesmo diante dos argumentos técnicos da fotógrafa. Depois de ampliada, Smith percebeu que realmente tinha registrado uma imagem poderosa. A superação da crise de identidade, o rompimento com as limitações sonoras e estéticas, a gana em abrir outras portas para o rock e um novo mercado para si próprio - o Clash tinha nas mãos um instantâneo que espelhava as mudanças detonadas com London Calling.
No departamento de arte da gravadora CBS, em Londres, Ray Lowry utilizou a mesma tipografia do disco de estréia de Elvis Presley, em verde e rosa, com a idéia de que London Calling tornava o rock novamente perigoso, como ele havia sido em meados dos anos 50. Strummer e Mick Jones, os líderes da banda, ganharam espaço somente na contracapa, mas não reclamaram. Quem sempre se lamentava ao ver a arte gráfica do disco era o próprio Paul Simonon. "Devia ter usado um baixo reserva. O que destruí era muito bom!"
London Calling expandia não somente o som do Clash para o reggae, o rockabilly, o jazz e o r&b como também levava "fisicamente" o grupo para a América e seu caos de informações e misturas culturais. O título puxava os holofotes do mundo pop de volta para a capital inglesa, só para ganhar as credênciais e pisar no solo americano. Definitivamente, o Clash não estava mais entediado com os EUA, como cantara no disco de estréia. Apesar de duplo, London Calling foi vendido a preço de LP simples e teve excelente aceitação nos EUA, chegando ao 27º posto da parada no início de 1980. Por pouco não foi intitulado The New Testament, mas presunção tinha limite até para os ingleses.
1. Velvet - Underground - The Velvet Underground & Nico
Gravadora - Verve
Ano - 1967
Design - Andy Warhol
Fotografia - Andy Warhol
Imagine Nova York. Não a Nova York de hoje, gorda, de luxo, donald trump, sex & the city, wall street, ruas limpas, casacos de pele, espresso bars, comédias românticas com meg ryan, festas com bellinis, paris hilton e sean puffy daddy combs.
Imagine Nova York magra, junkie, pobre, livre, ruas sujas, dentes podres, lofts abandonados, squatters, grandes espaços vazios suspensos abertos como bocas para quem quisesse cuspir neles, morar neles, sonhar neles, heroína, opiáceos puros - ecstasy ainda não havia sido inventado, tudo era pó e gim, coisa barata e farta (estranho, quem ganhava com isso?) -, max’s kansas city, ratos, fumaça dos subterrâneos, gente nos subterrâneos, esgoto nos subterrâneos como veludo, espesso, fedorento, liso, escuro.
Imagine 1967. Vinil, vietnã , úlcera roendo por dentro, uma geração contra a outra, lyndon johnson, helicópteros em missões secretas, swinging london, mary quant, maconha, testes de ácido, mundos coloridos, festival de monterey, jimi hendrix, jefferson airplane, beatles, strawberry fields forever, janis joplin, carlos castañeda, caras pintadas. Drop in, drop out, get free.
If you’re going to San Francisco, be sure to wear some flowers in your hair... Mas São Francisco é uma península. Nova York é uma ilha.
Na ilha dos dentes podres, Andy, o filho homossexual de imigrantes tchecos - solitário e talentoso, bolsista, isolado, chacota dos colegas, tardes solitárias no estúdio desenhando futuros prováveis -, chegou para trabalhar em publicidade, encurtou o nome de Warhola para Warhol, ganhou tubos de dinheiro, mandou chamar a mãe e os três gatos dela e se instalou numa peculiar vida dupla. Em casa, com Dona Julia Warhola e caixas de recortes de tudo; nas ruas, como o mestre e senhor de um cavernoso galpão, meio estúdio, meio teatro, meio galeria, chamado The Factory.
Agora você tem de imaginar portas abertas. Portas abertas como arte. Doce, tímido e incrivelmente dominador do jeito como pessoas doces e tímidas são capazes de ser, Andy abria as portas da Factory sem julgar e sem perguntar, sem catalogar e sem querer saber para que serviam os pedaços de humanidade que as marés da ilha empurravam através delas. (Por favor, não esqueça que você está imaginando 1967!).
Artistas, travestis, junkies, vagabundos, atores pornô, modelos, garotos de programa, traficantes, socialites, beatniks. "As pessoas simplesmente eram", diria, muitas décadas depois, um surpreendentemente intacto sobrevivente da experiência. "Elas chegavam à Factory e, de alguma forma, se encontravam. Encontravam um espaço onde podiam ser elas mesmas."
Por essas portas, um dia passou um agregado de gente tão improvável que apenas ali poderia ser seu paradeiro. Lou Reed e Sterling Morrison eram colegas de faculdade nascidos no mesmo lugar - Long Island, Nova York -, do mesmo tipo de família - rica e conservadora. John Cale, nascido no País de Gales, era um músico treinado em conservatório - com especialização em viola - e educado tanto por mestres minimalistas quando pelas exigências de uma gravadora comercial, tipo linha de montagem, onde sua tarefa era produzir canções pop em massa. Maureen Tucker era irmã de um amigo de faculdade de Lou e Sterling. Faziam música juntos com vários nomes até que um, descolado de um romance sadomasô, colou: Velvet Underground. Estavam tocando num bar em Greenwich Village, o Cafe Bizarre, quando Andy os viu.
Aí tudo mudou.
A arte de Andy Warhol era, basicamente, a arte do desejo de Andy Warhol. E Andy desejou o Velvet Underground. Talvez não sexualmente de forma explícita - chegaremos à banana em um minuto. Mas os desejou em sua vida-arte-vida, desejou a coisa rock que eles traziam para dentro da Factory, a trilha sonora que eles proporcionavam a suas outras aventuras no caminho de uma arte de massa/massa como arte.
A trilha era assim: insular e angulosa, um pulsar quieto sobre uma base tribal. Guitarras improváveis e letras (Reed formou-se em literatura) falsamente simples e extremamente eruditas sobre drogas, chicotes, prostituição. Na Costa Oeste, tudo girava multicolorido e harmônico, e em Londres, as notas saltitavam sobre oboés e fitas invertidas, mas o Velvet era uma ilha numa ilha, e Andy era uma ilha numa ilha e foi paixão à primeira vista.
Antes da consumação, houve Nico. Nico era alta, ossuda, imponente, às vezes loura, às vezes ruiva ("pintei o cabelo de ruivo porque me disseram que Jim Morrison só gostava de ruivas, eu era tão louca por ele"). Germânica e rainha do gelo, era a pessoa que ela havia inventado no mundo particular da Factory, para onde fora importada depois de uma carreira como modelo e quase popstar.
Nico cantava como se fosse Morticia Adams com um garrote no pescoço, o que, na visão de Andy, era absolutamente perfeito para o Velvet. Um disco seria feito, estava decidido, e Lou comporia algumas canções especialmente para Nico ("Femme Fatale", "All Tomorrow’s Parties" e "I’ll Be Your Mirror").
O disco foi gravado em um dia, talvez dois, num estúdio caindo aos pedaços - Scepter Records - e bancado inteiramente por Andy e um amigo, ex-executivo de gravadora (custo total da produção: 1,5 mil dólares). Os Velvets vinham ensaiando ferozmente havia semanas - "foi um período extremamente produtivo", Cale recorda. "Mexemos com a afinação, aprendemos a usar instrumentos e efeitos" - e participando dos shows-multimídia da Factory, os Exploding Plastic Inevitable.
A Verve, divisão da MGM Records, comprou o disco, mas teve de esperar pela capa. Andy queria uma banana, mas não qualquer banana - uma banana em camadas que, devidamente descascada, revelasse seu interior. Uma cortadora especial teve de ser providenciada para a execução dessa perfeita metáfora de Nova York em 1966/67, com a Factory e os Velvets no meio - banal e possivelmente passada, bruta e simples e só no espaço branco da capa, pedaço descolado de uma natureza morta não consumida, a banana se abre (ao longo da linha perfurada dizeres mínimos indicam - "descasque devagar e você verá") para revelar um interior rosa fálico, frágil e sensual. Uma ilha dentro de uma ilha, com uma casca grossa por cima. (E a assinatura de Warhol embaixo, honra imerecida pelo próprio título do álbum).
A contracapa tem os Velvets tocando num E.P.I. na frente de um still do filme de Warhol The Chelsea Girls - um still de uma figura complicada do universo warholiano, Eric Emerson, que depois, precisando de grana para pagar fiança e sair da cadeia, processou a gravadora pelo uso não autorizado de sua fotografia.
The Velvet Underground & Nico foi lançado em março de 1967, chegou ao modestíssimo centésimo septuagésimo primeiro lugar das paradas americanas em maio e depois desapareceu. Os tempos não estavam maduros, a banana flutuava entre o que absolutamente era, em seu universo preciso, e o que poderia vir a ser.
A banda se separaria em 1969 e Lou Reed seguiria para uma brilhante carreira-solo. Nico morreria do coração na Espanha justo quando tinha largado as drogas. Andy Warhol faria uma outra capa fálica de muitas camadas - Sticky Fingers, dos Rolling Stones -, se tornaria uma estrela das artes americanas contemporâneas e morreria aos 58 anos entre suas caixas de recortes, depois de uma cirurgia de rotina. Eric Emerson morreria aos 30 anos de overdose e seria homenageado com uma canção do Sonic Youth, uma das centenas de bandas que jamais teriam existido se The Velvet Underground & Nico não tivesse existido antes.
Por Ana Maria Bahiana
WARHOL ERA ASSIM...
KENNY BURRELL, 1956
JOHNNY GRIFFIN, 1957
KENNY BURRELL, 1958
...E FICOU ASSIM
BILLY SQUIER, 1982
ARETHA FRANKLIN, 1986
JOHN LENNON, 1986